Uma noite na Praia do Leão, berçário das tartarugas

Realizada duas vezes por semana, Tartarugada do Projeto Tamar permite ver de perto a desova dos animais na Praia do Leão. As vagas são poucas, mas há emoção de sobra

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Por Felipe Mortara
Atualização:
Assim que saem dos ovos, filhores rumam ao mar Foto: Felipe Mortara|Estadão

 VILA DOS REMÉDIOS - Era pouco mais de 20 horas quando paramos o buggy e descemos pela curta trilha que leva à Praia do Leão. Seis humanos entravam em território proibido. Sim, depois das 18h30 não é permitida a visita às praias do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha. Calma, não apenas estávamos autorizados a estar ali como muito bem acompanhados por um biólogo do Projeto Tamar. Quando chegamos na areia, apenas sob a luz da lua minguante, pudemos ver um enorme e lento vulto saindo do mar. Havia começado a Tartarugada.

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Gratuita, a atividade de educação ambiental promovida pelo Projeto Tamar ocorre de uma a duas vezes por semana entre fevereiro e maio e dá a chance de ver de pertinho a desova das gigantes. Talvez seja a experiência, digamos, mais íntima que se pode ter com as tartarugas-verdes. Para me inscrever, bastou ir até o posto da ONG na Praia do Boldró – quanto mais cedo for, maiores as chances de reservar, pois são apenas quatro vagas por noite.LEIA MAIS: Fernando de Noronha volta a ter cruzeiros em 2016

Não se trata de um programa turístico, como fez questão de frisar João Victor Teixeira, biólogo do Tamar. “É uma atividade de sensibilização ambiental. As pessoas não protegem o que não conhecem”, explicou, diante da enorme fêmea plantada na areia.

Os visitantes têm o privilégio não só de pernoitar na praia, como ajudar na contagem de ovos, medições e até marcação de indivíduos. Nossa missão era acompanhar todo o processo da fêmea: saída do mar, busca pelo canto ideal para depositar os ovos, cavação de buraco, desova, cobertura do ninho e retorno ao mar. Honrando a fama de lentos, os animais levam cerca de 3 horas para completar todo esse ritual. Se tivéssemos sorte, ainda veríamos filhotes de desovas anteriores nascendo na manhã seguinte. Cruzamos os dedos.LEIA MAIS: SeaWorld anuncia fim dos espetáculos com orcas

Sem luxos. Considerada uma das mais bonitas da ilha (em uma disputa ferrenha com a do Sancho), a Praia do Leão seria só nossa – e das tartarugas – até o sol raiar. Como teto, apenas a base de apoio do Projeto Tamar, uma casinha de madeira escondida na vegetação no canto direito da praia. Lá dentro, nenhum conforto: dorme-se em colchonetes e sacos de dormir. É possível que alguém escolha a rede, mas pode ter de negociar o sono com alguns mosquitos. Banheiro? Bem, há bastante mato ao redor.

Há mais de 30 anos, quando se instalou na ilha, o Tamar monitora a Praia do Leão, considerada a favorita das tartarugas “gestantes”. Ao fim da temporada de desova, contabiliza-se mais de 100 ninhos ao longo do 1 quilômetro de faixa de areia.

Nas quase 12 horas que ficamos ali, vimos duas grandes tartarugas-verdes desovando. Por “grande” entenda-se casco com até 1,40 metro de envergadura – as que medimos tinham cerca de 1,20 metro – e 400 quilos. Pura sorte: há dias em que não se avista nenhuma. O rastro que formam na areia lembra muito os das rodas de um trator – mesmo indo só pela manhã é fácil perceber onde os ovos foram depositados.LEIA MAIS: 10 aplicativos para turistar com o pet

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Vida que segue. Com o dia já claro, saímos da casa de apoio e nos dirigimos aos ninhos, marcados por estacas. Entre a tartaruga desovar e os filhotes nascerem, conta-se um período que varia de 45 a 60 dias. Abrimos o ninho de número 31. Nesse momento, todos ajudamos o biólogo João Victor Teixeira na contabilidade: ovos que eclodiram, número de filhotes nascidos, ovos não eclodidos e natimortos – números que irão para a base de dados do Tamar.

Das 96 tartaruguinhas nascidas vivas, 79 haviam rumado ao mar durante a madrugada. Os outros 17 filhotes levamos manualmente até a beira d’água – não podemos colocá-los no mar, é preciso deixar que lutem pela sobrevivência.

“Conhecer os bastidores do trabalho diário do Tamar para a proteção dos animais é o mais sensacional. Isso compensa os contratempos que tivemos”, avalia o psicólogo carioca Igor Hofacker, de 30 anos. Para sua namorada, a também psicóloga Mariana Ferreira, de 26, a experiência é um privilégio. “Pouca gente poderia estar no nosso lugar vivenciando esse momento. Conviver com a natureza de perto é diferente do que a gente imagina.”

Enquanto conversávamos, fragatas davam rasantes sobre nossas cabeças – para as aves, as tartarugas recém-nascidas são sinônimo de alimento. Nada de interferência humana. A natureza precisa seguir seu rumo.LEIA MAIS: Confira três roteiros pelo serão nordestino

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