Quando ouvi falar sobre essa tendência nova de doar o meu trabalho confesso que me senti dividido. Mesmo tendo adorado a ideia de não doar dinheiro ou bens - mas em vez disso doar um pouco do meu trabalho - percebi que o meu trabalho não é daqueles trabalhos convencionais e sinceramente não encontrei uma forma útil de contribuir com a sociedade. Sou guia de montanha e alpinista profissional.
Por anos fiquei com isso na cabeça e sempre tive aquela sensação de que eu poderia fazer mais pelo mundo, mas nunca achei um jeito. Escalar montanhas não é algo que pague tão bem assim que me permita doar dinheiro à boas causas. Sempre que eu ouvia falar daquelas expedições médicas mudando o mundo, eu explodia de inveja: "Por que não estudei medicina!?"
Eram meados de 2016 quando ouvi falar pela primeira vez sobre o Projeto Dharma da Karina Oliani e do Andrei Polessi. Ela médica e apresentadora de TV, ele designer e fotógrafo, juntaram forças e produziram um livro de fotos do Nepal para doar o lucro ao país. Senti que eu também poderia ajudar. Trabalho há anos no Himalaia guiando expedições em montanhas daquelas grandes e complexas e estive inclusive no terremoto que arrasou o pequeno país em 2015. Na época tive aquela mesma sensação horrível de não poder ajudar por não ser médico ou arquiteto.
Após passar alguns meses no Brasil respirando ar com mais oxigênio, pude pensar e perceber que eu não tinha que ser médico para ajudar. Percebi que as minhas habilidades inúteis tornaram-se a forma perfeita de ajudar o mundo: Porque não guiar um trekking popular como o que vai à base do Everest e doar todo o lucro ao Nepal?
Mesmo um trabalho supérfluo como o meu pode se tornar extremamente útil dependendo da ocasião. Conversando com o Andrei mais tarde, percebi que ele também teve o mesmo sentimento. No entanto ele encontrou uma forma muito inovadora de tornar suas habilidades fotográficas em algo de extrema importância: através de suas fotos, conseguimos divulgar o nosso trabalho e mostrar ao mundo que qualquer trabalho pode ser doado e tem extrema importância para a sociedade. Se bem aplicado, o trabalho de um padeiro, de uma dona de casa ou de um advogado, podem de fato mudar o mundo se usados no lugar e momento certo.
Ouvi belos exemplos de como as profissões mais insólitas podem ajudar pessoas de formas mais insólitas ainda. Ouvi como o cara do xerox pode ter um papel decisivo espalhando instruções de plantio em regiões áridas. Um advogado pode vir ser a peça chave em uma expedição médica ao Piauí onde a demarcação de terras pode significar um investimento mensal do governo federal... Qualquer um pode sim ser a diferença, é só ter uma boa idéia e aplicá-la.
Estou no interior do Nepal esperando o tempo melhorar para poder voltar à civilização. Já estamos no fim da expedição solidária que meses atrás era um sonho. Junto a nós, tivemos 44 pessoas que aderiram à causa e conseguimos arrecadar 100 mil reais para doar à este pequeno país que é um dos mais pobres do mundo! Ainda não acredito que conseguimos tanto em tão pouco tempo. Apesar de se tratar de uma expedição solidária, a pessoa que eu mais ajudei foi eu mesmo. Quem diria! Escalar não é tão inútil assim! Ufa!
A Expedição Solidária ao Acampamento-Base do Everest 2017 arrecadou R$ 98.755,00 e foi um esforço em conjunto do Instituto Dharma e a agência GentedeMontanha.com para ajudar a pequena vila Patle - localizada a 80km do Everest - a se recuperar do terremoto de 2015 e ajudar o maravilhoso povo sherpa a continuar batalhando a vida com um pouco mais de dignidade.
FOTOS:
Andrei Polessi
Karina Oliani
AGRADECIMENTOS:
Instituto Dharma(www.institutodharma.org)
Gente de Montanha (www.gentedemontanha.com)