Produzido pela Pitaya Filmes, o documentário serviu para documentar essa expedição incrível que fiz no ano passado.
Já relatei há duas semanas por aqui de toda a preparação que tive ao longo de 16 anos escalando montanhas mundo afora, porque o Everest é brincadeira pra gente grande, não admite falhas e distrações podem ser fatais.
As imagens mostrarão que eu estava certa e o universo confirmou que minha intuição foi precisa: encarei o desafio da face norte no tempo certo, pois se trata de um lugar mais perigoso, mais técnico e tão desafiador quanto a sul.
Um alpinista com bom preparo físico consegue fazer esse trajeto em um ou dois meses. Eu atingi o meu objetivo em vinte dias. Não foi à toa. Com a experiência de vida e com o aprendizado da face sul, estava mais ágil nos movimentos, mais rápida no pensamento e mais fria para encarar alguns perrengues como vocês podem ver abaixo.
Pensa no dia mais frio que você já pegou aqui no Brasil. As respostas serão diferentes se você estiver em Cuiabá (MT) ou na Serra Gaúcha. Agora imagina um vento como acompanhamento. Imaginou? Pois bem, houve um período que os termômetros marcavam entre 45 e 55 graus. Negativos! Sentiu frio em imaginar? Como nem tudo é tão ruim que não posso piorar, ainda tinha vento o que fez eu sentir um frio inimaginável para um ser humano passar. Tanto é que foi um dos meus maiores perrengues nesta aventura esse vento gelado em alta velocidade que chegou ao ponto de queimar meu rosto (foto abaixo).
A lesão na minha face foi apenas física. Entretanto, o que mais acontece são imprevistos e somos obrigados a improvisar. Neste quesito somos reis. Eu perdi um cinegrafista especial no meio do caminho enquanto gravava "A outra face do Everest". A comida que ingeríamos era liofilizada (desidratada), as condições de higiene eram precárias e ele foi contemplado com uma infecção intestinal que o fez perder 20 kg. Você poderá assistir os detalhes no documentário e nossos esforços pra escalar, filmar, carregar equipamentos, câmeras e impedir que elas congelassem.
No meio do caminho também encontrei um holandês que eu já havia conhecido em um dos acampamentos-base existentes na região. Essa parte foi tensa, pois ele não conseguiu o que se recomenda a todos que têm o sonho de chegar no alto do Everest que é se manter saudável. Já estávamos a mais de 8.000 metros ele teve o que chamamos de "psicose de altitude". Não falava coisa com coisa, não andava nem mais em linha reta, começou a ficar agressivo e insistia em continuar. Teve um momento que a consciência dele falou mais alto e resolveu admitir que tem vezes na vida que a maior vitória para continuar vivendo é desistir.
Desistir não foi uma palavra que cogitei em usar porque ela nunca esta no meu vocabulário. Além da agilidade na nossa subida, eu estava muito bem preparada. Perdi 6kg fazendo o caminho do sul enquanto que na sul foram 10kg. Não comíamos verduras, frutas, fibras e legumes porque eram inexistentes naquele frio. Os fatores temperaturas negativas, ventos e (falta de) higiene fazem com que seja fácil ficar enfermo no caminho. Não foi o meu caso. O emagrecimento não é o do tipo que todo mundo deseja, com perda de gordura. Perde-se em montanhismo desse porte muita massa magra (músculo) com o baixo nível de oxigênio no ar. Eu levei três semanas depois que terminei a missão para recuperar meu peso, meu sono e voltar a ter a vida de antes.
De todos os perrengues que tive na vida, os passados nas duas ocasiões no Everest (2013 e 2017) foram um dos mais desafiadores e inesquecíveis, com várias lições. Querem saber quais que eu aprendi? Curiosos para acompanhar meus pensamentos quando cheguei ao lugar mais alto do mundo? Assista hoje o primeiro episódio de "O outro lado do Everest" às 20h no Canal Off para compreender melhor o que compartilharei por aqui na próxima semana.