Dúzias de viagens em um só destino

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Por Mr. Miles
Atualização:

Nosso sempre solerte viajante decidiu repetir uma de suas mais recorrentes excentricidades. Sempre que se decepciona com a humanidade (o que aconteceu recentemente na França), mr. Miles procura sumir de circulação, embarcando para um ponto remoto do planeta com o objetivo de praticar birdwatching. Não há informações seguras de onde ele se encontra no momento, mas um leitor relatou tê-lo visto em florestas ao norte da Colômbia. A seguir, a pergunta da semana: Querido mr. Miles: minha pergunta é aritmética, mas pretende ir além disso. Gostaria de saber: quantas viagens cabem numa viagem? Se eu for a cinco lugares, serão cinco viagens? Cecilia Delauskas, por e-mail "Well, my dear, sua pergunta é uma provocação inteligente, principalmente se não for levada ao pé da letra. Espero, as well, que você não seja professora de aritmética, porque não tenho tido contato com a matéria desde os tempos em que discutia algoritmos com meu saudoso amigo Alan Turing, um precursor das ciências da computação. O fato é que a poesia da matemática nos leva a aprender que sempre cabem números dentro de números e grandezas acima de grandezas. Não são muitas, unfortunately, as pessoas que fazem todas as viagens que uma única delas proporciona. Vejamos: a primeira viagem que eu fiz ao vosso belo País foi a bordo de um livro ilustrado por Johann Moritz Rugendas, que percorreu o Brasil desenhando pessoas, paisagens e situações. As cores únicas, o cenário luxuriante e a aspecto tropical que delas emanavam levaram-me a sonhar muitas noites com o País que, mais tarde, seria o de Pelé. Foram, as you see, minhas primeiras viagens brasileiras, todas elas realizadas no campo dos sonhos - mas, nem por isso, menos carregadas de uma espécie de saudade invertida, aquela em que sentimos profunda falta de algo ou alguém que nem sequer conhecemos. A segunda viagem, dear Cecilia, (talvez a terceira, quarta ou quinta) é resultante da soma de referências que ainda precede a jornada. Ouvir músicas do lugar, ler livros a respeito dele, aprender as regras básicas de seu comportamento e, of course, comprar um guia para planejar seu roteiro. Nem todos, however, percorrem esse caminho. Há os que não têm tempo para fazê-lo; os que consideram essas viagens prévias um tanto pleonásticas (teoria da qual discordo), ou os que simplesmente preferem descobrir tudo no destino, sem qualquer tipo de antevisão. E há, I'm sorry to say, os que vão de um lugar ao outro tão carregados de desprezo e autossuficiência que nem sequer se pode chamá-los de viajantes. E, então, chega a viagem propriamente dita. Os que fizeram suas jornadas prévias costumam chegar animados, mas trazem, no coração, um medo pequenino de se decepcionar. Os que não esperam nada, também ainda não viajaram nada: o destino costuma ser, nesses casos, uma ótima surpresa ou uma péssima escolha. Os que viajaram desde o princípio do sonho, porém, costumam ter a faculdade de reconhecer, ao vivo, paisagens que já tinham pintado em suas almas. Como um rio e seus barcos coloridos, as pessoas caminhando em suas margens, os namorados encostados na ponte, um início de romance, uma canção. Pronto: uma nova viagem dentro da viagem. E cada momento desse, dependendo apenas da intensidade com que você o viva, será mais um e mais um. Uma dúzia de viagens em um só roteiro. Ou quantas você mesma descobrir."*Mr. Miles é o homem mais viajado do mundo. Ele esteve em 183 países e 16 territórios ultramarinos

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