Leitores mal-humorados reclamaram do fato de nosso correspondente ter pedido uma foto de sua leitora Valéria Portela antes de, eventualmente, acompanhá-la em uma viagem à Islândia. Isso ocorreu na última edição de sua crônica semanal. Outros – felizmente a maioria – compreenderam o humor embutido na provocação, aliás, uma característica de Mr. Miles, que nasceu muito depois da invenção do puritanismo e muito antes “
thank God
”, da gestação do chamado “politicamente correto”.
A própria leitora, aliás, gostou muito da brincadeira do viajante britânico e, com autêntico
fairplay
, enviou sua foto a Mr. Miles, com um amplo sorriso no rosto. “Por favor, agradeçam à querida Valéria e digam a ela que estou tentando organizar minha agenda para acompanhá-la à Islândia”, pediu ele à redação.
A seguir, a pergunta da semana.
Querido Mr. Miles: qual é a melhor viagem que alguém pode fazer? A de lua de mel? A que celebra décadas de união? A primeira? Ou a mais bem preparada? Simone di Grolli, por e-mail
“
Well, my dear
: fico tentado a responder, com pouca criatividade, que a melhor viagem é sempre a próxima. Porque a próxima é aquela que já estamos viajando nos sonhos. Que já percorremos em nossos devaneios e que já nos trouxe emoções que talvez se confirmem (ou não). É a viagem que vai nos alimentar a alma até o dia em que for possível realizá-la. E vai permanecer na lembrança em posto de destaque enquanto não surgir outra próxima viagem para recomeçar o processo.
Tenho amigos,
my God
, que só voltaram à vida depois de viajar aos campos de concentração nazista aos quais sobreviveram. Foi preciso que eles repensassem, de uma vez por todas, essa escoriação em suas lembranças para que o mundo voltasse a valer a pena.
Existem,
on the other hand
, viagens de reencontro explosivamente felizes. Minha querida Krysia, que se viu sozinha no mundo depois que seu pai desapareceu e sua mãe morreu durante a Segunda Grande Guerra, foi tomar ciência de que o progenitor estava vivo e escondido sob outro nome quase 30 anos mais tarde (Krysia tinha apenas oito anos na separação). Ela foi ao encontro dele e essa foi,
I presume
, a melhor viagem que alguém poderia ter feito. Há inúmeras outras viagens repletas de emoção que,
however
, fogem à regra.
Sobre as que você mencionou,
my dear
, eu ouso dizer – ouso porque nunca me casei formalmente – que a viagem de lua de mel é aquela em que o casal só tem olhos um para o outro. É ótimo que assim seja,
by the way
. Um cenário bonito sempre ajuda. Mas eis um caso em que a viagem quase sempre está em segundo plano.
Viagens que celebram uniões longas e estáveis já são, a meu ver, potencialmente mais felizes. O tempo e a maturidade decerto terão construído a mais sonhada das viagens, que tanto pode ser a primeira como um resumo do melhor de todas as outras. Acho tão bonito ver casais idosos visitante o Castelo de Balmoral, na Escócia, quanto mergulhando com tubarões brancos na África do Sul.
A primeira?
Well
: pode ser! Depende do propósito, do tamanho da espera e da grandeza do sonho. Se a viagem for a trabalho, para estudos ou para parques de diversão, dificilmente será a melhor da vida de quem quer que seja. Mas também pode ser,
why not
?
A mais bem preparada,
darling
, será sempre melhor do que a que não tiver preparo algum. E tem grandes chances de ser a melhor, porque esse preparo inclui o germe da ambição, os sonhos que vão ficando mais nítidos quanto mais sabemos sobre o destino, sobre o que se come e o que se canta por lá, sobre sua história e geografia. A mais bem preparada, enfim, é a próxima, como eu sugeri no começo dessa resposta.”
MR. MILES É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E 16 TERRITÓRIOS ULTRAMARINOS.