Para ler ouvindo:Uma Noite do Museu - Acadêmicos do TucuruviUma Noite Real no Museu Nacional - Imperatriz Leopoldinense
Viajar é uma história. Mas, no carnaval, tudo parece ser plural, inclusive as viagens e as histórias. Os enredos, afinal, continuam sendo a força das escolas de samba, dos blocos de rua, de quem pula a folia. São roteiros que se cruzam, culturas que se misturam, regiões distantes que tornam-se próximas, dividindo a mesma passarela. Eis o que, ano após ano, me faz prestar atenção a cada um dos sambas-enredo, desejosa de que a viagem a que me convidam seja instigante.
Vou começar pedindo licença às queridas
e
, cujos enredos, este ano, falarão dos judeus nordestinos que fizeram história em Nova York e da rota da seda, respectivamente. À necessária
, que levará à Sapucaí uma reflexão sobre os 130 anos da abolição da escravidão. Licença à sagacidade crítica de
, onde “pecado é não brincar carnaval”, e da
, onde “canto é resistência” e não há governo que faça calar a festa.
Quero pedir licença a todas as escolas para falar de um enredo em especial, um enredo que, por uma combinação dos astros (prefiro que seja devido à importância), duas delas decidiram levar às passarelas: o museu. É ele, este companheiro de viagens, o protagonista da Acadêmicos do Tucuruvi, escola paulistana que, por um infortúnio, não poderá desfilar seu enredo,
, com todo seu potencial:
seu barracão pegou fogo no último dia 4
, queimando, entre outras coisas, todas as fantasias das baianas.
Uma Noite no Museu
se inspira no filme de mesmo nome, lançado em 2006, uma comédia estilo
Sessão da Tarde
no qual o “acervo” do Museu de História Natural de Nova York ganha vida quando o público vai embora. No grande museu a céu aberto da Tucuruvi, porém, o acervo alegórico não tem a ver apenas com animais empalhados ou trajes indígenas. Tem a ver com tudo aquilo que, desde tempos pré-históricos, provoca nos homens o hábito de colecionar objetos, histórias e afetos. Grandes entusiastas deste fascínio são as viagens.
A origem da palavra museu é grega:
mouseion
, que significa “templo para as musas”. Na Grécia Antiga, as musas eram as deusas da eloquência, da história, da música, da dança, das poesias, da tragédia, da comédia e da astronomia. Ou seja, mouseion era um espaço de inspiração intelectual e divina, como a Biblioteca de Alexandria, primeiro lugar a receber essa denominação.
De lá para cá, o conceito de museu mudou e seus “segundos nomes” se diversificaram e especializaram – há o Museu do Amanhã, do Sexo, do Esgoto (sim, do Esgoto). Em todos os casos, tendemos a nos prender aos acervos, sem refletir sobre o museu em si e naquilo que o que o cerca. Bom exemplo é o Museu Nacional, que completa seu bicentenário este ano, motivo pelo qual a escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense lhe prestará homenagem, levando à Sapucaí o enredo
Uma Noite Real no Museu Nacional
.
Não havia dito que os roteiros se cruzam? Pois a escola que carrega o nome da Imperatriz Leopoldina, mulher de D. Pedro I, se viu diante de um grande tema: preservar e recriar a memória – não é isso que fazem os museus? – do Palácio de São Cristóvão. Aos pés do morro da Mangueira, na Quinta da Boa Vista, foi lar da família real e imperial entre 1808 e 1826 e, em 1892, virou o maior museu de história natural da América Latina. Trata-se da mais antiga instituição científica do País, ligada à UFRJ. Como presente, a instituição busca parcerias para o projeto urgente de revitalização do prédio. Enquanto isso, segue aberta ao público (terá programação de aniversário a partir de junho), incentivando a pesquisa – acaba de revelar ovos e ossos de pterossauros encontrados na China – e resistindo tanto quanto o carnaval.
Museus são espaços em constante mudança, devendo provocar em quem os visita não a sensação de guardarem tempos ultrapassados, mas aquilo que nos liga ao presente. Como a festa de fevereiro, podem nos convidar a ocupar e preservar o que é historicamente nosso e a viajar para épocas e lugares historicamente nossos também.