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Privilégio pelos ares

Será que ainda vamos lembrar com nostalgia dos tempos em que podíamos despachar bagagens?

Por Ricardo Freire
Atualização:
Voo da Varig para Nova York em 1955 Foto: Acervo Estadão

Pobre não andava de avião. Nós, os privilegiados que podíamos voar, acumulávamos muitos outros privilégios, que hoje seriam inimagináveis. Podíamos reservar uma passagem e enrolar até o último instante para comprar de fato (ou então desistir da viagem, sem custo nenhum). Podíamos não comparecer a um voo e ainda assim revalidar o bilhete, sem multa nem diferença tarifária. Bebíamos cerveja, vinho e uísque em todos os voos (na Ponte Aérea era scotch). 

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O preço das passagens era tabelado pelo governo, que sempre avisava dos aumentos com alguns dias de antecedência. Nós, os privilegiados que podíamos voar, comprávamos quantas passagens pudéssemos antes do aumento, com datas em aberto, para usarmos quando quiséssemos. As passagens eram nominalmente caras, mas como fazíamos carnês de 10 prestações sem juros, a inflação se encarregava de baratear nossas viagens. Das companhias aéreas daquela época, só a TAM (hoje Latam) sobreviveu.

O fim da hiperinflação e a instituição de multas e penalidades para não comparecimento, remarcação e reembolso de passagens foram roendo esses privilégios e trazendo previsibilidade à operação das aéreas. A completa liberação dos preços das passagens, em 2001, trouxe o efeito contrário imaginado pelo senso comum: o preço médio das passagens caiu à metade. E com o aquecimento da economia, aconteceu o celebrado fenômeno do pobre viajando de avião.

As companhias aéreas prometem que, com o início da cobrança por bagagem – aprovada pela Anac mas atualmente sustada pelo Congresso –, as passagens vão baratear mais um pouco, fazendo aparecer tarifas que animem o pobre a retornar ao aeroporto. Se o pobre precisar despachar bagagem, porém, é provável que pague mais caro do que hoje. Mesmo que a cobrança de bagagem não siga adiante, a tendência é que outros itens sejam cobrados. A Latam já anunciou que, em algum momento do ano que vem, vai informar apenas a tarifa mais básica de cada voo. Quem quiser reservar assento, embarcar primeiro, ter alguma possibilidade de alteração ou reembolso, ou mesmo acumular pontos, vai pagar taxas extras, por item. Mais ou menos como antecipou a hilária coluna do Mr. Miles da semana passada.

 Quando era possível comprar passagens com datas em aberto para usar quando bem se quisesse, eu não imaginava que isso fosse um privilégio. Será que, daqui a 20 anos, vamos achar que viajar no corredor sem pagar extra era uma mordomia que não tinha mesmo como perdurar?

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