Era um convite para visitar um restaurante de comida vegana do Congo, cujo dono é um congolês, ativista político e refugiado, algo que só descobri já no estabelecimento. Não sou vegana, nem conhecia a culinária congolesa, então topei, curiosíssimos estávamos – eu, meu paladar, meu estômago e meu companheiro – pelo que viria pela frente.
Eis que, em meio a pratos e sucos com gostos um tanto quanto particulares, é preciso confessar, nossa conversa com o casal de amigos Rafael Bragança e Renata Balbino caminhou para o assunto que me traz a esta coluna: a recente viagem deles ao Chile. Na troca de figurinhas de lugares interessantes visitados, o que mais os impressionou, disseram, foi o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, na capital Santiago. “Nada menos que incrível”, definiram.
Em 10 de dezembro de 2018, a Declaração Universal de Direitos Humanos completa 70 anos. Elaborada após a Segunda Guerra Mundial, conta hoje com 500 traduções, sendo, segundo o site oficial da ONU, o documento mais traduzido do mundo. Seus 30 artigos (
) fazem parte de um processo que começou a ser registrado na Pérsia do século 6.º a.C., com o Cilindro de Ciro, considerado a primeira declaração de direitos humanos.
Pois tal efeméride, somada ao papo no restaurante congolês, traz o tema dos direitos humanos a esta coluna. Afinal, passei muitas vezes por outras partes do mundo onde casas de memória e resistência fazem parte do roteiro turístico. E, diante do momento carregado de preconceitos e retrocessos que vem se propagando pelo mundo, a discussão é mais do que atual. É urgente.
Resistência.
O bem recomendado museu chileno não é o único no mundo: há vários acervos de memória e resistência. Na Cidade do México, o Museu da Memória e da Tolerância; em Winnipeg, o Museu Canadense para os Direitos Humanos; em Buenos Aires, o Museu da Memória; em Atlanta, o King Center (Martin Luther King National Historic Site), com construções ligadas à vida do ativista político; na África do Sul, a Ilha Robben, onde foi preso, durante 27 anos, Nelson Mandela.
No Brasil há diversos exemplos, entre eles o Museu da Abolição, no Recife, e o mapa elaborado pela USP, a Cartografia dos Direitos Humanos, que indica lugares da cidade que foram palco de inúmeras lutas (
).
“É triste de doer e eles não poupam o visitante nisso, mas aconteceu, né? Você sai de lá arrasado”, disse o casal amigo sobre o Museu dos Direitos Humanos de Santiago. Nele, as atrocidades do governo Pinochet estão expostas em documentos, imagens e objetos que emocionam mesmo quem nunca viveu sob uma ditadura militar. Foi a mesma sensação que tive ao visitar, em 2015, o Museu de Memórias da Guerra em Ho Chi Minh, no Vietnã.
A discussão sobre os direitos humanos é e continuará sendo polêmica, e não apenas entre movimentos que defendem os direitos humanos e aqueles que os atacam. Porque o mundo não tem apenas dois lados, como anda parecendo. Há defensores que apontam muitos poréns entre os artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Contudo, é difícil não reconhecer que, diante das constantes e atuais violações da dignidade humana, reivindicar o respeito aos direitos humanos seja dar passos à frente.
Com toda certeza não é esse clima que se quer para uma viagem. Com mais certeza ainda não seria esse o clima para encerrar 2017. Mas o que é “triste de doer” também nos faz entender melhor o povo que nos recebe, a história do local que visitamos. Até porque, ao lado das atrocidades, há sempre a memória da resistência, e isso não deixa de ser um sopro de esperança.
Negar o passado não é a melhor forma de evitar que ele se repita. Reconhecê-lo, sim. Para que os acervos destes museus sejam, cada vez mais, um passado muito distante. E que venha o futuro, enfim.