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Duas jornalistas caem no mundo unindo duas paixões: viajar e ajudar o próximo. Aqui, elas relatam as alegrias, os perrengues e os aprendizados dessa experiência.

Às mestras, com carinho

Miss Silva é uma menina tímida de 16 anos, cabelo Rapunzel, olhar cansado, jeito doce. Madura e inocente, responsável e adolescente. Conduz, sozinha, a classe dos mais novinhos no centro comunitário com tamanho amor e paciência como nunca vi.

Por Camila Anauate
Atualização:

Talvez porque só ela entende quem aquelas crianças são, o que passam, como se sentem. Miss Silva chegou à Jordânia aos 13, fugida com a família do Iraque, onde viu sua casa virar cinza. Vive no eterno "enquanto isso". Enquanto não pode voltar ao seu país, enquanto não consegue visto para a Austrália, enquanto não entra na universidade, enquanto os anos passam.

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Com ela chorei ao ver fotos de sua amada cidade Mossul destruída, ao falarmos sobre o futuro. Com o silêncio como resposta sobre seus sonhos. Com a simples e genuína metáfora de que o Iraque é sua mãe e a Jordânia, o marido.

"Aqui a vida é difícil, não é meu país, não sou jordaniana, há muita discriminação", me explica. "Penso que na Austrália não será diferente".

Miss Silva passava o dia em casa até conhecer o centro comunitário, no momento em que o projeto precisava de alguém que falasse árabe e inglês para assumir uma classe. Poder ajudar as crianças de seu país e estar entre elas, todos os dias, recebendo tanto carinho, preencheu sua vida.

O "enquanto isso" fica muito mais leve quando ela coloca música em inglês para as crianças, ensina como escrever os números em árabe, gargalha com perguntas e exclamações de que só as crianças são capazes. Ela mesma vira uma quando se junta a outras meninas da sua idade nas aulas de circo da Fany para adolescentes, "paquera" meninos na sorveteria ou no futebol.

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No centro comunitário, Miss Silva recebe todo apoio da Miss Najat, uma mulher de 43 anos, também iraquiana, também refugiada, também disposta a ajudar as crianças do seu país - ela é responsável pela sala dos maiores.

A Miss Najat eu conheci no dia em que ela soube que a Austrália negou seu visto, do marido e dos dois filhos. Uma tristeza só. Já são dez meses na Jordânia, a maior parte deles contribuindo com o centro comunitário. Ela é gentil, calma, delicada e mais reservada. Não me contou muito sua história, mas vive da esperança que não a deixa desistir.

Miss Silva e Miss Najat recebem uma ajuda de custo mensal da organização por seu trabalho e dedicação.

A história da Miss Rawan é diferente. Ela é jordaniana mesmo, professora de inglês formada, com emprego formal em escola pública. Mas resolveu dedicar seus dois meses de férias de verão (julho/agosto) a ensinar refugiados, voluntariamente, no nosso centro comunitário. No auge da maturidade de seus 23 anos, fala sobre dar amor, encorajar e ajudar crianças na fase mais importante de suas vidas.

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Miss Rawan já não está mais lá, mas deixou um legado valioso. Enquanto isso, Miss Silva e Miss Najat seguem firmes e fortes. E eu, nos meus dias de "professora" no centro comunitário, aprendi muito mais sobre a vida com cada uma delas.

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