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Entre os lençóis

Sensação de estar em um deserto dura só até a primeira lagoa surgir no horizonte. Daí em diante, parque nacional maranhense é pura beleza, adrenalina e contemplação

Por Leandro Costa/BARREIRINHAS - O Estado de S.Paulo
Atualização:

A primeira sensação é a de estar em um deserto. Dunas fofas e branquíssimas de até 40 metros de altura e o calor forte, mesmo nas primeiras horas da manhã, reforçam a impressão logo na entrada do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. No entanto, basta escalar a primeira montanha de areia (o que exige certo preparo físico, é verdade) para descobrir o que faz a beleza incomparável deste cenário: lagoas de água doce e fresca cujas cores mesclam tonalidades de azul e verde.

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"O lugar mais bonito do Brasil" onde "famílias se abraçam e choram quando chegam", exageram os guias que levam turistas até lá. Mas é preciso reconhecer: a paisagem é mesmo deslumbrante. E tão convidativa que fica difícil controlar o ímpeto de sair correndo duna abaixo para um mergulho certeiro.

Os guias, vale ressaltar, não recomendam a brincadeira por questão de segurança. Porque é quase certo ganhar alguns arranhões na descida íngreme. Mas nada muito sério.

 

 

São milhares as lagoas que se formam - e desaparecem - todos os anos em uma área de 100 quilômetros de comprimento ao longo do litoral por 50 quilômetros de largura (ou 155 mil hectares). Tudo graças às chuvas. O volume de água que despenca por lá ultrapassa os 1.500 milímetros por ano, especialmente entre janeiro e maio. A melhor época para ver as lagoas cheias vai de junho a setembro, assim que para de chover.

Tudo diferente. Localização, formato, profundidade e tamanho das lagoas mudam o tempo todo. Além do volume das chuvas, os ventos movimentam as dunas e determinam onde e como aparecerá a próxima. Por isso, cada visita aos Lençóis Maranhenses é única.

Ainda assim, existem lagoas permanentes no parque. São aquelas que, mesmo quando secam devido a um longo período de estiagem, ressurgem exatamente no mesmo lugar. Em casos assim, chegam a ganhar nomes. É o caso da Lagoa da Preguiça, que aparece sempre depois da primeira duna (para quem entra por Barreirinhas). "Portanto, não é preciso andar muito para chegar até ela, daí o nome", explica Célio Santos, um dos guias habituados a levar turistas ao parque.

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Ali por perto ficam as lagoas Esmeralda, que deve seu nome à cor verde de suas águas, emprestada pela vegetação que cresce no fundo, e da Paz. Segundo o guia, na época da cheia as três lagoas enchem tanto que viram uma só.

A Lagoa dos Peixes é a única que nunca seca. Na época da cheia, ela chega a 5 metros de profundidade (contra 1,5 metro, no máximo, das demais). E recebe este nome porque, mesmo sem rio ou mar por perto, os lambaris se proliferam em suas águas. A hipótese para o fenômeno é a de que as ovas sejam trazidas no estômago de aves pescadoras, como maçaricos, bastante comuns na região.

Solavancos. Calmaria e relaxamento total. As sensações que se tem mergulhado na água gelada de uma das lagoas são uma espécie de recompensa a quem enfrentou uma verdadeira maratona aventureira para chegar ao parque a partir do centro de Barreirinhas. Na cidade, 250 quilômetros a leste da capital maranhense, São Luís, ficam a sede do parque e a melhor infraestrutura da região, com pousadas, restaurantes e agências que vendem passeios.

Da travessia da balsa à entrada do parque nacional são 10 quilômetros. Em outras palavras, 40 minutos de solavancos em uma estrada de areia capaz de fazer atolar até as robustas caminhonetes com tração nas quatro rodas que ousam enfrentar tal percurso.

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Além dos chacoalhões, é preciso estar preparado para se molhar ainda durante o trajeto. O Toyota Bandeirantes, veículo que nem é mais fabricado mas continua muito popular para transportar os turistas até o parque, atravessa diversos riachos com água na altura do para-brisa. No período de cheia, é bem capaz de o motorista ter de abrir a porta e deixar a água invadir a cabine para evitar que o carro boie. Para os passageiros lá atrás, significa molhar os tornozelos. Além de uma dose extra de adrenalina, principalmente para desavisados. Já os apaixonados por esportes ao ar livre têm ainda mais motivos para visitar o parque. Nas agências de turismo local há opções de passeio que vão além da visita às lagoas mais famosas. Há tours de bicicleta pelas dunas e travessias a pé que chegam a levar dias para serem concluídas. Com direito a muito esforço, várias sessões de contemplação do pôr do sol alaranjando as dunas e claro, paradas para um mergulho refrescante sempre que uma nova lagoa exibir seus contornos no horizonte.

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Vida ribeirinha em duas direções

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Voadeiras sobem ou  descem o Rio Preguiças para mostrar o cotidiano de artesãos, pescadores e agricultores

Os macacos-prego são os primeiros a dar boas-vindas ao turista. Eles ficam ali pelo entorno do Barracão da Graça, quiosque onde, se já for o caso de almoçar, você deve escolher uma mesa e se acomodar para provar receitas da culinária local como o robalo com arroz de cuxá e o camarão pitu. Tudo muito fresco, tirado do rio a poucos metros dali.

O passeio pelo Rio Preguiças corresponde completamente ao nome, mesmo feito em voadeiras. Nos 42 quilômetros do trajeto, a graça é observar a vegetação das margens - palmeiras carnaúba, buriti e juçara (de onde se extrai o açaí), além de igarapés - e jogar conversa fora com moradores nos povoados à beira d’água. Caso de Vassouras, o lar dos macacos-prego e primeira parada.

Lá, você pode escalar uma duna de 15 metros agarrado a uma corda para admirar, do alto, uma lagoa transparente. E depois, caminhar até a Tenda dos Macacos, outro bar-restaurante cheio destes simpáticos animais, à distância de uma duna.

Com bastante disposição, a opção é seguir a pé até Espadarte, o próximo povoado ribeirinho. Ouça histórias de pescadores e aproveite para sair de lá com camarão fresco, vendido a R$ 5 um balde de cerca de um quilo.

Vencido mais um trecho pelo rio, chega-se a Mandacaru. A atração é o farol erguido em 1909. Em plena atividade, o equipamento continua a orientar navegantes a um raio de distância de 43 milhas (ou 69 quilômetros). E atrai turistas pelo mirante, a 35 metros de altura, de onde se vê o encontro do rio com o mar e as primeiras dunas do parque nacional. Um ponto e tanto para fotos panorâmicas. Mas subir exige fôlego: são 160 degraus.

Sentado à porta do farol e quase indiferente ao movimento de turistas, "seu Zé Lico", neto do primeiro faroleiro civil da região, João Resende, é o atual guardião do equipamento. Ele diz que o trabalho é tranquilo. Se esquiva do convite para subir ao mirante com um evasivo "estou trabalhando". E simplesmente continua sentado.

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Caburé é a última parada da expedição pelo Rio Preguiças. Quase colada ao Oceano Atlântico, está a cerca de 300 metros do mar. Ali também existe um restaurante, na Pousada Porto do Buriti, com redes convidativas para um cochilo.

Sentido oposto. Rio acima, outro passeio leva à comunidade do Tapuio, onde cerca de 2 mil pessoas vivem da fabricação de tijolos e do cultivo de banana e da mandioca brava.

O coração da vila é a Casa de Farinha, usada por todos os moradores. José Maria Diniz, que mora no sítio onde fica a casa, explica o processo de fabricação artesanal da farinha: desde a moagem no catitu (ralador) até a desidratação no tapiti (tubo feito de palha de buriti) e a torrefação no forno a lenha.

O tucupi, outro produto feito da mandioca brava, também é tema das explicações de Diniz. Extraído do processo de desidratação da mandioca brava, o caldo só pode ser usado na culinária depois de muito bem cozido, para eliminar o ácido cianídrico, tóxico, de sua composição. Daí o "brava" no nome da planta.

Diniz fala ainda da importância da farinha de mandioca na dieta e na composição da renda dos moradores do povoado.

Em Marcelinas, a próxima vila no roteiro, a atração é o artesanato produzido pelas mulheres que moram ali. Com seus teares e mãos habilidosas, elas fabricam acessórios usando como matéria prima as fibras da palmeira buriti.

A responsável pela Casa das Artesãs, Sônia Batista Cabral, guia a visita. A demonstração começa na extração da matéria-prima das árvores - ela garante que se respeita um período de descanso de três meses para cada planta. Segue com a coloração das fibras com o uso de substâncias extraídas do urucum e do sururu. E o visitante ainda pode se sentar ao lado das artesãs para ver como transformam tiras de fibra disformes em artigos de moda praia.

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Depois, é claro, vem a lojinha. Aproveite para comprar ali lembrancinhas - os artigos são vendidos por preços que variam entre R$ 5 e R$ 20. / L.C.

O que levar

Kit básico

Óculos de sol, chapéu e protetor solar. Além de tênis, necessário para caminhar entre as dunas caso a areia esteja muito quente

Repelente

Merece um item à parte por ser realmente indispensável nos passeios pelo rio. Os mosquitos não perdoam

Dinheiro em espécie

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Porque não há caixa eletrônico até onde a vista alcança

O que trazer

Mandioca brava

Não na sua forma natural, mas transformada em cachaça, a tiquira. Outra opção é a pimenta curtida no molho do tucupi, caldo extraído da mesma planta

Doce de buriti

Uma das especialidades da região

Artesanato

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Bolsas, enfeites e outros objetos à venda no vilarejo de Marcelinas

 

BATE-VOLTA

Rio Cardosa

A descida de uma hora (2 quilômetros) em uma boia inflável pelas águas do Rio Cardosa é um dos passeios mais tranquilos e agradáveis que você pode fazer nos arredores de Barreirinhas (a cerca de 40 quilômetros de distância). A ideia é se deixar levar, sem pressa, observando a vegetação das margens. As águas são verdes e refrescantes. Aproveite também para admirar um lago transparente cercado por buritis que fica ali por perto.

Atins

A vila mais próxima da foz do Rio Preguiças marca também o começo da Praia dos Grandes Lençóis, que se estende por 100 quilômetros, até Travosa, no outro extremo do parque nacional. A Lagoa do Mário é a principal atração: em suas águas escuras boiam flores aquáticas brancas. O Poço das Pedras, azul-turquesa, surge em meio ao areal. A vila, mais estruturada, tem luz elétrica e conta com algumas pousadas e restaurantes.

Vá à praia de Caburé antes que ela acabe

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Meros 300 metros separam o Rio Preguiças, à esquerda, do Oceano Atlântico, à direita. Na faixa de areia que fica no meio, a tranquila Praia de Caburé, dentro do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, sobrevive como pode. E convive serenamente com a certeza de que, daqui a alguns anos, não estará mais ali.

O prognóstico é da Universidade Federal do Maranhão. Caburé existirá pelos próximos cinco anos, aproximadamente. E a fatalidade não tem nada a ver com o aquecimento global. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que o destino da praia se deve a um processo erosivo natural. Faz pelo menos 40 anos que o mar avança lentamente em direção à margem do rio. Gerente de uma das pousadas da vila, Enoque Lima recorda que, durante sua infância, a distância entre o mar e o rio era bem maior. "Tanto que dava preguiça de ir andando", diz.

A pousada de Lima já teve de mudar de lugar algumas vezes. Não apenas para escapar do avanço das águas, mas também pelo movimento das dunas, que pouco a pouco soterram as construções. Mas, ao contrário do esperado, ele conta tais histórias sem tristeza. Acredita que se trata apenas da natureza seguindo seu curso.

Enquanto a praia ainda está lá, suas águas escuras e calmas são ótimas para quem quer sossego e calmaria. As pousadas locais são simples e a energia elétrica que alimenta todo o povoado é mantida por gerador. Durante a noite, o equipamento é desligado, criando o ambiente ideal para longas sessões de observação da lua e das estrelas. Diversão? Sim, existe: animadas rodas de viola formadas pelos pescadores da região recebem muito bem os turistas que quiserem se aproximar para uma cantoria e um dedo de prosa. / L.C.

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