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Turismo de luxo, hotelaria e novas tendências do mercado de viagens e turismo

Para ir além de Ushuaia

Por Mari Campos
Atualização:

O trecho final do trekking, já pela praia, em direção à carcaça do Desdemona: ninguém mais à vista. Crédito: Mari Campos Foto: Estadão

 

Sou encantada por Ushuaia desde a primeira vez que pisei por aquelas bandas. De lá pra cá, já foram diversas visitas diferentes a esta incrível cidade no "fim do mundo" - incluindo uma especialíssima, quando zarpei de lá diretamente para a longínqua Antártica, a viagem de uma vida. Mas a verdade é que a cada vez que volto para a Terra do Fogo, mais gosto e me encanto com a região. Para mim, tem o mesmo tipo de beleza selvagem e arrebatadora que tanto me encanta na Patagônia chilena. E, claro, a cada vez que volto, tento fazer passeios diferentes por lá (aliás, dá para ler sobre meus passeios favoritos por aquelas bandas neste post aqui).

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Já contei aqui, na semana passada, sobre  experiências fora da curva para comer (muito) bem em Ushuaia. Eu realmente sentia falta de ter experiências gastronômicas boas de verdade por aquelas bandas, e isso finalmente foi resolvido com as duas experiências memoráveis que cito no texto em questão.

Mas hoje eu quero falar sobreo verdadeiro luxo que é sair do óbvio num passeio, ir além do programado e vivenciar situações realmente autênticas quando visitamos um lugar. Foi isso que aconteceu comigo em um dos passeios que fiz nesta última viagem: o tour Cabo San Pablo + Rollito, que vai muito além dos passeios tradicionais em Ushuaia e nos leva a conhecer, de fato, mais sobre a Tierra del Fuego em si.

O novo tour desenvolvido pela Tierra Turismo élongo, de literalmente dia todo - sai cedo e volta já à noite, podendo chegar a até 12h de duração (dependendo do ritmo do grupo). O passeio é feito em grupo pequeno, de no máximo 6 pessoas por carro (4x4), e envolve bastante tempo de estrada. Sei que para algumas pessoas muito tempo dentro do carro incomoda, mas eu me encantei inclusive por essa parte: ao longo do trajeto até a ponta de terra conhecida como Cabo San Pablo, atravessamos a Cordilheira e fomos nos fartando dos mais distintos tipos de paisagens, incluindo até mesmo a zona de transição pré-estepe, o ecotono.Vimos lagos, montanhas, desfiladeiros, bosques, descampados imensos, represas de castores, neve, chuva, sol, oceano - com direito a paradinhas aqui e ali, seja para tirar foto ou para tomar um café. Ao chegar a Cabo San Pablo, um montanha com um antiquissimo farol cujo penhasco fica debruçado sobre o oceano Atlântico, o 4x4 foi estacionado e seguimos por uma pequena trilha (de fácil dificuldade) para chegar até o farol.

O farol, já quase em ruínas, fora de uso, tombado como uma mini Torre de Pisa, resistiu simbólica e bravamente aos efeitos do tempo e dos ventos.Do alto do cabo, a paisagem é arrebatadora: de um lado, a estepe patagônica e estâncias gigantescas, sem qualquer forma de construção à vista; do outro, uma faixa imensa de penhascos e areia banhada pelo Atlântico, com direito à imensa carcaça do navio Desdemona encalhada numa das prainhas.Após longa parada para fotos lá do alto, a trilha segue então montanha abaixo até chegar à praia. Caminhamos pela praia de pedrinhas, as botas molhadas pelo mar que avançava, até a carcaça do Desdemona, que encontrou ali seu repouso há tantas décadas. As águas abriram um imenso buraco no casco e é possível literalmente "entrar" dentro da carcaça do navio para ver o que restou dele. À beira da praia, uma antiga "hospedaria" dos tempos de Perón totalmente abandonada e depredada.

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Foi na praia mesmo que fizemos nosso breve almoço, num esquema ultra simples - um box lunch de empanadas e refri, sem qualquer pompa ou delícia gastronômica. O grande luxo ali era sermos os únicos turistas à vista em quilômetros e quilômetros; estivemos o tempo todo do passeio completamente a sós, absorvendo o silêncio, o ar puro, os fortes ventos e a paisagem tão selvagem mais intensamente do que esperavamos.

Quando eu pensava que nada mais poderia me surpreender depois de tanta beleza, entramos novamente no 4x4 e seguimos viagem por cerca de meia hora até a "Estância Rollito", uma das muitas fazendas da Terra do Fogo. Ali, foi a proprietária Amy, uma adorável senhorinha argentina, que nos recebeu pessoalmente em suas botas sete léguas - estava trabalhando em sua estufa, que fez questão de nos mostrar em detalhes - "as pessoas não têm ideia do desafio que é fazer qualquer coisa crescer aqui neste fim do mundo", contou exibindo orgulhosa flores, verduras e algumas poucas frutas e vegetais que andava cultivando.

Dentro da casa, sentamos à mesa da cozinha e ela preparou um café. Falamos da vida, de política, de novas tecnologias. Amy vive há décadas ali com o marido e a filha, cria alguns animais e usa também a estância como uma pousada low cost frequentada basicamente por turistas franceses. Com a fala calma e pausada típica das pessoas do campo, falou das dificuldades com internet e telefonia na região e como ficava incomodada quando ia "para a cidade" e via todo mundo tão dependente do celular.Tomamos o café encorpado ali mesmo, na cozinha, enquanto nos servia biscoitos amanteigados que ela mesma tinha feito.

Enquanto fazíamos o longo caminho de volta, a luz do sol da tarde deu as caras, dando outra atmosfera para os cenários que tinhamos visto pela manhã com o céu nublado e chuviscos. A neve na estrada, que nos cobriu parte do caminho na viagem de ida, ao nos aproximarmos novamente de Ushuaia já tinha derretido quase que por completo e revelava contornos que antes não tinhamos visto. Eu mal podia acreditar que tinha visto tanta beleza e variedade de paisagens num único dia, numa simples viagem de carro com um trekking no meio do caminho. Foi o passeio mais bonito que já fiz por aquelas bandas.

 

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Em tempo: o tour relatado aqui só acontece na alta temporada da Terra do Fogo, que vai de outubro a março.

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