"As crianças daí são felizes?", perguntou-me uma criança brasileira. Respondi, de imediato: "sim, muito!" Minha resposta, claro, foi fundamentada a partir da convivência com os alunos da escola onde sou voluntária, em Afrancho-Kumasi.
A energia, os sorrisos e os olhares deles entregam essa alegria infantil tão linda de se ver. Suas brincadeiras e seus brinquedos (leia mais sobre eles aqui) comprovam que a felicidade está sim nas coisas simples.
Mas ser criança em Afrancho-Kumasi também significa não viver num cenário sempre cor-de-rosa. E ter responsabilidades diferentes das que as crianças brasileiras têm -- no meu ponto de vista, né.
Algumas são tão bacanas que gostaria de importá-las para o Brasil. Como a obrigação de limpar a escola: após o almoço, um grupo varre o chão recolhendo os restos de alimentos; ao fim do dia, outro grupo varre as salas e áreas comuns e retira todo o lixo.
Também admiro a forma como as crianças mais velhas cuidam das mais novas. Os grandinhos servem a comida dos pequenos; os levam pela mão até as salas de aula e, quando vizinhos, até suas casas no fim do dia; ajudam ainda a calçar seus sapatos, arrumar o material nas mochilas, etc.
Outras funções atribuídas aos pequenos, por sua vez, me incomodam um pouco. Acho que ainda estou refletindo sobre elas.
Alguns exemplos: se um professor está com sede, ele pede para uma criança sair e comprar um saquinho d'água, ainda que isso faça com que ela chegue atrasada à aula; se o diretor precisa de uma chave que está no primeiro andar, ele designa um aluno x a subir lá e buscá-la; e quando os pedreiros terminam seu trabalho na obra da escola, são as crianças que limpam suas ferramentas.
Por fim, há situações pelas quais as crianças daqui são submetidas que sou totalmente contra. Elas se resumem às penalidades aplicadas na escola. Chegar atrasado, não estar com o uniforme completo, faltar ao respeito com um professor ou fazer bagunça são "delitos" que não passam em branco, não.
Dentre as punições corriqueiras estão: ficar ajoelhado no canto da sala; receber um "croque" (aquele soquinho dado com os ossos dos dedos, com a mão fechada) na cabeça; ou um tapa (nas mais variadas partes do corpo).
E a pior delas, aplicada pelo diretor, é um golpe com uma vareta de madeira. Dado sem dó, em lugares como braços, pernas e barriga.
Quando tenho o azar de presenciar a cena meu estômago embrulha. Dá uma vontade louca de tirar a criança dali, principalmente se ela grita ou chora. Já disse ao diretor o que penso disso e sugeri outras formas de lidar com os problemas. Mas quem sou eu para intervir ainda mais?
Felizmente o afago no peito sempre vem. Uns vinte minutos mais tarde, procuro o pequeno punido da vez e o encontro com seu sorriso infantil de volta no rosto. Brincando, pulando ou comendo com os colegas. Ser criança aqui também é ter a destreza de não guardar rancor.