Roteiro clássico

Compositores sem igual. E as marcas que eles deixaram em três cidades. Enquanto Bonn viu nascer Beethoven, Salzburgo deu Mozart ao mundo. Em Viena, ambos refinaram sua genialidade

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Por João Luiz Sampaio
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BONN, ALEMANHA Uma noite particularmente escura e chuvosa de outubro recebe o viajante. Na Marktplatz, no centro de Bonn, o vento frio balança a luminária, que revela de relance as fachadas medievais. Ao fundo, o barulho de carruagens buscando refúgio é interrompido pela figura de casaco preto, caminhando com o corpo levemente curvado para frente, as mãos cruzadas atrás do corpo, num passo frenético pela praça vazia, a chuva inundando os cabelos revoltos e a face sóbria.

 

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Tudo bem, não existia luz elétrica nos primeiros anos do século 19 e muito menos as lojas de sapato (são tantas!) exibindo a coleção de inverno. Tampouco a paisagem atual comporta tantas carruagens - hoje, quando aparecem, é levando algum turista munido de máquinas fotográficas de última geração. Mas nada que um pouquinho de imaginação não resolva ao caminhar pelas ruas da cidade em que nasceu Ludvig von Beethoven.

 

Se em Salzburgo a face de Mozart está em todos os lugares, Bonn mantém certa discrição quanto a seu filho mais célebre. Anualmente, a cidade promove entre setembro e outubro um festival dedicado ao compositor, o Beethovenfest, que atrai alguns dos principais artistas do cenário erudito internacional. Mas está longe de viver exclusivamente em função de sua história.

 

Bonn foi a capital da República Federal Alemã entre 1949 e 1989 e está situada a pouco mais de vinte minutos de trem de Colônia. Sua universidade, com cerca de 30 mil alunos, é a terceira mais importante da Alemanha. Em outras palavras, com pouco mais de 300 mil habitantes, é uma cidade pequena, mas que respira certo ar cosmopolita.

 

 

Quando Beethoven (1770- 1827) ali nasceu, no número 18 da Bonngasse, Bonn era capital de província. Na casa, o quarto está intocado - ainda que sem mobília, é o único a manter o piso original, o que impede a entrada de visitantes, relegados à oportunidade de apenas espiar pela porta.

 

Tirando de lado a sensação de estar no lugar onde cresceu o menino que escreveria obras como a Quinta ou a Nona Sinfonia, o que impressiona mesmo são os objetos pessoais e as partituras (para saciar a curiosidade imediata, a maior parte está no site beethoven-haus-bonn.de).

 

Tempo. Beethoven escrevia freneticamente, corrigia, fazia rabiscos. Com o tempo, porém, à medida em que sentia olhos atentos à sua mente, que começava a se deteriorar, passou a tomar cuidado. Em vez de rabiscos, adquiriu o hábito de usar uma lâmina para danificar o traçado das notas erradas, tentando disfarçar os equívocos. De repente, na sua frente, está a prova real e concreta daquilo que livros e programas de concerto nos contavam.

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Na exposição, é possível ver também os apetrechos auditivos, similares a cornetas, que ele precisou utilizar quando a surdez deixou de ser um medo e virou uma realidade com a qual precisava lidar diariamente. Da mesma forma, estão ali instrumentos musicais usados por ele e retratos que revelam como a imagem do compositor foi se transformando - não apenas com o passar do tempo, mas, principalmente, pela maneira como era visto pela sociedade.

 

O Münster, uma das mais antigas igrejas da Alemanha, construída no século 11; o prédio da universidade; o passeio às margens do Rio Reno; as casas em que o adolescente entrava em contato com a sociedade em bailes que desafiavam sua timidez: mesmo para quem não curte música, qualquer biografia do compositor pode ser guia para passeios pelo centro de Bonn. E, claro, um pouco de imaginação também ajuda.

 

 

 

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