Saí do voo confusa e ansiosa. O cara do meu lado era palestino, radicado nos Estados Unidos, cheio de opinião. Sua família trabalhava para Yasser Arafat. Em 2h30 de viagem, ouvi um resumo da história e da situação atual do Oriente Médio: das diferenças religiosas aos interesses econômicos das grandes potências. Mas entendi 50% de um inglês sofrível.
Também por isso me senti tão perdida. Pensei que nós, do outro lado do mundo, não sabemos é nada. Não vivemos nada disso de perto. Vemos violência todo dia no Brasil, mas nunca vamos entender como é ser obrigado a sair do seu próprio país.
Meu novo amigo não entendeu por que uma mulher brasileira viajava sozinha para ajudar refugiados na Jordânia. Fez questão de me acompanhar pelo simples e rápido processo de imigração - o visto sai na hora e custa 40 dinares jordanianos (aproximadamente 60 euros). Aguardou na esteira de bagagem a meu lado até eu ter a confirmação de que Rafael estava mesmo na saída. Agradeci e nos despedimos. Eu com uma ponta de arrependimento de não ter perguntado mais, nem sanado as minhas milhares de dúvidas.
Rafael, Fabrício e Yussuf me recebem com sorrisos e eu só faço perguntas, coitados. Para onde vamos? Qual a distância entre Amã e Fuheis? Quem está na guest house? Há quanto tempo estão na Jordânia? O que fazem aqui? Como funciona o projeto? Dá para entrar no campo de refugiados da ONU? O que eu vou fazer amanhã?
Nada prepara para uma viagem dessas e leva tempo para a ficha cair. Passados os primeiros dias e eu ainda cheia de perguntas, tentando baixar a ansiedade, entrar literalmente no clima (40 graus) e viver um dia por vez. Afinal, nem dá para entender séculos de guerras, extremismos, perseguições, fugas. Sem falar dos choques culturais... A cada dia, aprendo um pouco com cada pessoa com quem tenho a felicidade de cruzar por aqui.
A primeira semana foi de reconhecimento geral. Queria sentir, acima de tudo. Conheci uma iraquiana com o rosto marcado por uma bomba e uma síria sozinha com dois filhos porque o marido foi morto e ela fugiu. No centro comunitário onde as crianças têm aulas, me emocionei imediatamente ao ver aqueles pequenos estudando inglês. Dancei com muçulmanas no centro das mulheres e ensinei vôlei para meninas no único campinho de futebol da cidade. Senti angústia em muitos momentos.
Continuo confusa, mas vou me encontrando: de certa forma, muita coisa também soa familiar. A comida árabe e até a língua - enquanto escuto as conversas, pesco palavras lá no fundo da memória.
Pouco a pouco, ou "shway, shway" (fala-se xuei, xuei), como dizem aqui, balançando a mão direita para cima e para baixo, com os dedos juntos. Eu chego lá e conto tudo aqui.