Dia 2: Devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu

Pablo Neruda, pseudônimo de Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto, construiu três casas no Chile, e La Chascona é a única em Santiago

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Por Ana Carolina Sacoman/ De Santiago
Atualização:
Interior da La Chascona, casa museu do poeta chileno Pablo Neruda Foto: Felipe Trueba/EFE

Programe-se para passar um tempo na companhia de Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto. Quem? Pablo Neruda (1904-1973), o pseudônimo de Ricardo. O poeta construiu três casas no Chile, e La Chascona é a única em Santiago – as outras são La Sebastiana, em Valparaíso, e Isla Negra, na costa de El Quisco, onde Neruda e sua última mulher, Matilde Urrutía, foram enterrados. 

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Chegue a La Chascona (Estação Baquedano, Linhas 1 Vermelha e 5 Verde do metrô) cedo, especialmente durante o verão. A entrada é por ordem de chegada, a partir das 10h, até as 18h, e costuma ficar cheia já de manhã.

A casa foi feita para Matilde, quando ela não era, digamos, a única nem a oficial na vida de Neruda. La Chascona quer dizer “descabelada”, uma referência aos cabelos revoltos da mulher. O poeta se mudou para lá em 1955, depois de se separar da “titular”. Ali Neruda construiu um refúgio, mas também um lugar para receber amigos. A casa foi crescendo de um jeito meio estranho, com uns “puxadinhos”, e o audioguia recebido na entrada é valioso, por oferecer uma ordem por onde andar.

O roteiro começa nas áreas comuns, como a sala de jantar, passa pelas alas íntimas e chega ao anexo onde Matilde fez questão de velar o corpo de Neruda, em 23 de setembro de 1973, apenas 12 dias depois do golpe militar no Chile, liderado pelo general Augusto Pinochet (1915-2006).

A casa, aliás, foi atacada e semidestruída por partidários de Pinochet após a morte do poeta. Fotos do velório, da destruição e do cortejo de Neruda pelas ruas de Santiago emocionam o visitante. O passeio acaba em uma loja com lembrancinhas para aqueles amigos que adoram, ou fingem que adoram, a obra de Pablo-Ricardo. Custa 7 mil pesos (R$ 38). Informações: fundacionneruda.org/museos/casa-museo-la-chascona.

No Museu da Memória e dos Direitos Humanos tributo para mais de 3 mil pessoas que morreram ou desapareceram durante ditadura de Augusto Pinochet Foto: Victor Ruiz Caballero/ Reuters

Memória difícil. Quase impossível passar um tempo em Santiago sem esbarrar em algum aspecto do pesado passado imposto pela ditadura de Pinochet, que foi de 1973 a 1990, deixou 3 mil mortos ou desaparecidos e forçou o exílio de 200 mil chilenos. Fragmentos dessa história truculenta estão por toda parte, começando em La Chascona e passando pelo Palácio La Moneda e por outros pontos turísticos da cidade. Um bom lugar para entender tudo, se emocionar e gastar um tempo é o Museu da Memória e dos Direitos Humanos (ww3.museodelamemoria.cl/), bem na frente da Estação Quinta Normal (Linha 5 Verde).

Se o assunto parece um tanto pesado para levar as crianças, para adultos minimamente interessados em história e em entender um pouco a alma chilena o lugar é um prato cheio. Aberta em 2010, a exposição permanente ocupa 5 mil metros quadrados e começa com uma enorme sala dedicada ao dia do golpe, 11 de setembro de 1973, quando as Forças Armadas atacaram o Palácio La Moneda, o que levou ao suicídio do presidente, Salvador Allende (1908-1973). Fotos e vídeos recontam o drama dentro e fora do palácio presidencial. A partir daí, há salas e mais salas que tentam mostrar o que foi a ditadura no Chile, com fotos e objetos de pessoas desaparecidas – emocione-se com as cartas de crianças cujos pais estavam presos ou sumiram e as correspondências de exilados.

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Há também uma grande linha do tempo com os principais acontecimentos, como a visita do papa João Paulo II, em 1987, quando ele apareceu com Pinochet – recentemente, foi dito que o pontífice foi enganado ao posar ao lado do ditador. A missa campal no Parque O’Higgins – mesmo local onde o papa Francisco esteve, em janeiro deste ano – terminou em confronto entre manifestantes contra a ditadura e a polícia de Pinochet. Como é uma história recente, há farto material em foto e vídeo. Passeio de primeiríssima qualidade e grátis. Fecha às segundas.

Se a vibe histórica te fisgou, é hora de gastar a tarde em um roteiro pelo centrão de Santiago. Tanto a Estação Plaza de Armas, na Linha 5 Verde, quanto a La Moneda (Linha 1 Vermelha) cumprem bem a missão de te entregar no coração da cidade. Se escolheu começar por La Moneda, saiba que o palácio pode decepcionar. O prédio não tem nada de mais, mas a história fala por si. Há uma estátua de Salvador Allende, com a célebre frase dita em sua última transmissão de rádio para o país, já sob intenso ataque: “Tenho fé no Chile e em seu destino”. Ali também fica o Centro Cultural La Moneda (ccplm.cl/sitio/), com exposições, cineteca e lojinhas. 

Uma vez na região, prefira fazer tudo a pé. Siga na direção da Plaza de Armas, onde Santiago pulsa potente, com aquela confusão de gente passando para todo lado, barulho, vida. Ali ficam a Catedral, o prédio dos Correios e o Palácio Real – onde o governo despachava, antes de ir para La Moneda –, ocupado hoje pelo Museu de História Nacional. 

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Gaste um tempo entre estátuas vivas, dançarinos de rua e moradores vendo o dia passar. E, já que está no centro da cidade, não custa lembrar: cuidado com trombadinhas e pequenos golpistas que podem querer testar a sua paciência – a Plaza de Armas, no entanto, é bem policiada.

Joia desconhecida. Para fechar o dia de história, a última parada é no Museu de Arte Pré-Colombiana (precolombino.cl/), a uma quadra da Plaza de Armas, na esquina das Ruas Bandera e Compañia. O incrível é que, se você perguntar pelo nome, quase ninguém saberá informar onde fica essa joia de museu, uma pena. O lugar é enorme e abriga uma bela coleção de arte pré-colombiana de diversos pontos da América. No subsolo fica a exposição permanente Chile Antes de Chile, sobre mais de 14 mil anos de história do país. Custa 4.500 pesos (R$ 24). 

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