A jornada de quatro artistas em busca de inspiração na Itália

Do badalado Lago de Como à ensolarada Sicília, grupo seguiu de avião, trem e carro por 3 mil quilômetros, encontrando de referências tradicionais a um país em plena transformação

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Foto do author João Luiz Sampaio
Por João Luiz Sampaio
Atualização:

COMO - Quantos países cabem em um só território? E quantas formas eles podem assumir na imaginação de um artista? As perguntas não saíam da mente quando, em maio deste ano, um grupo de artistas plásticos brasileiros partiu para a Itália com o objetivo de, após visitar diversas regiões, criar obras inspiradas no país e sua diversidade. O Estado acompanhou quatro deles. Ao lado de Antonio Peticov, Claudio Tozzi, Zélio Alves Pinto e Caciporé Torres percorreu, ao longo de dez dias, cerca de três mil quilômetros e dez regiões do país.

 

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O início da jornada se deu numa tarde nublada, em um hotel à beira do Lago de Como, próximo a Milão, nos Alpes italianos. "Na memória, ainda lembramos/ A história de dois amantes encontrados mortos/ É uma história que renasce na madrugada/ Quando, no escuro, arrastam-se os primeiros raios de sol" - os versos célebres da canção que imortalizaram a cidade de Como estão na mente de todos, enquanto passeiam pelos jardins do hotel, que ocupa um palazzo do século 16 - ali, já estiveram Mark Twain e Greta Garbo; hoje, a celebridade da região é o ator americano George Clooney, que comprou uma propriedade por lá.

 

A música fala de amor, mas também de memória. Peticov, Alves Pinto, Tozzi e Caciporé tiveram, em suas trajetórias, pontos de contato importantes com a Itália e sua cultura. O reencontro com o país se deu, assim, entre passado e presente - entre lembranças e descobertas, que se articulam a todo instante nos dias seguintes da viagem. De carro, avião ou mesmo de barco, o grupo passa por Courmayer, Turim, Santa Margherita Ligure, Portofino, Castellina in Chianti, Siena, Orvieto, Roma, Cagliari, Caserta, Napoli e Catânia.

 

De norte a sul, as paisagens se sucedem com rapidez vertiginosa, da forte presença dos Alpes até a paisagem de verão na Sicília. Mas, por meio do olhar dos artistas, a diversidade se multiplica ainda mais. Um padrão de azulejos no chão, as tonalidades do azul no mar e no céu, pequenas esculturas nas fachadas das casas, o jogo de formas criado pela sobreposição dos telhados, um museu, uma escultura, o calor de uma refeição, o sabor de um vinho: cada detalhe sugere um universo de referências que recuperam a Itália do nosso imaginário - e revelam um país em constante transformação.

 

 

ANTONIO PETICOV

HOMEM E NATUREZA

 

Na Calábria, a civilização parece um desafio ao destino de devastação sugerido pela natureza. As cidades se equilibram à beira de um precipício; as ruas seguem o fluxo vertiginoso de subidas e descidas da montanha; as casas fincam raízes na assimetria do terreno. Chegar a Tropea é se sentir espremido entre o mar e a terra, na iminência da queda - e então você se dá conta de que os séculos das construções sugerem uma permanência capaz de acalmar o espírito.

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O início da ocupação do território data do século 7 a. C. Hoje, a cidade tem pouco mais de seis mil habitantes e sobrevive em boa parte dos turistas atraídos por suas praias. A pimenta é grande honraria da terra, mas não a única, com a cebola vermelha correndo por fora. Não é preciso, porém, tomar partido - a combinação das duas em geleias, patês e pratos típicos, afinal, deixa qualquer rivalidade em segundo plano.

 

Para o artista plástico Antonio Peticov, a relação do homem com a natureza é um dos aspectos mais fascinantes na Itália - e um que, depois de mais de uma década vivendo em Milão, onde terminou sua formação como artista, só agora percebeu de modo mais concreto. E interessante é perceber como ela pode assumir diversas formas.

 

 

Na Sardenha, por exemplo, a primeira sensação é de um campo devastado, tomado por uma vegetação rasteira que permite observar a imensidão do mar de todos os lados da estrada que leva do aeroporto a Cagliari. No meio do caminho, um desvio de terra leva em direção a terrenos mais elevados. A certa altura, é preciso abandonar o carro e seguir a pé até o alto de um monte, onde a vista de um antigo farol (hoje transformado em um exclusivo hotel para meia dúzia de hóspedes) revela a costa vazia e de aparência gelada. O caminho de volta à estrada é solitário. E vem então a surpresa: uma pequena entrada leva o carro a um oásis de cores, sabores e receptividade, um restaurante à beira de um pátio que, na forma e na decoração, evoca quase três mil anos de convivência das mais distintas culturas e nacionalidades.

 

Já na Sicília, o que chama atenção não é a ausência mas, sim, a presença constante da "Montanha". É assim que se referem os habitantes da ilha ao vulcão Etna. A história das ruas e construções que levam a Catânia está repleta de referências não só às erupções (a última foi em 2007) mas à resistência dos habitantes, que ainda assim não deixam sua terra. De jipe, o passeio pela base do Etna coloca o visitante próximo a um cânion. O silêncio. por um instante, chega a acalmar. Mas então uma nuvem escura invade o ambiente e você fica preso em meio ao nada, sem enxergar um palmo à sua frente. Mais tarde, o funcionário de um hotel à beira-mar resume a experiência. "Podemos conviver com a montanha, mas sem jamais perder o respeito por ela, esse é o nosso acordo."

 

 

CACIPORÉ TORRES

UMA FACHADA

 

O trajeto até Courmayeur, no extremo norte da Itália, introduz os visitantes ao Vale d’Aosta. A região faz fronteira com a França e a Suíça - e traz, tanto na presença dos Alpes como na culinária ou na arquitetura, uma marcante mistura de culturas. Mesmo em meio à primavera, um vento frio adorna a paisagem. Pelo caminho, dezenas de pequenos ateliês nos quais artesãos mantêm viva uma tradição que remonta a antigas gerações.

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Ao sul, dentro do território italiano, a fronteira é com o Piemonte - e, depois de algumas horas de estrada, chega-se a Turim. A paisagem, então, ganha coloridos urbanos. Ainda assim, não faltam contrastes, que nos levam das ruínas medievais a prédios imponentes, símbolos da afirmação política na primeira metade do século 20, passando pelas galerias do século 19 ou pelas enormes feiras a céu aberto. "O que nos marca a todo instante é a presença da arte nas ruas, nos contrastes, nos detalhes da arquitetura", diz o escultor Caciporé Torres, enquanto aguarda a entrada na GAM, a galeria de arte moderna da cidade, uma das mais importantes da Europa.

 

Montanhas e planícies. Dias depois, a mesma sensação surge na região da Umbria. Sua principal cidade é Orvieto, na Idade Média importante posto de parada no caminho que ligava Florença a Roma. Ela está encravada no alto de um monte de pedra vulcânica - e, lá de cima, do que sobrou dos mirantes medievais, é possível observar as planícies que se espraiam ao longe, revelando as características da economia local, marcada pelo cultivo do tabaco, do azeite, e pelas vinícolas.

 

 

É possível chegar a Orvieto de carro, mas um pequeno bonde diminui a duração e acrescenta charme ao trajeto. Uma vez lá em cima, caminhar exige certo esforço físico. Melhor, então, embarcar no pequeno ônibus que sobe e desce as ruas sinuosas que evocam o passado medieval e, de repente, deságuam em uma praça em cujo centro está a enorme Catedral de Orvieto, construída no século 13, quando a cidade passou a abrigar uma residência - o Palazzo dei Papi, que pode ser visitado - para os papas e seus seguidores, que buscavam refúgio sempre que a situação em Roma colocava a segurança do prelado em risco.

 

Coloridos. Austera e cinzenta, a catedral é gigantesca. O adjetivo talvez não dê conta completamente da magnitude da construção, ainda mais quando a chuva, comum na região, posiciona nuvens negras e carregadas sobre a Praça da República. A dominação religiosa da época medieval contava em grande parte com o poder de intimidação da arquitetura, das torres que pareciam tocar os céus, estabelecendo um contato direto com a divindade.

 

Mas, então, você olha ao lado e observa as casas de pedra e madeira, com fachadas ocres ornadas por flores vermelhas e amarelas. Os detalhes do colorido oferecem um contraste singelo - e, ao mesmo tempo, de tirar o fôlego. Assim como as imagens do Antigo Testamento esculpidas na fachada da catedral. Caciporé não se contém. "Meu Deus, como nos sentimos pequenos perante um trabalho desses. Como vou voltar a esculpir alguma coisa depois disso?"

 

ZÉLIO ALVES PINTO

AR MEDITERRÂNEO

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"Cara, encontrei minha obra!" Pouco mais de dez minutos haviam se passado desde que o barco deixara o porto de Santa Margherita Ligure e, aos poucos, a imagem de uma cidade encravada no meio da montanha, de frente para o Mar Mediterrâneo, chamou a atenção do artista plástico Zélio Alves Pinto. Num final ensolarado de manhã, as cores de Portofino ofuscam o olhar - os cascos dos barcos, o vermelho boiando sobre o mar azul; a vegetação verde-escura ao fundo; as fachadas rosas; e as pedras que, como molduras, rodeiam a paisagem.

 

O ar marítimo de Santa Margherita Ligure e Portofino evocam o passado distante das grandes navegações. A primeira ainda ostenta alguns vestígios dos ancoradouros e castelos do século 16. Sua orla permite passeios à beira-mar e está tomada por restaurantes e lojas, nem sempre com preços convidativos, revelando como a cidade que, durante séculos envolvida em batalhas relacionadas a sua posição estratégica, tornou-se um dos principais polos turísticos da região após o fim da 2ª Guerra. Não deixe, no entanto, de se aventurar pelo centro, onde a decoração das fachadas e as pequenas luzes adornam o caminho.

 

 

Já Portofino, com seus pouco mais de dois quilômetros quadrados, tornou-se uma cidade turística procurada por famosos e milionários. Lá estão as principais grifes e alguns dos restaurantes mais caros da Itália. O marketing local fala em "um ambiente exclusivo, porém familiar". Mas importa mesmo é o fato de que a paisagem, afinal, não cobra pedágio. E tem muito a oferecer a todos, desde o momento da chegada (que impressionou Alves Pinto), até a vista do alto, onde fica o Castelo Brown, assim chamado por conta do nome de seu proprietário em meados do século 19, um certo Montague Yeats Brown, então cônsul da Inglaterra em Gênova.

 

A certeza de Alves Pinto sobre a inspiração para sua obra, no entanto, logo se desfaria. Descendo em direção ao sul, uma noite em Castellina in Chianti trouxe tranquilidade e descanso em uma fazenda de agroturismo. Mas foi apenas o suficiente para que, no dia seguinte, a alguns quilômetros dali, as cores e a história de Siena tomassem de assalto os visitantes.

 

Declarada pela Unesco Patrimônio da Humanidade, a cidade é um verdadeiro reservatório da arte italiana do período medieval, que adorna museus (a Pinacoteca Nacional entre eles) e prédios (a Catedral ou a Igreja de San Domenico) de importância histórica. O encanto, porém, se multiplica pelas ruas e vielas sinuosas - em que é um prazer poder se perder e, vez ou outra, vislumbrar ao longe a paisagem toscana -, ou na arquitetura das grandes praças, como a del Campo. "Nesses caminhos, a perspectiva de quem observa se alterna a todo instante. E, a essa altura da viagem, já são tantas as paisagens que uma Itália misturada começa a se formar na mente. Uma obra pode ser a síntese dela."

 

CLÁUDIO TOZZI

CAOS E SILÊNCIO

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É em silêncio que o artista plástico paulistano Cláudio Tozzi faz a maior parte dos deslocamentos pelo território italiano. No carro, parece impassível ao observar a estrada; nas ruas, não raramente se afasta do grupo, como no momento em que, sentado em uma pequena mureta, observa o longo jardim do Palácio Real de Caserta, próximo a Nápoles.

 

O castelo é, mal comparando, uma versão italiana de Versalhes, o palácio da monarquia francesa nos arredores de Paris. Foi construído no começo do século 18 e, ao escolhê-lo como Patrimônio da Humanidade, a Unesco o definiu como "o canto do cisne da espetacular arte do barroco". Os relatos sobre personagens que lá passaram servem como ponto de partida para uma história da monarquia europeia nos últimos dois séculos. Já do lado de fora, o jardim botânico, labiríntico, coloca o visitante cara a cara com espécies raras (trazidas à Itália como forma de prestígio) e com reproduções em tamanho real de estátuas romanas, feitas na época da construção do palácio. Some a isso a presença de vendedores ilegais que oferecem ao turista todo o tipo de produtos, de óculos de grife a reproduções em miniatura de pontos turísticos italianos, e pronto: passado, presente e futuro do país se misturam na sua frente em poucas horas.

 

 

Uma vez em Nápoles, o centro histórico sugere um ritmo frenético, que nada ou pouco tem a ver com a tranquilidade de um passeio à beira-mar a pouco metros dali, na orla repleta de pequenas sorveterias, uma especialidade da terra assim como a pizza - há sempre uma pizzaria para reivindicar o pioneirismo em sabores e técnicas de preparo.

 

Mas nada se compara ao caos de Roma. A chegada à capital, no começo da noite, revela um grupo tomado pelo cansaço, mas Tozzi não perde a oportunidade de sugerir uma visita ao Trastevere. Na manhã seguinte, uma rápida caminhada leva à Piazza Navona, onde o embaixador brasileiro José Viegas Filho recebe os artistas para um café. Sede da embaixada do País, o Palazzo Pamphili é um dos orgulhos reconhecidos da chancelaria brasileira. Mas ainda é capaz de revelar surpresas, como um porão recém descoberto, ainda com traços arqueológicos da era Romana. O impacto da visita é grande, Assim como o sabor do tartufo que, vendido na gelateria Tre Scalini, Tozzi recomenda vivamente aos colegas.

 

Saiba mais

 

Passagem aérea: o trecho São Paulo - Roma - São Paulo custa a partir de R$ 2.176,56 na Alitalia, em voo direto. Com conexão, desde R$ 1.597,10 na TAP; R$ 1.621 na Air France; R$ 1.668 na Iberia. A TAM opera voos diretos para Milão, desde R$ 2.584,77 ida e volta.

 

Entre cidades: uma boa maneira de desbravar a Itália é de trem. Para trechos dentro do território italiano, use a Trenitalia. De Roma a Nápoles, por exemplo, custa desde 45. Outra opção, dependendo do número de cidades que você deseja visitar e do tempo que vai passar nelas, são os passes Interrail. Você pode escolher de três a oito dias de viagem em um mês - na opção mais em conta, custa desde 115. É possível imprimir o bilhete em casa, recebê-lo pelo correio ou retirar na bilheteria. Outra opção são os passes da Eurail. Para explorar a Itália, podendo usar o bilhete por três dias durante dois meses, o valor é de US$ 266. Há ainda os passes regionais, que podem ser usados entre países (como Itália e França, por exemplo) e o trem de alta velocidade que liga Roma a Nápoles.

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Sicília e Sardenha: há ferries que ligam Nápoles a Catânia, na Sicília, mas o trajeto dura 10 horas (procure no tttlines.it). A melhor maneira de chegar às ilhas é mesmo de avião.

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