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O homem mais viajado do mundo

Faz falta aquilo que não conhecemos?

Nosso viajante leu o que sobre seu réveillon especularam os leitores desse diário. Ficou agradecido 'por ter sido notado mesmo em minha própria ausência'

Por Mr. Miles
Atualização:

Garantiu, contudo que não estava em Dom Pedrito, Barcelos ou Viena. Humildemente, neste ano esteve com sua tia avó Henriquette e levou um tender para escapar da kidney pie. Trashie, claro, satisfez-se com algumas doses de single malt. A seguir, a pergunta da semana:

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Prezado Mr. Miles: o senhor vive incentivando seus leitores a viajar. Entendo o lado bom disso, mas nem todo mundo tem suas condições financeiras e familiares para passar o tempo todo fora de casa. Minha avó usava um ditado que posso aproveitar no meu raciocínio: “a gente não sente falta do que não conhece!” Qual é a sua opinião?  Luís Antonio Onofre, por e-mail

“Well, my friend, parece totalmente justa a questão que você coloca. Há um verso de meu saudoso amigo Fernando (N. da R.: Fernando Pessoa, poeta português com quem Mr. Miles teve o prazer de compartilhar ginjinhas em Lisboa) que repete, um tanto melancolicamente, a frase da senhora sua avó. Dizia ele: ‘Na véspera de não partir nunca, ao menos não há que se arrumar as malas’.

Mais ou menos belos, concluo, humildemente, que esses pensamentos têm a mesma dose de conformismo que faz pessoas e povos deitarem em berço esplêndido – e seguirem deitados quando eles já não forem tão esplêndidos assim.

Indeed: não é possível sentir falta do que não se conhece, mas nem por isso é possível evitar conhecer e reagir a um mínimo de vida ao nosso redor. 

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Veja o raciocínio oposto, dear Luís: aqueles que estiveram ao nosso lado, seja porque nos conceberam, nos ofereceram carinho e amizade; aqueles que amamos com mais ou menos fervor, tudo e todos os que sempre nos faltarão se deixarem de existir, serão, of course, doídos e pranteados. Não ficaremos, however, arrependidos de tê-los conhecido e não seremos imunes aos seus bons e maus ensinamentos.

Nevertheless, essa crônica está ficando piegas demais. Vamos a exemplos práticos: meu velho amigo Steve Arnold, de Dresden, na Alemanha, frequentou, nos anos 70, uma dessas escolas de método Rudolf Steiner. Pelas regras do estabelecimento, ele foi proibido de ter qualquer contato com a televisão até os 18 anos, quando deveria iniciar a faculdade. De fato, a tevê não fez falta. Fez falta não poder acompanhar a conversa de seus amigos, não conhecer os super-heróis de seu tempo e foi ruim se sentir um pária por estar proibido de participar de tudo o que mais agradava a sua geração. Pois vejam o que ocorreu: aos 18 anos, ganhou de presente um televisor. E quase enlouqueceu de tanto rir com Os Três Patetas... Thank God, he survived

O mesmo aconteceu com uma amiga que jamais tinha provado um chocolate, embora olhasse embevecida para os que o saboreavam. Seu sacrifício resultou em 12 quilos de peso extra quando, at last, a curiosidade a venceu. Hoje ela, como tantos outros, não recusa o que a vida lhe oferece com a moderação necessária. Está magra e feliz. 

Ouso dizer que qualquer pessoa que nunca tenha provado um sorvete salive quando passa em frente a uma gelateria bem fornida. Qualquer um que tinha lido ou visto um filme que oferece Paris como cenário saberá, mesmo sem informação suficiente, o tamanho da falta que a capital dos gauleses fará em sua vida, mesmo que ele nunca possa visitá-la. Trata-se, of course, de um sonho que ainda não vivemos, mas nem por isso deixará de nos fazer muita falta. Pergunto-lhe, dear Luís: você já não tentou, mesmo que em vão, retomar um sonho ocorrido? Recuperar a história daquela noite e, if possible, chegar até o fim? 

Chego a pensar que só os que não sonham podem viver sem expectativas – se é, claro, que eles existem.

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Isto posto, eu retrucaria a Fernando Pessoa, sem a mesma elegância e o mesmo domínio do idioma: ‘Na véspera de partir sempre, ao menos já se sabe como fazer as malas’.

Faça as suas, my friend.”  É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 312 PAÍSES E 16 TERRITÓRIOS ULTRAMARINOS

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