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Das sete colinas lisboetas direto para São Paulo

Opinião|O drama da escola pública

Muito se tem falado em Portugal dos problemas de natalidade do país, que tem vindo a cair consecutivamente nos últimos anos - a título de exemplo, a taxa bruta de natalidade (bebés nascidos por mil habitantes) era 24,1% em 1960 e em 2014 fixava-se nos 7,9%.

Atualização:

A gente poderia dizer que esse era um problema da crise, das más condições financeiras, enfim. E não é que não seja. Atualmente, com as mulheres trabalhando também, ao contrário do que acontecia antigamente, e sem querer ou poder deixar as crianças com os avós (que não tem qualquer obrigação!) as condições para ter um filho têm que ser diferentes. Começando pelas escolas.

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Já me tinha apercebido da situação mas agora que estou esperando um bebe consegui entender melhor o drama das vagas e das despesas. Ora então:

Em Portugal, nenhum infantário é totalmente público, ou seja, totalmente gratuito. O mais próximo que a gente tem disso são as chamadas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), que recebem um subsídio do Estado, e que cobram aos pais uma mensalidade que está indexada ao nível de rendimentos de cada família. Isso permite que haja quem pague menos de 50 euros por mês, sendo que quem ganha mais pagará até uns 300. Parece legal, até, né? É.

O problema é que as IPSS não têm vagas suficientes para a quantidade de crianças que delas necessitam. Em Lisboa o problema se agrava devido à densidade populacional, e muitas vezes os pais se vêm sem alternativas - a menos que queiram procurar escolas a 10 ou 20 quilômetros de casa, o que, em Portugal, é muito longe: têm que inscrever a criança num infantário particular. Isso significa que vão pagar, por mês, cerca de 500 euros. Ponto. Sem ter em conta rendimentos ou o que seja. É quase o mesmo que o aluguel de uma casa...E é praticamente o mesmo que o rendimento mínimo obrigatório!

Para agravar o problema da vaga em escola pública, muitos infantários fecham as inscrições relativamente cedo, sem que os pais de primeira viagem saibam disso. Ou então têm regras esdrúxulas, como "só receber inscrições para bebês que nasçam até dia 15 de Maio" (essa foi a última que escutei). Ou seja, minha filha, que nascerá umas três semanas depois disso, já nem poderá se inscrever para uma vaga no próximo ano letivo, que aqui começa em Setembro. Por três semanas! Como eu preciso que ela vá para o berçário, imaginemos, em Novembro, preciso que ela seja inscrita no próximo ano letivo. Sob risco de ter que esperar até...Setembro do ano seguinte. Se eu não puder pagar 500 euros - podemos relembrar que um salário médio em Portugal é de 800 euros? -, nem tivermos avós que possam ficar com a criança, o que é suposto acontecer? Deixar o emprego para ficar em casa?

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Já tive essa conversa com muitos amigos, recentemente, e a solução nos parece tão óbvia que não conseguimos entender como o Estado não a toma: em vez de inventarem subsídios de natalidade que são aí de 15 ou 20 euros por mês (really? Isso nem dá para pagar fraldas durante um mês), por criança, por que não agarram nessa verba - que toda junta é de muitos milhões de euros - e transformam mais instituições em IPSS?

Por que não aumentam a verba para a educação e permitem que os pais possam continuar a trabalhar, sem gastar todo o salário em infantários, e sem viverem angustiados com isso? Por que não criam um mínimo de vagas em IPSS por 'x' habitantes, permitindo que os pais não tenham que fazer 20km no tráfego intenso antes de irem trabalhar, para conseguir deixar os filhos num lugar que possam pagar - gastando umas duas horas por dia nesse trajeto e obrigando crianças a sair de casa mais cedo e os pais a ficar de mau humor pelo cansaço acumulado.

É, queridos. Portugal parece um país de primeiro mundo em muita coisa - ok, o ensino obrigatório, ou seja, dos 6 aos 18 anos é totalmente gratuito - mas não me parece que um país que não liga à sua educação possa ter esse título. Às vezes somos, efetivamente, um país de 2.º mundo com pretensões de primeiro. E isso é realmente triste para quem nele vive.

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