Vida que flutua sobre o Titicaca

Vegetação do lago serve de matéria-prima para as Uros, ilhotas artificiais onde vivem diversas famílias. Com espírito aventureiro, vale até pernoitar em uma delas

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Por Kivia Costa e PUNO
Atualização:

Longe das vistas, onde o azul cansado do céu encontra o profundo do Lago Titicaca, o visitante tem o primeiro sinal de que as ilhas flutuantes estão próximas. Um ponto vermelho intenso se impõe na paisagem e concentra a atenção das câmeras. No silêncio da curiosidade dos turistas, ouve-se o primeiro kamisaraki, o bem-vindo do povo uros. O barco avança e os olhos recortam do horizonte o incansável aceno de boas-vindas de uma moradora sorridente ao lado de seu marido.

 

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Visitar as Ilhas Uros, que flutuam sobre o Titicaca, a alguns quilômetros de Puno, é uma experiência sinestésica única. Em meio à água, descobre-se uma verdadeira cidade, construída sobre totoras, espécie de junco que cresce no lago. As casas, seus tetos e paredes, tudo tem o aspecto de palha seca. Inclusive o chão, onde também se cria galinhas. Entre essas ilhotas - mais de 40 - circulam barcos curiosíssimos, alguns de dois andares, outros com a escultura de um puma (animal sagrado para os povos andinos) na ponta, feitos do mesmo material das casas.

 

As mulheres usam roupas coloridas e longas tranças negras, que escorrem pelas costas em pares e terminam em enormes pompons de lã. As ilhas artificiais estão ali há tanto tempo que sua história se confunde com a da colonização peruana. Contam os mais velhos que, para escapar do trabalho compulsório em minas da região, os uros fugiram para o meio do lago em seus grandes barcos de totora.

 

As embarcações, contudo, acabavam se desintegrando em oito meses, obrigando cada família a construir outro. Com o tempo, as carcaças se juntaram e formaram pequenas ilhas, que hoje passam por constante manutenção - a cada quinze dias, é preciso cobrir toda a extensão com novas totoras.

 

Mas isso o turista só entende graças à tradução dos guias ou das crianças. Em muitos lugares, eles são os únicos que falam espanhol - o quíchua, herdado dos incas, e o aimara são os idiomas dominantes. Aliás, antes de dar o primeiro passo na ilha uma das crianças já terá levado você pela mão para conhecer a casa, a cama e as roupas dela. Tudo a troco de algumas moedinhas, claro.

Noite no lago. Apesar do frio intenso, vale chegar às ilhas no fim da tarde e dormir na casa de um dos moradores. A noite nas Uros convence facilmente de que se está no céu - ou quase lá. O sol se espalha em uma planície sem barreiras, para se pôr atrás dos Andes. Para ver a lua, não se olha para cima, mas para frente. Sob os pés, apenas um emaranhado de totoras que balançam em ondas sutis quando algum barco passa perto. Se contemplar uma paisagem assim é inspirador, fazer isso a quase 4 mil metros de altitude é uma poesia.

 

Em ilhas com mais infraestrutura é possível se hospedar em um quarto individual por módicos 40 novos sóis (R$ 20) - e com jantar e café da manhã incluídos. As camas, também de totora, são de casal, extremamente confortáveis. E os cobertores de lã de lhama ajudam a atenuar o frio abaixo de zero.

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Uma dica: apesar da mesa farta e saborosa do jantar, vá devagar. Na altitude, a digestão costuma ser muito mais lenta. Tendo isso em mente, aproveite para provar uma das muitas variações da truta, o peixe por excelência do lago. Acompanha arroz, feijão, batata frita e a tradicional salsa verde, molho para lá de picante.

 

Assim que amanhece o dia, as mulheres correm para limpar as mesas, vestir seu melhor traje colorido e abrir a tenda de artesanato. As crianças, quando não têm aula, ensaiam canções em quíchua, espanhol, inglês, coreano e outras línguas. Tudo tem de estar pronto para quando o primeiro barco de turistas chegar.

 

Os passeios pelas Uros são operados por diversas agências locais e vendidos no porto e na rodoviária de Puno. Os preços dependem do programa: uma hora de tour com visita a duas ilhas e guia sai por 20 novos sóis (R$ 10). Os barcos partem ao longo de todo o dia, até o fim da tarde.

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