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Piquenique à beira do glaciar

A jornada para chegar ao gigantesco paredão gelado demanda caminhar entre a mata nativa e navegar em um lago cristalino. A recompensa? Almoçar com um visual deslumbrante

Por Gustavo Coltri
Atualização:

PUERTO TRANQUILO - O Lago General Carrera mais parecia um espelho, refletindo o céu do amanhecer e as montanhas, quando despertei no chalé à beira do lago. Pela janela, o monte San Valentin, o mais alto de Aysén, com 4.058 metros, mostrava-se pronto para os primeiros cliques do dia. Dono do lodge Terra Luna, o francês Philippe Reuter, acompanhado de um jovem guia, levaria o grupo até o Glaciar Leones, uma parede gelada que integra o Campo de Gelo Norte, a 258 quilômetros de Coyhaique.O acesso ao glaciar, localizado em uma lagoa que dá origem ao Rio Leones, é difícil. A um custo mínimo de US$ 190 por pessoa, o percurso proposto pelo Terra Luna até o Leones envolve passeios de barco e trekking e toma um dia inteiro de atividades. De manhã, o frio ainda impera na região e demanda reforços na vestimenta antes da navegação, que castiga os negligentes com o vento durante a travessia do lago. Gorro, luvas, cachecol e um casaco corta-vento são fundamentais, mas é importante vestir-se em camadas: quando o sol esquenta, no meio da manhã, você vai querer se livrar logo de toda essa roupa. Já o trekking pede sapatos impermeáveis e resistentes, próprios para longas caminhadas. Em condições normais, venceríamos o trajeto até o glaciar com uma hora de navegação e outros 30 minutos de caminhada em meio à mata nativa. Mas o rio estava com o nível de água baixo e nossa navegação foi turbulenta, com muitas curvas e pedras no caminho.Na maior parte do tempo, convivemos com um sacolejar que, ao menos, nos permitia fazer fotos dos morros à vista e de cachoeiras criadas pelo derretimento do gelo no topo das formações rochosas. Foi, aliás, na frente de uma delas que desembarcamos pela primeira vez.A calça grossa que eu vestia foi muito útil para enfrentar cerca de 50 metros na vegetação, entre espécies rasteiras e arbustos de folhas pequenas e grossas, adaptadas ao frio intenso do inverno de Aysén. O objetivo da caminhada era alcançar um canal paralelo ao curso natural do rio, de onde embarcaríamos novamente em um bote, na esperança de uma navegação mais tranquila.Do lado direito, o rio nos seguiu por boa parte do tempo. Já passava da hora habitual de almoço quando alcançamos o berço do glaciar, onde outro barco, dessa vez inflável, estava atracado. Mais cinco minutos de navegação nos levariam ao fim da jornada, de frente para o imponente paredão gelado. Cara a cara. Com mais de 30 metros de altura, o Leones é desafiador, embora sofra com o aquecimento do planeta. Ele recua, de acordo com Phillipe, alguns centímetros a cada ano, despedaçado em pedras de gelo que, derretidas, alimentam a lagoa e, mais adiante, o rio. Ainda assim, encará-lo é uma experiência como poucas.A língua gelada, com variações de branco e azul em suas fendas, confunde-se com a montanha onde está incrustado. No entorno, grandes blocos de gelo boiam na água, derretendo sob o calor do sol. Embora tenhamos visto pouca movimentação na face do Leones, seus sons entregam a intensa atividade do glaciar. O gelo que derrete no interior da parede cria um rio que se esconde dos olhos, mas não dos ouvidos: de tempos em tempos, somos surpreendidos por impressionantes estrondos, como se alguém estivesse detonando com dinamites o paredão nas proximidades. Algo que assusta e, ao mesmo tempo, fascina.Essa foi a trilha sonora do almoço do grupo, realizado sobre uma grande pedra arredondada, a poucos metros do glaciar. Sentados no chão, fizemos nosso piquenique: sanduíche, suco de caixinha e uma sobremesa simples. De estômago cheio, tiramos alguns minutos para descansar sob o sol e dar uma última olhada no Leones antes de partir.

O repórter viajou a convite do Serviço Nacional de Turismo do Chile (Senatur).

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