Ilhas Malvinas, o refúgio dos pinguins

Pouco acessíveis, as isoladas Ilhas Malvinas (ou Falklands, para os britânicos) tem 1,2 milhão dessas aves e apenas 3 mil pessoas

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Por Cristiano Dias
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Há cinco espécies de pinguins nas Ilhas Malvinas Foto: Cristiano Dias/Estadão

STANLEY - O primeiro aceno ao visitante é um vento gelado que invade todas as partes. Bem-vindo às Malvinas (Falklands para os britânicos), pátria dos pinguins. Pelas areias brancas, em praias imaculadas, passeiam focas e sua parentela: leões, elefantes e lobos-marinhos. Na água fria, baleias-azuis, francas e jubartes, orcas e meia dúzia de espécies de golfinhos, incluindo os de Commerson, flagrados surfando na arrebentação.  O clima imponderável é o terror dos navios. São quase 200 naufrágios ao redor do arquipélago, mas isso não impede que navios que levam turistas à Antártida façam uma parada nas Malvinas – 60 mil passageiros desembarcaram nas ilhas em 2015.  O sol intermitente se alterna com a chuva tantas vezes no dia que o arco-íris é quase um acessório da paisagem. Os visitantes se concentram no verão, quando a temperatura máxima chega a 15 graus e, a mínima, a 5, um convite para observar animais, pescar ou apenas curtir o cenário.   

Arco-íris é tão comum nas Malvinas que parece adereço da paisagem Foto: Cristiano Dias/Estadão

É estranho que um lugar edênico não esteja constantemente no radar do continente. Mas as Malvinas estão ali, lutando contra o esquecimento. O primeiro desafio de um observador das ilhas é semântico. Em bom português, o arquipélago é conhecido por Malvinas graças à loucura do general Leopoldo Galtieri, cão de guarda da Argentina durante o lusco-fusco da ditadura militar.  Foi assim que um lugar ignorado despertou a tiros de artilharia em 2 de abril de 1982. De repente, o mundo olhou assustado para o Atlântico Sul e descobriu um novo pedaço de terra. Falklands ou Malvinas? Se por solidariedade com os vizinhos ou parentesco linguístico ninguém sabe, mas o Brasil fez sua escolha. A questão é importante porque reflete a disputa pela soberania das ilhas. Em 2013, os moradores participaram de um referendo no qual se declararam a favor de continuar sob tutela britânica. Da estátua de Margaret Thatcher ao chá das cinco, tudo – até os humores do clima – remete ao Reino Unido. MAIS: Destinos da América do Sul  A guerra com a Argentina foi o ritual de batismo que fez um punhado de criadores de ovelhas perder a inocência. Foi o ponto de inflexão que acendeu uma luz de alerta para o isolamento em que viviam. São mais de 750 ilhas que ficam a 500 quilômetros da costa argentina e a 13 mil de Londres. O lugar é espaçoso, tem o dobro do tamanho do Distrito Federal e um relevo suave onde vivem 700 mil ovelhas, 1,2 milhão de pinguins e apenas 3 mil almas.  A Real Força Aérea (RAF) britânica mantém uma base em Mount Pleasant, a 50 quilômetros de Stanley, a única cidade. Os 1.200 soldados formam uma população flutuante, são excluídos das estatísticas oficiais e têm supermercado próprio, pubs e cafés. Não há nenhuma ostensiva presença militar fora dali e a interação com a população é incomum. Normalmente, ocorre quando homens em uniforme jogam futebol na capital ou quando um civil decide encarar uma hora de viagem para ir ao cinema – o Phoenix, única sala das ilhas, fica dentro da base e exibe uma sessão por semana.  Mount Pleasant, no entanto, é ponto de entrada e saída para quem chega às Malvinas pelo ar. Ali está o principal aeroporto, que recebe um voo semanal da Latam, vindo de Punta Arenas, no Chile, e outro da RAF, de Londres. Outras opções para visitar as ilhas são cruzeiros e iates privados.CONHEÇA AS 5 ESPÉCIES DE PINGUINS DAS MALVINAS

TOUR REVIVE A GUERRA PELAS ILHAS A disparidade entre a leveza de um pinguim e a crueza da guerra está no caráter das Malvinas. O arquipélago guarda lugares marcados pela violência do último conflito convencional entre duas nações ocidentais. Alguns locais foram transformados em santuários por veteranos britânicos e argentinos, que costumam voltar, sozinhos ou com familiares, em busca de conforto. Mount Longdon, palco de uma das batalhas mais sangrentas da guerra, o cemitério argentino de Darwin ou o memorial de Goose Green. Em Pebble, perto do monumento ao HMS Coventry, estão as asas e o cockpit de um caça Dagger da Força Aérea da Argentina. As visitas podem ser arranjadas em Stanley, com operadoras locais. Os passeios consistem em uma maratona de sacolejos pelo terreno acidentado, o que dá uma noção da ingratidão da geografia e dos desafios que as forças britânicas e argentinas enfrentaram. Pelo caminho, canhões de artilharia abandonados, buracos causados por explosões, restos de munição, relíquias de combate.

Fuselagem de guerra argentino entre as memórias da guerra Foto: Cristiano Dias/Estadão

 Histórico. Os primeiros tambores da guerra tocaram ainda nos anos 70. Argentina e Grã-Bretanha eram dois trens desgovernados em rota de colisão. Em Londres, Margaret Thatcher enfrentava as ruas insufladas pelo desemprego e uma onda de falências sem precedentes que a haviam transformado na primeira-ministra mais impopular da história recente do reino.  Em Buenos Aires, a autoridade de Leopoldo Galtieri também era consumida pela crise econômica. Foi o general quem ordenou a invasão. De posse das ilhas, os argentinos inverteram a mão do trânsito e fizeram o peso circular em lugar da libra. Tomaram a rádio local, que passou a executar marchinhas militares e o hino nacional da Argentina.  O espanhol passou a ser a língua oficial e Stanley virou Puerto Argentino. O surrealismo atingiu o clímax quando a ditadura distribuiu panfletos saudando a “libertação” da população do jugo do império britânico. A ocupação durou 74 dias.  A resposta da Grã-Bretanha foi violenta: 649 argentinos e 255 britânicos morreram. A reconquista custou US$ 8,4 bilhões aos cofres de Thatcher. Para a junta argentina, representou uma saída pela porta dos fundos da história. Quando as cortinas se fecharam, restou a impressão do escritor Jorge Luis Borges: “Foi uma guerra entre dois carecas por um pente”.SAIBA MAIS Como chegar: a Latam opera um voo semanal para as Malvinas (Falklands), aos sábados, saindo de Punta Arenas (Chile). Custa R$ 2.491, ida e volta da cidade chilena. Empresas de cruzeiros como Celebrity, Norwegian e Quark Expeditions param nas ilhas a caminho da Antártida.Língua oficial: inglêsMoeda: libra (é impressa nas próprias Ilhas Malvinas) Site: falklandislands.com *O repórter viajou a convite da embaixada do Reino Unido.MAIS: Pacotes para curtir o feriado de 15 de novembro

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