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Um angustiante dia de guerra

Por Texto: Bruna Toni e Fotos: Daniel Teixeira
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Havia um soldado norte-americano atingido no piso do helicóptero USMC H-34. Ajoelhado, um companheiro deixava escapar um grito, sem tirar as mãos da metralhadora; outro segurava os braços do ferido. O colete à prova de balas não suportou os tiros disparados pelos vietcongues. Era março de 1965 e a cena de horror estava congelada em branco e preto pelas lentes do fotógrafo britânico Larry Burrows. A foto estamparia a capa da revista Life no mês seguinte.

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É possível passar longos minutos em silêncio diante dessa imagem, ignorando o entra e sai da sala Réquiem, no terceiro piso do Museu Memórias da Guerra (warremnantsmuseum.com), no centro de Ho Chi Minh, onde estão reunidos, desde 1975, fotos, distintivos, armas, tanques, helicópteros, mapas, roupas de combate, bombas e tantos outros objetos que traduzem a brutalidade dos 20 anos da Guerra do Vietnã (1955 a 1975).

As imagens de Larry Burrows dividem espaço com as de nomes como Robert Capa, Pierre Jahan, Jean Paraud, Dana Stone e Dickey Chapelle, entre outros fotojornalistas e correspondentes do mundo todo, numa homenagem ao trabalho de homens e mulheres que dedicaram suas vidas – e as perderam – cobrindo o conflito que deixou mais de 1 milhão de mortos.

Não espere, por isso, uma visita reconfortante. A guia Lam avisa, ainda no caminho, que raro é não chorar lá dentro. As quatro salas de exposição e o salão no primeiro andar, onde estão agrupadas as principais propagandas contra a guerra, causam angústia. Cada fotografia, história de tortura ou fragmento de avião vai gritar dentro de você.

Do lado de fora, oito tanques de guerra, seis aviões e um barco se espalham pelo jardim para mostrar a dimensão do poderio militar norte-americano. É possível caminhar num espaço que reproduz as prisões da época, com suas salas de tortura e solidão. Em uma hora você vê tudo. A entrada custa 15.000 dongs (R$ 3) e o museu abre das 7h30 às 12 horas e das 13 às 17 horas.

Na floresta. Apesar de nunca ter sido um desejo do povo vietnamita, a guerra marcou profundamente a história e os rumos do país. Tanto que o turismo por lá está inevitavelmente ligado a ela – o número de visitantes estrangeiros chegou a 6 milhões no último ano. Saindo do centro de Ho Chi Minh em direção ao distrito suburbano de Cu Chi, é possível viver uma experiência ainda mais concreta do conflito. Táxis cobram cerca de R$ 1,40 por quilômetro rodado, hotéis e agências locais indicam passeios (o jeito mais fácil). Há ainda a opção de ir pelo Rio Saigon, em tour guiado de cinco horas que custa a partir de R$ 230 por pessoa (oesta.do/cuchivisit).

Por terra ou água, o cenário caótico de Ho Chi Minh vai se transformando em um ambiente tipicamente rural, parado no tempo. É essa a intenção do parque onde ficam os túneis de Cu Chi, construídos em 1940, durante as lutas pela independência, e usados como base militar pelos soldados vietcongues durante a Guerra do Vietnã. Visitá-los é uma das principais atrações do país, por 90.000 dongs (R$ 14).

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O som incessante de tiros acompanha a visita. Em grupos de até 20 pessoas, os visitantes seguem guias que abrem caminho em trilhas. São eles que narram as histórias da época – muitos incluem relatos pessoais dos duros anos de guerra. A cada passo na folhagem seca, uma nova descoberta sobre as táticas que levaram o desacreditado Vietnã a vencer a potência norte-americana. É surpreendente ver como o conhecimento e a simplicidade foram determinantes: dos chinelos feitos com borracha de pneu, cujas pegadas marcavam no chão o caminho inverso ao dos passos, até as mortais armadilhas com bombas e pregos.

A tentadora experiência de entrar nos túneis que se estendem por 121 quilômetros em Cu Chi – a rede tinha ao todo 250 quilômetros e passava por vários distritos, ligando Saigon ao Camboja – não é recomendada a claustrofóbicos. Corpos avantajados, seja pelo peso ou pela altura, terão dificuldade para se movimentar nos minúsculos buracos retangulares, onde só se entra com os braços para cima. Fechados com tampas camufladas pelas folhas, ficam praticamente invisíveis.

É difícil não rir ao ver como somos aprendizes desajeitados de soldados. Mas a experiência é angustiante. Entre 1960 e 1975, esses apertados buracos foram a porta de entrada para os vietcongues alcançarem os três andares subterrâneos que serviam de abrigo contra os intensos bombardeios dos Estados Unidos na região. Ali, homens e mulheres passavam a maior parte do tempo clandestinos, entre salas, cozinhas, quartos, espaço hospitalar, fábricas de munição, tudo arquitetado em túneis com camadas de três, seis e de oito a dez metros de profundidade.

Aos turistas, a tarefa de caminhar dentro deles foi facilitada, mas não se tornou menos tensa. No buraco estreito só conseguimos ficar em pé para uma foto rápida. Um arco permite a passagem para um pedaço de túnel.

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O guia dispara na frente – e entendemos, então, o porquê de os pequenos e magros vietnamitas levarem a melhor sobre os norte-americanos. O andar curvado e o clima úmido e quente chegam a acelerar o coração, apressado pela saída. A aventura dura menos de cinco minutos, o suficiente para constatar o tamanho da resistência humana quando o que está em jogo é a sobrevivência.

Fora dos túneis, descobrimos que o som de tiros que nos acompanhou durante todo o passeio não é efeito sonoro. Há uma área onde os turistas podem atirar com variados modelos de armas. Cada tiro custa de 20 a 40 mil dongs (R$ 3 a R$ 6). 

A tarde emocionante termina com um lanche simples de chá quente e mandioca cozida com açúcar – cortesia do parque, a refeição ajudava a sustentar os soldados na guerra.

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