Onde estão as fotos do grande viajante?

M. Miles nos enviou esta coluna ainda antes de sair o resultado do plebiscito sobre a secessão da Escócia. Acreditamos que o tema será comentado por ele em uma próxima aparição. A seguir, a pergunta da semana, que um leitor enviou por meio de comentários no blog do Viagem:

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Por Mr. Miles
Atualização:

Caro mr. Miles: leio sua coluna toda terça-feira, mas há algo que me deixa muito, muito curioso. Por que o homem mais viajado do mundo não aparece em suas fotos publicadas nas redes sociais? Aliás, nunca vejo fotos suas em site nenhum, apenas caricaturas...

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Danilo Duarte, via blog

Well, my friend: antes de mais nada, gostaria de dizer que a foto que ilustra esta coluna estampa também os meus vários passaportes. Há uma outro foto, conhecida, em que estou de corpo inteiro com meu guarda-chuva. Esse instantâneo, capturado em Notto, na Sicília, a long time ago, também não mostra exatamente quem sou, visto que, à época, costumava-se retocar as fotografias e, of course, o daguerreotipista siciliano, com sua natural vocação dramática, cometeu um grande exagero, deixando-me pouco parecido comigo mesmo. 

Anyway, muitos leitores perguntam-me sobre essa questão e já tive a oportunidade de respondê-la, uma vez, years ago. Na verdade, sempre considerei o assunto irrelevante. But, well: se vocês querem tanto saber, vamos aos fatos. Décadas atrás em Granada, na Espanha, para onde fui combater os franquistas na Frente Internacional, encantei-me por uma dançarina de flamenco. Chamava-se Carmen, of course. Ela tinha origem cigana e alguns dons surpreendentes. Ao tempo de Torquemada, Carmem certamente teria ardido na fogueira como ocorreu com as feiticeiras. Pois eu dei destino melhor ao seu encanto, embora isso não venha ao caso.

Certa noite, jantávamos numa varanda no bairro de Albaicín, com a Alhambra e a Sierra Nevada à nossa frente. Havia, no recinto, um fotógrafo registrando a cena, creio que com finalidades comerciais. Quando ele apontou a sua lente em nossa direção, Carmen empalideceu, seus olhos ficaram esgazeados e ela começou a pronunciar estranhas palavras num idioma incompreensível. It was awful.

Corri para acudi-la, ajoelhei-me ao seu lado e, naquele exato instante, o projétil de um franco atirador fascista cruzou o espaço que eu ocupava momentos antes e alojou-se no corpo do fotógrafo que estava do lado oposto. ‘La bala era para ti’, disse-me Carmen, recuperada do transe. Perguntei-lhe, então, de onde viera aquele presságio que me salvara a vida (mas, unfortunately, não a do fotógrafo). 

Com aqueles olhos negros cheios de fogo que jamais esquecerei, Carmen apenas balbuciou: ‘Las fotos…, las fotos… con ellas vendrá tu muerte’. Creiam-me, my friends: sou um homem cético. Não acredito em duendes ou em bruxas. Mas não ouso duvidar de uma mulher apaixonante. Por isso, just in case, nunca mais aceitei que me apontassem uma lente. Como dizem os sábios de Minas Gerais, precaução e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Isn’t it?

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Hoje, however, não creio que minha precaução tenha qualquer fundamento. Continuo não permitindo que tirem fotos de minha pouco interessante figura, mas essa praga de gadgets que fotografam ou filmam está espalhada mundo afora. Acredito, sem medo de errar, que não dou mais qualquer passo em qualquer direção sem que alguém registre minha passagem, por mais insignificante que seja. Telefones fotografam. Elevadores captam imagens. Não há, oh, my God, qualquer espaço para a privacidade. 

Da última vez em que comi uma kidney pie (N. da R.: torta de rim, especialidade britânica), na casa de tia Mildred, tive a sensação de que a própria comida me observava. Respeito e admiro as pessoas que fazem fotos de lugares por onde passam, para que possam, sempre, se lembrar do que viram. Eu apenas registro as imagens no meu coração. De lá elas nunca saem.”

É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO.

ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E

16 TERRITÓRIOS ULTRAMARINOS

 

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