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Reinações de Gabo

Colecionadora de histórias, Cartagena acolhe em suas muralhas costumes e tradições da porção caribenha do país - a mesma que inspira a obra imortal de seu mais famoso escritor

Por Fabio Vendrame
Atualização:

Felipe Mortara / CARTAGENA

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"Me sinto estrangeiro em todas as partes, menos no Caribe", disse certa vez Gabriel García Márquez. Ao contrário do escritor premiado com o Nobel de Literatura em 1982, o visitante talvez não se sinta imediatamente em casa nos 1.300 quilômetros da porção caribenha do litoral colombiano. Porém, assim como na obra-prima do autor, Cem Anos de Solidão - cuja inspiração surgiu por estas bandas -, é tudo uma questão de tempo. E de percepção.

Assim como no realismo mágico que permeia a obra de Gabo (como o autor é conhecido na Colômbia), estímulos não faltarão, especialmente em um lugar como Cartagena, principal cidade da região, a 260 quilômetros da pequena Aracataca - a terra natal do escritor.

'Palenquera' vende frutas na Plaza de San Pedro Claver - Foto: Felipe Mortara/Estadão

Um pouco por seu 1 milhão de habitantes, outro tanto por seu compasso cativante e muito por sua História, com H maiúsculo. Por todos os lados, vestígios de séculos de colonização espanhola, entre 1533 e 1816 - com idas e vindas, inúmeras batalhas e heróis.

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Destoante no horizonte da Cidade Velha, o Forte de San Felipe de Barajas, concluído em 1657, talvez não seja apenas o cartão-postal mais emblemático, mas a lembrança constante do lugar estratégico em que a cidade está encravada. Além de ter sido porta de saída para muito ouro rumo ao Velho Continente, Cartagena é também um excelente ponto de partida para desvendar costumes e tradições do Caribe colombiano.

Consta nos registros do indispensável Museu da Inquisição (Plaza de Bolívar, s/n.º) que na cabalística data de 11 de novembro de 1811, às 11 horas da manhã, houve um basta. Liderados por figuras como Pedro Romero, Germán Gutierrez e Ignácio "El Tuerto" Muñoz, os cartageneros declararam sua independência dos colonizadores. A alegria durou pouco, já que em 1815 o "pacificador" espanhol Pablo Morillo aportou na cidade acompanhado por 10 mil homens. Em poucos dias, mais de 6 mil moradores, entre crianças e mulheres, morreram.

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Assim, Cartagena foi a última cidade colombiana a conquistar a independência, em 1816. Imprescindível a expertise acumulada por um certo Simón Bolívar, que atuou na libertação de vários países vizinhos - o que aparentemente lhe conferiu o direito a ocupar uns 80% de todos os bustos e estátuas colombianos, além de batizar dezenas de praças e ruas pelo país.

Foi, inclusive, em um banco da Plaza de Bolívar que o mais famoso escritor colombiano, hoje com 86 anos, pegou no sono em sua primeira noite na cidade, após chegar de Bogotá, em 1948, sem um tostão no bolso. Em pleno toque de recolher, decretado após a morte de um figurão militar, Gabo foi acordado por policiais ao anoitecer e encaminhado à delegacia. Levado a uma cela, surpreendentemente não apenas não ficou trancafiado como lhe foram oferecidos cama e comida. E a porta destrancada no dia seguinte.

No mínimo improvável, não? Situações como esta - somadas às lendas e ao clima mágico que naturalmente emana das paredes, das cores e dos olhares cartageneros - dão uma boa ideia do que inspirou Gabo a ambientar muitas de suas obras entre a quilométrica muralha de Cartagena. Emoção que exprime em sua autobiografia, Vivir para Contarla. "Bastou dar um passo dentro da muralha para vê-la em toda sua grandeza à luz violeta das seis da tarde, e não pude reprimir o sentimento de ter voltado a nascer."

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