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A festa de Valência

Terceira maior cidade da Espanha, Valência queima suas ‘fallas’ para protestar. Ou celebrar, desde o passado mouro até o polêmico arquiteto Santiago Calatrava. No cardápio da festa, paella, claro

Por Felipe Mortara
Atualização:
Cidade das Artes e da Ciência Foto: Heino Kalis/Reuters

VALÊNCIA - O idioma valenciano dá o ar da graça em todas as placas da cidade e, apesar das muitas semelhanças com o catalão, convém não comparar. Outra coisa que Valência tem de incomparável são as Fallas, festa que começou no dia 1º, mas que terá seu auge em 19 de março, quando são queimadas as esculturas de papel machê na Plaza del Ayuntamiento. Figuras com mais de 20 metros de altura, que satirizam políticos e outras personaliades de destaque, são incendiadas em uma das mais pitorescas festas do planeta. 

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Foi queimando suas fallas que Valência construiu um diálogo entre a tradição e a vida contemporânea. Com potencial para agradar a todos. Mesmo os que acham o máximo a arquitetura futurista do valenciano Santiago Calatrava não devem ir só por conta da icônica Cidade das Artes e das Ciências. Por outro lado, quem não vê a menor graça nos traços modernos não deveria ignorar Valência por causa disso. O preservado patrimônio histórico e a gastronomia engordam a lista de motivos para passar alguns dias zanzando (e comendo) pela terceira maior cidade da Espanha. 

Prédios contemporâneos como o Palácio de Congressos, projetado pelo vencedor do Prêmio Pritzker Norman Foster, e o Veles i Vents, dos arquitetos David Chipperfield e Fermín Vázquez, além do ritmo agitado dos 815 mil habitantes endossam a aura cosmopolita de Valência. O contraste com o passado, que remonta à fundação romana no século 11 e à posterior ocupação pelos muçulmanos, se dá no centro antigo. A fachada de pedras amareladas da catedral, concluída em 1370, além da relíquia lá exposta – a taça que Jesus Cristo teria usado na Santa Ceia e que seria o Santo Graal –, reforçam a sensação. 

Ainda que não tenha o mesmo apelo turístico regular de Madri e de Barcelona, Valência recebe dois milhões de visitantes a cada ano. Seu complexo científico e cultural, além de uma vida noturna pulsante e culinária ímpar, já seriam razões de sobra. Quem nunca ouviu falar da paella valenciana? Menos populares, a horchata e a água de Valência são outras surpresas que o paladar revela durante uma imersão na cidade. 

História robusta

Se a fama recente veio por conta dos edifícios mais inovadores, a relevância de Valência é um patrimônio consolidado ao longo do tempo. O centro histórico, a partir da Plaza de la Virgen, concentra a maior parte desses símbolos, revelando um passado cultural que tem início na fundação de Valentia no ano 138 da era cristã. Povos árabes deram à região um ar agrícola e industrial com a produção de papel, couro, cerâmica e seda. 
O domínio mouro teve um hiato com a conquista vitoriosa de El Cid, lendário cavaleiro da região de Castilha, em 1094. Mais de cem anos depois as tropas de Jaime I estabeleceram definitivamente o controle hispânico na cidade. Seu auge se deu nos séculos 15 e 16 – quando, portanto, a impressionante catedral já estava terminada, após 120 anos em obras. O templo se orgulha de abrigar aquele que, acredita-se, seja o Santo Graal, cálice utilizado por Jesus Cristo na Santa Ceia.
Outra prova concreta, ou melhor, de pedra, do período áureo é La Lonja (1 euro). O suntuoso edifício do fim do século 15 abrigava um mercado de sedas e outros produtos da região. O amplo salão com pé direito de 18 metros sustentado por pilares góticos de pedras retorcidas é surpreendente. Quando sair, preste atenção às gárgula vigilantes sobre a calçada, em posições, digamos, constrangedoras. 
Ali pertinho, a Igreja de Santa Catalina, a segunda mais antiga da cidade, é a favorita dos jovens valencianos para casar – a lista de espera ultrapassa dois anos. Cuidado para não passar batido pela Praça Redonda, que mais parece um pátio esférico repleto de agradáveis cafés e lojinhas de souvenir. Um bom lugar para pechinchar pela sua panela de paella. 
Por falar em comida, o modernista Mercado Colón está prestes a completar 100 anos e passou recentemente por uma reforma. Diferentemente do Mercado Central, aqui a pedida não são ingredientes frescos, mas restaurantes, que servem de tapas a pratos sofisticados, tudo sob uma arquitetura com inegável caráter histórico. Siga pela Calle Colón, entre laranjeiras carregadas, até a Plaza de Toros. 
Não é preciso ser um entusiasta das touradas para reconhecer a beleza da construção. Termine a caminhada com mais modernismo, na vizinha Estación del Nord, cujo saguão abriga um belo teto de azulejos craquelados. 

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Mergulho no conhecimento

No aquário, crianças viram adultos; adultos viram crianças Foto: Felipe Mortara/Estadão

Desde que saiu completamente do papel, em 2005, a Cidade das Artes e das Ciências virou símbolo de Valência. Não unânime, mas ainda assim uma referência na cidade, que passou a respirar ares mais modernos com o grande projeto arquitetônico de seu filho pródigo, o arquiteto Santiago Calatrava. Ao longo de uma faixa de 350 mil metros quadrados pelo leito do Rio Túria, o complexo abriga museu interativo, auditório comparável ao da Ópera de Sydney, sala de cinema com tela Imax e planetário.

Grande estrela ali é o Oceanogràfic (entrada a 27,90 euros), um dos maiores aquários da Europa. Crianças viram adultos com tanta informação disponível sobre os milhares de animais de todos os oceanos, expostos em espaços amplos e muito bem cuidados. Adultos viram crianças ao ver de perto criaturas que imaginavam existir apenas nas 20 mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne. Não deixe de contemplar as morsas – afinal, não é todo dia que você vê uma –, e rodopie diante do vidro dos leões-marinhos, que costumam retribuir, entrando na brincadeira entre espécies. 
Os pequenos certamente se encantarão com o show de golfinhos, mas o acervo vivo é tão mais extenso que as descobertas serão o ponto alto da jornada. Pelo túneis subaquáticos – o maior deles com 70 metros de comprimento – é possível ficar a poucos metros dos dentes afiados dos tubarões-tigre e do corpo desengonçado do peixe-lua. Não passe batido pelos aquários das delicadas água-vivas e nem o dos dragões-do-mar, tipo raro de cavalo-marinho. 
Um dia inteiro pode ser pouco. O Museu de Ciências Príncipe Felipe (entrada a 8 euros) tem experiências sensoriais para explicar um bê-á-bá de física, química e da biologia. Aprender por meio de experimentos interativos é uma chance de mesclar diversão com conhecimento nas férias. 
O Hemisfèric (8,80 euros), misto de planetário, cinema Imax e palco de shows de laser pode ser uma opção para o fim do dia. Já o Palau de les Arts Reina Sofía parece um grande besouro branco e recebe grandes concertos e shows. Passa por reformas externas, mas continua com programação intensa (veja em lesarts.com). 
Todas as atrações da Cidade das Artes e das Ciências (cac.es) podem ser visitadas e pagas separadamente. Para ver tudo, o complexo vende um pacote que custa 36,25 euros e dá direito a dois ou três dias de visitas a todos os espaços. 

Apetite nativo

A típica paella espanhola é de dar água na boca Foto: Felipe Mortara/Estadaão

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A aula começa no Mercado Central. A visita obrigatória (para alunos ou não) revela ingredientes culinários frescos sob a arquitetura modernista do impressionante edifício de 1928. Zanzando com desenvoltura por entre as bancas, um homem corpulento e carismático conduz o grupo. O ex-publicitário Jaime Cros Ferrandiz hoje se dedica a ensinar aos visitantes – estrangeiros, principalmente – o passo a passo da autêntica paella valenciana. Só que a primeira lição vem antes da cozinha: é preciso aprender a escolher os ingredientes. 

De sacolas abastecidas, todos saem rumo à Escuela de Arroces y Paella La Valenciana (escueladearrocesypaellas.com), a poucos metros dali. Diariamente, das 11 às 20 horas, qualquer um pode terminar a refeição com o título de mestre paellero. O curso custa 50 euros (R$ 165) por pessoa e inclui companhia na compra dos ingredientes e na preparação. Além, claro, da degustação das criações. A paella local leva frango, coelho, vagens e pimentão – mas o indefectível açafrão está sempre lá. 
Para degustar frutos do mar de alta qualidade e preparo esmerado, siga ao Palácio de la Bellota (palaciodelabellota.com), que serve um ótimo rape cozido, peixe de aspecto repugnante, mas de sabor tenro. 
O Café de las Horas (cafedelashoras.com), com sua decoração espalhafatosa, é ótimo endereço para embalar uma noitada. Ali se prepara com primor o drinque mais clássico da região, a água de Valência. A bebida mistura suco de laranja, cava (espumante típico) e Cointreau. Tão icônica quanto, porém não alcoólica, a horchata é a cara da cidade. Feita com chufa, pequeno tubérculo local, é servida gelada, como um suco. No número 11 da Plaza Santa Catalina, a Horchateria El Siglo, aberta em 1836, é o lugar mais bacana para prová-la. Mas corra, porque o célebre endereço deve fechar as portas até o fim do ano. 

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