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A visita e a reforma

Mr. Miles lamenta não haver mais pharmácias e nem gaivotas no sobrevoo

Por Mr. Miles
Atualização:

"Well, my friends, foi very amusing ler, no próprio Estadão, a especulação que vocês fizeram sobre minha vinda ao Brasil. In fact, here I am - conforme prometido, aliás. Vi a coluna no exemplar que recebi a bordo de meu voo e, embora fosse minha intenção visitá-los na redação, decidi não fazê-lo, em protesto contra a ilustração publicada, que me apresenta em um traje inadequado, uma espécie de summer, que, vocês hão de concordar, não dignifica minha história. Anyway, a felicidade de retornar ao País onde me diverti com Cecília (N. da R.: Cecília Meireles, a poetisa), Guiomar (N.da R.: Guiomar Novaes, a pianista), Leila (N. da R.: Leila Diniz, a musa) e Guimarães (N. da R.: Guimarães Rosa, o escritor), among others, é insuperável. Só estou um pouco atrapalhado com essa nova e incompreensível reforma ortográfica. Asseguro-lhes, aliás, que um sobrevoo sobre o Rio de Janeiro é muito menos poético que o bom e velho sobrevôo, que já vinha com a gaivota batendo asas sobre o próprio termo. Confesso, fellows, que não entendo essa fissura por mudanças, que atrapalham principalmente a estrangeiros como eu. Levei quase três décadas para habituar-me à realidade de que já não haviam pharmácias, nem se estudava chimica nos países de língua portuguesa. Agora presencio, entre orgulhoso e aterrorizado, a reinclusão em vosso alfabeto de letras outrora procrastinadas - y, w e k -, sem as quais Shakespeare teria sido, no máximo, um serviçal de estrebaria. Não é de minha conta, of course. Entretanto, como um humilde observador do que se escreve nos jornais e revistas do Brasil há algumas décadas, parece-me que, mais pertinente que a reforma ortográfica seria a recuperação do vernáculo. Ano após ano, verifico, entristecido, uma significativa redução na quantidade e na qualidade das palavras utilizadas na comunicação entre escribas e leitores. O resultado é clareza, of course; mas, sobretudo, negligência com o idioma, cujas belezas vão se recolhendo, indefesas, às páginas empoeiradas dos léxicos, como peças de automóveis fora de linha." A presença de nosso excêntrico viajante em terras brasileiras já foi relatada por diversos leitores. Quase todos, infelizmente, estão enganados. Não: mr. Miles não pode ter sido visto em Manaus, nem em Palmas, Maceió, Salvador, Botucatu, Bagé ou Crato. Conforme anunciado, o correspondente britânico deste caderno foi mesmo a Florianópolis, onde, segundo nos contou, aceitou a cordial hospitalidade de seu velho amigo Tolstoi, engenheiro encarregado de recuperar a belíssima Ponte Hercílio Luz que, há anos, está estruturalmente abalada. Mr. Miles, aliás, garante que tais problemas não teriam ocorrido se a construção original tivesse sido deixada a cargo dos ingleses, em vez de com os americanos. Tolstoi e seus irmãos Yamma Maiura, Maiovitch e Netovitch - "um divertido grupo de doces incendiários paraibanos" - estiveram juntos durante a passagem do ano, na companhia, também, de outro good fellow de mr. Miles, o green doctor Eduardo Jorge, que não bastasse estar tentando fazer de São Paulo uma cidade tão repleta de belos parques como London, ainda carrega o nome de nossos dois últimos e saudosos reis. Na próxima semana, devemos ter novas notícias sobre a passagem de mr. Miles por Floripa. Para os que perguntaram sobre o que a ONU reservou para 2009, nosso correspondente manifesta-se otimista. "O ano oficial das batatas, as you know, virou purê. Por isso, my friends, as Nações Unidas, de forma sempre astuta e cautelosa, declararam 2009 como o Ano Internacional das Fibras Naturais. E dos Gorilas, as well." *Mr. Miles é o homem mais viajado do mundo. Ele já esteve em 132 países e 7 territórios ultramarinos.

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