Já comentei neste espaço da Campanha Mangue faz a diferença, que está ganhando a cada dia mais adesões em todos os estados litorâneos brasileiros.
No post anterior comentei da ação no dia de Iemanjá, na emblemática praia do Rio Vermelho, em Salvador, Bahia. Imagens e a agenda completa do movimento está na página www.facebook.com/manguefazadiferenca . É interessante acompanhar a crescente preocupação da sociedade civil, manifestada nas redes sociais. Compartilham fotos, vídeos e exemplos de áreas de manguezais preservadas.
O objetivo do Movimento é chamar a atenção para os impactos que a zona costeira do Brasil pode ter, se passar a proposta do Código Florestal. Esta semana, a repórter Karina Ninni, escreveu uma bela matéria sobre isso. Confira aqui! O Código Florestal ameaça mangues.
E da minha parte queria registrar uma área específica, que conheci em 2006, durante o projeto Mar sem Fim, no sul da Bahia, chamada Canavieiras. Na época a pequena cidade passava pelo processo de ver virar sua extensa área de manguezal uma Reserva Extrativista. Muitos moradores vivem exclusivamente da coleta de caranguejos na região. E reparem na antiga reportagem, que mesmo na época prevalecendo as APPs, empreendimentos particulares já ameaçavam o ecossistema.
Selecionei algumas fotos da área para vocês ficarem com água na boca. E a reportagem que escrevi em 2006, segue abaixo.
E não podia deixar de indicar um som. 'Saudade' tem toda a levada do mangue, até por ter sido feito por um pernambucano fincado nas raízes do manguebeat, o Otto. Tem a participação da mexicana, Julieta Venegas, e está na trilha do filme 'Solo Dios Sabe', de Carlos Bolado e é claro, no último disco do Otto, "Esta noite acordei de sonhos intranqüilos".
Extrativismo no sul da Bahia Por Paulina Chamorro
No dia mundial do meio ambiente, cinco de junho, o Diário Oficial da União publicou o decreto de criação da Reserva Extrativista de Canavieiras, no litoral sul da Bahia, uma área que abrange os municípios de Canavieiras, Belmonte e Una, na foz do Rio Jequitinhonha. No total são 100.645 hectaresde área protegida. O modelo de Unidade de Conservação formulado pelo governo é importante para a manutenção dessa região, composta por extensos manguezais, apicuns e diversas comunidades extrativistas.
A equipe do Projeto Mar Sem Fim percorreu Canavieiras e Belmonte, duas cidades que ficam próximas à foz. O veleiro adentrou pela barra do Rio Pardo para conhecer Canavieiras, um lugar que com muito charme ainda conserva algum casario mais preservado da umidade e do tempo. A cidade, assim como as comunidades espalhadas no seu entorno, é povoada essencialmente por pescadores e catadores de caranguejo fazendo do Rio Pardo a única via de acesso ao mar. A cada momento se cruza com uma pequena canoa ou barcos artesanais de pesca por ali.
Os produtos tirados da lama dos mangues são dos mais diversos: mariscos, guaiamun, e o mais procurado, o caranguejo-uçá. Para garantir a longevidade destes recursos e das comunidades existem as novas regras de proteção da Reserva Extrativista. Entretanto, a recém-criada área de conservação já sofre com algumas ações de impacto à manutenção da população de caranguejo. Em Canavieiras a coleta dos caranguejos é feito pelo método tradicional, na mão. Mas observa-se alguns trechos do mangue o uso constante da "redinha", um nylon trançado que é colocado na saída da toca do caranguejo, impedindo que ele ande. Outra prática predatória que poderá ser controlada é na época da andada, quando os caranguejos saem de suas tocas para acasalar. Nesse momento são pegos de forma indiscriminada, sem fiscalização. Consequentemente não há reprodução e os animais vão rareando. Na região de Canavieiras, navegando pelo Rio Pardo, passa-se por duas atividades que também estavam na lista negra dos defensores da criação da Reserva Extrativista: a carcinicultura e os resorts.
No trajeto por um dos braços do Rio há uma fazenda de criação de camarões em cativeiro que despeja seus resíduos diretamente na água. Uma grande área de manguezal, que é APP, portanto área pública, também foi desmatada para dar lugar à carcinicultura privada. Na praia do Atalaia, uma fina ilhota de areia, já existem hotéis instalados. Os biólogos do Instituto Ecotuba, que trabalham há anos na região com o mapeamento da produção dos crustáceos em Canavieiras, explicam que a especulação imobiliária foi uma das principais responsáveis pela demora e o repúdio de pessoas das comunidades com relação à criação da Reserva. Antes do decreto, época que a reportagem esteve em Canavieiras, era comum ouvir dos nativos que "não queremos Reserva porque o governo irá tirar a gente da nossa terra". De acordo com Anders Schmidt, do Ecotuba, "essa informação cruzada é passada por especuladores e políticos interessados em usar a área como pólo de turismo de massa". O desconhecimento das populações tradicionais dos mecanismos federais de proteção, especialmente as Unidades de Conservação, é um problema comum na costa brasileira (Veja trechos do decreto de criação da RESEX e do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC abaixo). Até mesmo nas consultas públicas, obrigatórias antes de instalar uma Unidade de Conservação, se sabe que há jogos políticos e a clara intenção de confundir as populações tradicionais para que não aceitem uma nova forma de proteção de sua região. No caso de Canavieiras a insistência veio bem a calhar antes que os frutos do mangue e do mar estejam exauridos. Com a Reserva funcionando corretamente (leia-se com fiscalização e o poder público presente) as comunidades terão a oportunidade de manejar seu futuro de forma mais sustentável e menos imediatista.
Publicado no site www.marsemfim.com.br (2006)