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Vulcões no horizonte de uma charmosa capital

Por QUITO
Atualização:

O esmero com que o centro da capital foi construído talvez reflita um pouco do que é o Equador. A arquitetura colonial caprichada soma-se ao povo acolhedor, que tem em sua essência a invariável doçura andina e cativante simplicidade. Por outro lado, Quito está cravada num complexo vale de vulcões - grande parte ativos - que a torna perigosamente atraente. Única.Tombado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade desde 1978, o delicado conjunto arquitetônico, que mescla ares andaluzes com as linhas barrocas dos jesuítas, chama a atenção. Ainda mais depois da minuciosa restauração feita pelo governo em parceria com comerciantes locais (concluída em 2010, ao custo de US$ 600 milhões). É fato: o centro de Quito está tinindo.Ousada, a sugestão do recepcionista do hotel valeu cada bocejo. Cheguei às 6h15 na Plaza Grande, onde ficam o Palácio do Governo, a catedral e o elegantíssimo Hotel Plaza Grande. A luz preguiçosa do amanhecer tingia de amarelo as colunas do edifício colonial onde o presidente Rafael Correa trabalha. Um friozinho matinal (mesmo no verão)relembrava que estávamos a 2.850 metros de altitude. A praça - uma das 10 do centro antigo - estava deserta e não parecia ser a principal de uma cidade de mais de 2 milhões de habitantes, à exceção de uma senhora que alimentava os pombos. Resolvi me aproximar. Meu portunhol foi o suficiente para descobrir que se chama Fany Peña, tem 67 anos, é costureira e levanta diariamente às 5h30 para caminhar e dar milho para as aves. Guardou um pouco dos grãos e continuou andando. Perguntei se poderia acompanhá-la.Um tentador aroma de café saía da rua lateral ao palácio. "Provavelmente vem da copa do vice-presidente", disse. Comentei o quanto era bonita a cidade com aquela luz atravessando as estreitas ruas. Ela respondeu que eu ainda não tinha visto nada. E tinha toda razão. Duas quadras depois, viramos à direita e me deparei com a Plaza San Francisco, ampla, onde uma revoada de pombos deixava ainda mais fotogênico o monastério homônimo, com o vulcão Pichincha ao fundo. O tempo que demorei procurando o melhor ângulo e ajuste de câmera fez com que Fany se apressasse para alimentar seus amigos voadores e deixasse o visitante para trás. Eu só tinha a agradecer.Mar de templos. Ainda era cedo e a mais antiga das 40 igrejas de Quito - que começou a ser construída apenas algumas semanas após a fundação da cidade, em 1534 - já recebia fiéis. Quando o sino badalou, às 7 horas, os pombos voaram, fiz a foto que ilustra esta página e a missa começou. Entrei.Mesmo com a igreja cheia - era dia de São Bartolomeu -, vale um tour por entre as obras e altares. Para completar a cota de arte sacra do dia, saia e vire à esquerda, pois no mesmo prédio funciona o Museu Franciscano, com relíquias religiosas do século 16, boa parte em molduras de madrepérola. O ingresso custa US$ 2. A fé dos moradores de Quito está simbolizada também em outros importantes monumentos. O mais visível deles é a Virgem del Panecillo, estátua de bronze de 42 metros, que do alto de um morro abençoa a cidade. A vista é magnífica e um táxi desde o centro custa cerca de US$ 5. A imponente Basílica del Voto Nacional, de 1874, teve seu desenho inspirado na Notre Dame de Paris - inclusive as gárgulas, que na versão equatoriana viraram iguanas e tartarugas. O acesso é livre, mas paga-se US$ 3 para subir às torres. No quarto andar, há um agradável café par a uma pausa providencial. Mas, em matéria de igreja, não deixe de visitar a extravagante Compañia de Jesús, a mais ornamentada de todo o Equador - quiçá das Américas. Os jesuítas não economizaram no ouro durante os 160 anos em que a obra demorou para ser concluída. A entrada custa US$ 3, porém, se chegar em horário de missa, capriche na cara de sério e no portunhol e diga ao vigia que é católico e só veio orar. Comigo funcionou. Caminhe pela Calle García Moreno para descobrir um segredo muito bem guardado. O Monastério de Carmen Alto está em plena atividade e a maior prova disso é a qualidade dos doces, mel e bebidas produzidos pelas freiras enclausuradas. Os deliciosos limones desamargados (cascas de limão em conserva recheadas com doce de leite) custam US$ 2 e a garrafa do promissor vinho revigorante, US$ 5, mas só há um jeito de conseguir: batendo numa portinhola e esperando ser atendido. Ao fim do passeio, tinha motivos de sobra para concordar com o que Simón Bolívar teria dito, em 1822, ao visitar a cidade pela primeira vez: "Quito é o convento da América". /FELIPE MORTARA

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