Prado, berço esplêndido no sul da Bahia

Tecnicamente, foi em Prado, onde está o Monte Pascoal, que nasceu o Brasil. Polêmicas à parte, este trecho pouco explorado de litoral segue tranquilo como sempre, mas acessível como nunca

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Por Raquel Brandão e PRADO
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Entre as descrições dos homens com suas “vergonhas” descobertas e dos pássaros de penas coloridas, a carta de Pero Vaz de Caminha sobre o descobrimento do Brasil dá a dica para algo que ainda gera polêmica: onde, de fato, o País foi descoberto.

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“Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo”, registrou o escritor sobre aquele que seria chamado de Monte Pascoal. Ocorre que o monte só pode ser avistado de um lugar, Prado. Por isso, pradenses defendem: o Brasil foi descoberto ali. E não na vizinha Porto Seguro (leia nas páginas 8 e 9), à qual o atual município pertenceu e que acabou levando a fama.

Deixando a polêmica de lado, não é exagero dizer que grande parte dos brasileiros não conhece os encantos do lugar. É possível encontrar alguns turistas paulistas, fluminenses e do sul do País, mas, por enquanto, são baianos das cidades do entorno, mineiros e capixabas, muitos capixabas, os grandes desbravadores da região. A geografia explica. Prado é de fácil acesso para os moradores do Espírito Santo e do norte de Minas Gerais, que vêm de carro pela BR-101.

Há pouco mais de um ano, o aeroporto mais próximo era o de Porto Seguro, a 200 quilômetros de Prado. São mais de 2 horas de estrada. Mas, aos poucos, o destino fica mais próximo e acessível. Desde 2014, o aeroporto de Teixeira de Freitas, a cerca de 70 quilômetros, recebe voos exclusivamente vindos de Belo Horizonte, operados pela Azul. A estrutura ainda é simples, mas é possível alugar um carro nas agências instaladas no aeroporto, Localiza e Unidas (diárias a partir de R$ 78 e R$ 82). Outra boa notícia para quem quer visitar a cidade é que o aeroporto de Caravelas, a 49 quilômetros de Prado, foi recentemente entregue pela Força Aérea Brasileira ao governo do Estado, que deve licitar em breve sua administração.

De Teixeira de Freitas a Alcobaça a estrada está em ótimas condições. A partir dali, torna-se uma espécie de queijo suíço. São 110 buracos, cuidadosamente contados por Almir, motorista que foi nos buscar no aeroporto. Na pitoresca entrada da cidade, um sinal de que a superturística Porto Seguro ficou para trás: na ponte de madeira sobre o Rio Jucuruçu e seu mangue passa só um carro por vez.

Um pé de caju. Faixas de areia branca e dourada pintam a costa de Prado. No centro da cidade, casinhas do início da colonização portuguesa se enfileiram e também colorem o cenário de azul, cor-de-rosa, amarelo… A praça principal abriga a pequena igreja matriz de Nossa Senhora da Purificação, construída em 1876, que dá um quê caipira e, claro, aconchegante à cidade. Esqueça a agitação da axé music tão característica da Bahia. Prado é sossego, meu rei.

Igreja matria de Nossa Senhora da Purificação, no centro de Prado Foto: Fabio VIcentini

Foi atrás desse sossego que o capixaba Nilson Azevedo e a mulher chegaram ali, nos anos 80. Em Vitória, eles mal tinham tempo para ver os filhos crescerem. Decidiram que ela prestaria concurso para uma agência bancária em Caravelas e ele pediria transferência, mas problemas no caminho fizeram com que ela perdesse a prova. “Paramos num posto em Teixeira de Freitas e perguntamos de alguma cidade que tivesse agência e praia. Nos falaram de Prado e viemos”, diz Nilson.

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Desde então, o casal criou a pousada Guaratiba (pousadaguaratiba.com.br), no bairro do Novo Prado, e tomou a frente para desenvolver o potencial turístico da cidade, ajudando a fundar a Associação Pradense de Restaurantes, Hotéis, Operadoras, Pousadas e Estabelecimentos Comerciais (Aphrope). Hoje, o município é o quarto maior em número de leitos do Estado. Diárias variam de R$ 170 a R$ 300 para casal, com café.

O artista plástico piauiense Agadman Benvindo, que fez carreira no Rio e em Brasília, diz que Prado é o paraíso. “Sempre quis um lugar com areia branquinha e um pé de caju.” O ateliê-casa é também sua obra. Para chegar ao resultado perfeito, no qual de cada cômodo é possível ver o mar por meio dos reflexos dos vidros, Agadman construiu e reconstruiu o imóvel três vezes.

Centro colonial de Prado Foto: Fabio Vicentini

Desfile de falésias à beira-mar

Costões coloridos emolduram os 84 quilômetros de praias de Prado. As falésias são quase uma unanimidade na paisagem, bem como os braços de água doce que se esticam até o mar. 

Por isso não faltam opções. As praias do Centro e do Novo Prado são ideais para quem busca infraestrutura com bares e quiosques. Se a ideia é relaxar, pegue o carro ou feche um pacote com as agências que oferecem passeios até Corumbau, chamada de Caribe brasileiro, e Guaratiba, já na divisa de Prado e Alcobaça. 

A primeira parada é no mirante da Praia da Paixão. Na sequência está a Praia do Tororão, que significa olho d’água e tem um bar onde, na alta temporada, uma mesa custa R$ 300, com consumação. 

Falésias e coqueiros em Japara Grande Foto: Fabio Vicentini

Nas praias Japara Grande e Japara Mirim, que estão entre as mais famosas de Prado, são vendidos grelhados e frutos do mar por R$ 70 a R$ 120 para dois. Mas a menina dos olhos de Prado é mesmo Cumuruxatiba. 

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Cumuru, como é apelidada, é um distrito cujo nome tem origem na língua dos índios pataxós e significa grande distância entre duas marés. As estradas até lá são de terra e a vila mantém o clima hippie que a consagrou. Fica ali a Praia da Areia Preta, onde se encontra urânio na areia e árvores que crescem no meio do mar. O que só é possível porque a água doce do rio cria uma corrente em meio à água salgada.

Faça um pitstop na famosa Dona Lucinha. A produção de cocadas começa cedo, por volta das 5 horas da manhã. São cerca de 15 sabores que derretem na boca, como os inusitados cacau e gengibre. “Até pro Japão eu já mandei cocada, sabia? O moço colocou umas trinta numa caixa de camisa”, conta a doceira. 

Maternidade de jubartes e lar de corais singulares

No extremo sul da Bahia, a Costa das Baleias compreende um trecho de cerca de 180 quilômetros entre Mucuri, na divisa com o Espírito Santo, e Prado, ao norte. Abrolhos está a cerca de 70 quilômetros da costa da cidade de Caravelas

Para quem viaja à costa sul da Bahia para ver as baleias jubartes, Abrolhos é uma parada certa. Porém, abra os olhos, como já sugere o nome do arquipélago, pois as visitantes são pesadas, mas rápidas. 

Baleia jubarte em Abrolhos Foto: Fabio Vicentini

De julho a novembro (a temporada está no fim, portanto), machos e fêmeas da espécie chegam ao litoral baiano para encontrar seus parceiros e se reproduzirem. Especialmente em outubro e novembro, quando há menos vento, é comum vê-las saltar exibindo os enormes peitorais, que podem chegar a 15 metros de extensão, ou suas nadadeiras, que trazem em si a impressão caudal e única de cada baleia, como nossa impressão digital. Segundo os biólogos, por ela é possível estimar sua idade e história. Com um microfone especial também dá para ouvir o canto típico das jubartes na busca por um parceiro. 

A Costa das Baleias, como a região é chamada, também serve de maternidade e berçário para os filhotes de jubarte, que nascem após longas gestações de 11 a 12 meses. Mas não só de baleias vive o arquipélago. Abrolhos é formado por cinco ilhas e abriga grande quantidade de aves, além de ser o local com a maior diversidade de espécies marítimas do Atlântico Sul. 

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Farol de Abrolhos Foto: Fabio Vicentini

O catamarã para Abrolhos sai de Caravelas, cidade vizinha. O passeio leva o dia inteiro, com café e almoço preparados no barco, além dos equipamentos para mergulho (com a Agência Horizonte Aberto, o passeio sai a R$ 310 por pessoa). No mergulho em águas bem azuis, vale admirar a riqueza dos corais, especialmente dos chapeirões, recifes que só existem nessa região e se abrem fazendo lembrar um cogumelo.

Uma opção mais barata para ver a vida subaquática é ir até o Recife das Guaratibas e os Corais de Timbebas. O passeio sai do centro de Prado e dura cerca de seis horas, mas só é feito em períodos de luas nova e cheia, quando a maré permite mergulhar (R$ 60 por pessoa, com água, frutas e snorkel, pelas agências Prado Tour, Prado Ecotour, Escuna Sereia de Guaratiba e Mestre Carlinhos). 

À mesa, um toque internacional

Se é mesmo verdade que o peixe morre pela boca e os amantes são conquistados pelo estômago, flertar com Prado é irresistível. A gastronomia é o grande destaque da cidade – mas, por ali, a comida tem outro sotaque. Não nega as raízes baianas, mas troca o dendê e o leite de coco por temperos de diferentes cantos do mundo e técnicas de cozinhas internacionais aplicadas aos ingredientes nordestinos. 

Falar da comida dali é falar de garrafas, ou melhor, do Beco das Garrafas. O boca a boca diz que o local recebeu esse nome por Lourival Mascarenhas, que era dono do consagrado – e já inexistente – restaurante Tarrafa. O Beco abriga, lado a lado, os restaurantes da cidade, que em sua grande maioria estão instalados em casas do começo da colonização, quando muitas dessas construções eram erguidas com uma mistura de areia, pedrinhas e óleo de baleia.

Ao famoso Mascarenhas também é creditada a mudança da gastronomia local. Ele teria sido o primeiro a servir o budião, um peixe de azul intenso que colore o mar da Bahia, especialmente a região de Abrolhos. “Eu e mais um grupo mergulhávamos e trazíamos o peixe para ele fazer”, conta Victor Sponfeldner Arnal, capixaba que há mais de 20 anos fez em Prado sua segunda casa.

Panelas em alta. O Festival Gastronômico de Prado chegou neste 2015 ao seu décimo ano. Idealizado por Nilson Azevedo, o evento, com cara de competição, levou os cozinheiros locais a se reinventarem. Saiu a comida mais simples e entrou a sofisticação no preparo dos camarões VG, da suculenta carne do budião, no ardor da pimenta, na intensidade do cacau e na acidez do biri-biri, fruta típica do Nordeste brasileiro.

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Camarão com coco do restaurante Banana da Terra Foto: Fabio Vicentini

As novidades fizeram de Prado um celeiro de bons cozinheiros. Um exemplo disso é Lilian Lago, a Lili do Bistrô Donna Flor. Faz sucesso com seu filé ao molho de jabuticaba e camarões empanados com molho de mel, gengibre e biri-biri. A receita é segredo muito bem guardado e, segundo Lili, foi ensinada a ela por sua mãe em sonho, depois de a cozinheira ter passado tempos cismada com a ideia de fazer um molho de jabuticaba. No dia seguinte pela manhã foi atrás dos ingredientes. “Fui testando até dar certo. Cozinha é alquimia”, conta ela.

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