Houve manifestações de solidariedade, a Torre Eiffel se iluminou com as cores da bandeira francesa, primeiro, belga, essa semana. Chorámos a proximidade, nos emocionámos com os vídeos, rezámos para ver os nossos amigos jornalistas em todos os diretos, como garantia de que estavam cobrindo os assuntos mas que estavam bem. Esquecemos de todo o mundo que morre às mãos dos loucos do alegado Estado Islâmico, todos os dias, porque não estão tão perto que sirvam para nos comover.
Uns dias depois dos atentados, em que garantimos que não teremos medo - é mentira. Temos medo, mas fingimos não ter para continuar a nossa vida - esquecemos tudo e habituamo-nos a esta "nova normalidade". E tornamo-nos ainda mais intolerantes. Mais críticos. Criticamos os políticos porque não nos defendem, mas nós também não sabemos o que fazer no dia-a-dia.
Somos os primeiros a fechar portas às pessoas de quem desconfiamos; a dizer mal do vizinho do lado; a estar de mau-humor com a vida; a praticar a deslealdade; o desamor; o egoísmo, esquecendo que todos esses pequenos gestos, multiplicados por biliões de pessoas, também contribuem para o que se vive hoje no mundo: um clima de ódio, de falta de valores, de falta de perspetivas. Estamos tão focados em nós, no que podemos ter, onde podemos ir, que esquecemos o que realmente importa. E o que realmente importa poderia mudar muita coisa, mas precisa de nos mudar a nós primeiro. Porque ao contrário do às vezes queremos mostrar, o mundo é feito de gente normal. Como eu. Como vocês que me lêem desse lado. E em algum momento, pessoas como eu e vocês de repente se tornam assassinos. Alguém as transforma em assassinos porque há nelas terreno fértil para crescer.
Esse terreno é responsabilidade de todos nós, no nosso dia-a-dia, na nossa relação com o mundo - e sim, eu acredito realmente que se nós mudarmos o que está perto, e que se cada um de nós se aplicar nisso, podemos, a médio e longo prazos, mudar todo o mundo. O grande desafio é semear muito mais concórdia do que discórdia. É não fechar portas a refugiados, por exemplo. É não responder da mesma moeda - ainda que sim, eu defenda uma acção concertada e firme da Europa, nessa ocasião. Mas isso fica para forças militares. Para políticos. Para nós, cidadãos, o trabalho é outro, e em coisas tão simples como essa que vou contar, porque tenho me lembrado dela todos os dias, desde que essas coisas têm acontecido:
Há uns anos, minha chefe me chamou para numa reunião de equipa me repreender porque eu tinha enviado para alguém um 'smile', no final de uma mensagem de e-mail. A pessoa que recebeu o meu e-mail, ao que parece, se sentiu ofendida. Mas ao invés de mo dizer diretamente - por que alguém se ofende com um smile no século XXI, mesmo? - achou por bem falar para minha chefe. Que achou por bem falar para toda a equipa. Não consigo reproduzir aqui o sentimento daquele dia, que foi tão surreal que me fez odiar muito todo o mundo durante uns dias...
Mas esse pequeno episódio tem vindo à minha mente todos os dias por uma coisa simples: são gestos destes, pequenos e que parecem sem importância, que contribuem para que vá nascendo nos nossos corações sentimentos tão idiotas como o ódio por alguém por causa de um 'smile'. I mean: qual a necessidade? Da ofensa, do ódio, de toda a repercussão?
Dá para entender o que quero dizer com isso? Que cabe a todos nós, também, evitar que alguém possa desenvolver um sentimento potencialmente nocivo contra nós sem necessidade. Você nunca sabe quem está do lado de lá. E a sabe? A vida por vezes gosta de te devolver na mesma moeda...
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