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Das sete colinas lisboetas direto para São Paulo

Opinião|São Tomé e Príncipe: a viagem de sonho

[Atenção que esse é o maior texto de sempre no blogue! :D] 

Atualização:

A gente decidiu ir para São Tomé meio que por razões desconhecidas. Na verdade, não havia nada que dissesse que a gente ia gostar daquele arquipélago africano bem no meio do Equador, mas alguma coisa nos chamava para lá. 

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Embarcámos nuam viagem de 11 dias, mais ou menos,que foi toda planejada e marcada por nós: os preços das agências de viagem eram, ainda achamos, um escândalo, e a gente não adora ter um programa fixo. Como íamos apenas os dois, a gente queria um pouco de tempo para relaxar, passear de mãos dadas, conhecer o arquipélago, mas tudo isso sem que ninguém nos marcasse horários ou decidisse os lugares onde deveríamos dormir.

Ainda hoje achamos que fizemos a opção certa, e viemos de lá absolutamente apaixonados por tudo o que lá vimos. Vou fazer um breve resumo de cada dia para vocês, tentando aguçar o apetite para uma experiência em terras São Tomenses ;)

Dia 1 - Embarcámos em Lisboa rumo ao aeroporto de São Tomé. A viagem, se fosse direta, levava umas cinco horas. No entanto, por razões que desconfio serem econômicas, a TAP fala que tem um voo direto mas na verdade faz uma escala em Accra, no Gana, onde saem passageiros que fiquem naquele país. É como se fosse um ônibus, mesmo. Nós ficamos dentro do avião, esperando, e é claro que a escala de 45 minutos se transformou numa paragem de quase 2 horas. Lei de Murphy... Chegamos em São Tomé já de noite, com uma temperatura de cerca de 28 graus e a humidade em níveis elevados. Aliás, foi assim durante toda a viagem. Afinal, estamos no Equador. O controlo de passageiros é um pouco demorado, porque tudo é feito manualmente, mas os são tomenses adoram receber. Tirando termos sido diretamente apresentados aos mosquitos, não houve qualquer problema. Quando saímos do aeroporto, a van que nos levaria ao Hotel Pestana São Tomé já nos aguardava. Tal como já nos tinha acontecido em Moçambique, fomos abordados por dezenas de menininhos tentando ganhar algumas dobras (a moeda oficial do país) por carregar as nossas bagagens ou simplesmente porque sim.

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Cidade de São Tomé Foto: Estadão

A viagem até à cidade demora algo como 20 minutos, mas foi feita num ambiente bem bizarro de escuridão. A ilha tem vários problemas de energia, o que faz com que a cidade esteja praticamente às escuras. Víamos apenas os faróis dos carros e os reflexos da lua no mar, bem do nosso lado. Nesse dia, porque estávamos bem cansados, também, e porque não nos pareceu boa ideia explorar a cidade às escuras, jantamos no hotel um dos sanduíches mais caros da vida e adormecemos com o barulhinho das ondas bem na nossa janela e um calorzinho bem legal. Foi mágico, sobretudo porque quando saímos de Lisboa as temperaturas rondavam os 7 ou 8 graus Celsius.

Forte na cidade de São Tomé Foto: Estadão

Dia 2 - Tomamos um café da manhã bem europeu - tirando os frutos tropicais que nascem ali na ilha - e fomos descobrir a capital da ilha. Durante todo o dia andamos a pé, sozinhos, e foi super tranquilo. Visitamos a Sé Catedral, o edifício da Prefeitura, o Mercado da Cidade, onde se pode comprar peixe fresco, legumes, frutos, roupa, brinquedos, enfim....tudo!; vimos escolas, passámos por museus, encontrámos o XIco's (um restaurante onde comi um fruto do mar que ainda hoje não sei o que é mas que era delicioso) e dezenas de edifícios coloniais que estão ao abandono. São Tomé é um país extremamente pobre, e isso é visível em tudo. No entanto, como a fruta e o peixe são abundantes, a população  não sofre com fome, ao contrário do que acontece com outros países na África. A malária também já está praticamente erradicada e são visíveis nas ruas várias faixas de campanha a favor da vacinação das crianças contra o HPV. Apesar de não terem muitas condições, é fácil ver que fazem um esforço para que a população seja o mais saudável possível, dentro das possibilidades. Durante a nossa visita à cidade fomos a uma pequena merceria onde comprámos água fresca e uns biscoitos para termos connosco se tivessemos fome. 

O mais engraçado desse dia foi que, ao contrário do que tinha nos acontecido em Moçambique ou em Marrocos, os únicos países da África que conhecemos, ninguém nos deu atenção. Parecia que o facto de sermos turistas era absolutamente irrelevante, o que foi bastante legal, sobretudo porque eu odeio chamar a atenção sobretudo quando estou fora da minha zona de conforto. No caminho de regresso ao hotel encontrámos uma associação cultural maravilhosa (Cacau) e uma fortaleza remetendo para os tempos em que São Tomé era uma colónia portuguesa. Depois de termos caminhado uns 15km decidimos passar essa noite descansando. No dia seguinte sairíamos da cidade. E realmente, um dia é suficiente para conhecer a capital!

Pestana São Tomé Foto: Estadão

Dia 3 - Antes de sairmos de Portugal, decidimos pedir a uns amigos o contato de um guia local. Visitar São Tomé implica andar sempre de carro, e nenhum de nós queria dirigir (na verdade a gente só queria descansar) nem passar por eventuais dificuldades em caminhos que não conhecíamos, sem muita internet e rede de celular. Contratámos os serviços do Anastácio e ficámos a descobrir milhões de coisas maravilhosas sobre a ilha. Nesse dia fomos explorar o centro de São Tomé. Estava chovendo bastante apesar de a temperatura nao descer dos 26 graus. Visitamos o impressionante Parque Nacional Obô, a cascata São Nicolau - onde não mergulhámos só porque estava chovendo -, a casa onde nasceu o escritor português Almada Negreiros e onde almoçámos na companhia de galinhas e muita flora, e o meu momento favorito desse dia: a roça Monte Café. Até 2011, essa roça, construída por colonos portugueses (como todas as da ilha) e abandonada aquando da independência, foi mantida a funcionar com doações do governo líbio. A morte de Khadafi mudou tudo, e hoje a roça tem uma cooperativa de pequenos produtores e uma empresa privada que tentam assegurar o sustento das famílias que ainda lá vivem. Os edifícios, quase em ruínas, nos levam para tempos longínquos. E o museu Monte Café, algumas meninas da comunidade nos guiam por uma viagem pela época colonial- há cópias de "contratos" de escravos, máquinas de seleção, sacas de transporte de café e fotografias de época. Há também um hostel que abriu recentemente e que tem chamado a atenção dos turistas mais jovens.

Cascata de São Nicolau. Foto: Estadão

Dia 4 - Foi o melhor dia de sol de toda a viagem. A norte da ilha, passámos grande parte do dia na praia de Tamarindos, um verdeiro oásis onde chegámos depois de andar bastante por um caminho que a chuva tinha deixado intransitável para carros. A água quente e as areias brancas, numa praia quase deserta, nos fizeram esquecer a chuva do dia anterior. Nesse dia fomos conhecer o túnel de Santa Catarina, o único que existe em toda a ilha, e ainda conseguimos passar pelo lugar onde os portugueses desembarcaram quando chegaram ao arquipélago. O projeto hoteleiro Mucumbli é de cortar a respiração (fica a cerca de 30 minutos da cidade de São Tomé e vale cada centavo do preço por noite) e as mais bonitas e imponentes roças do país estão nessa zona, precisamente. A roça Agostinho Neto, uma das mais prósperas de tempos coloniais, hoje é um conjunto de edifícios quase em ruínas onde vivem cerca de 700 pessoas, que se dividem entre as antigas sanzalas, o hospital e a casa principal. Todas as famílias descendem de escravos. Também a roça Diogo Vaz é exemplo de uma época que não vai voltar, mas que deixou um legado que o país deveria aproveitar. Aqui os edifícios ganharma nova vida com o investimento de uma empresa privada, e os habitantes tentam sobreviver da agricultura. 

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Praia de Tamarindos, São Tomé Foto: Estadão

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Dias 5, 6 e 7 - Então!, esses foram os dias mais incríveis da nossa viagem. Voámos para a ilha do Príncipe numa terça-feira com algum sol e 35 minutos depois aterrámos no lugar mais bonito que algum dia visitámos. O Príncipe é uma ilhazinha com oito mil habitantes e uma natureza em estado muito muito puro. Ali também há algumas roças construídas por portugueses, onde se cultivava muito cacau, e que hoje são hotéis que recebem centenas de turistas por ano. Elas dão emprego a algumas das pessoas que ali viviam, o que é legal; por outro lado, elas também fizeram com que algumas comunidades fossem deslocadas, o que ainda está a ser digerido por algumas das pessoas.

Café da manhã, Sundy Praia, Príncipe Foto: Estadão

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O Príncipe é Reserva da Biosfera da UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura, o que tem atraído a atenção de todo o mundo para essa região. No entanto, como os preços são bem elevados devido à distância a que o Príncipe está de todo o mundo, o turismo deverá continuar a ser super residual, que é a única forma de preservar toda a natureza que aquele lugar tem. Praias magníficas, várias espécies de tartarugas, muitas plantas endêmicas e muito cuidado com a fauna e a flora fazem desse lugar um pequeno paraíso na terra. Quase todas as praias parecem desertas e têm águas quentes, as crianças querem te parar a todo o momento para conversar, pedir doces (não dêem, por favor! São Tomé enfrenta um grave problema de saúde dentária), os adultos te dizem adeus e querem te mostrar a ilha e te servir da melhor forma. 

Ficámos alojados no novíssimo e exclusivo Sundy Praia Lodge, onde magníficas tendas se enquadram absolutamente na natureza, e onde tudo foi cuidadosamente pensado para ter pouco impacto no ambiente circundante. Uma piscina bem na beira da praia; um bar com comida leve e maravilhosa e um restaurante com uma carta assinada por um chef italiano mas usando ingredientes locais é uma enorme surpresa. O café da manhã superou todas as minhas expetativas e me dá água na boca só de pensar. 

Praia Banana, Príncipe Foto: Estadão

Explorámos praias, almoçámos na cidade de Santo António, a mais pequena capital do mundo, experimentámos cacau fresco, conhecemos dezenas de pessoas e nos deliciámos com o silêncio e a escuridão com que a noite nos presenteava todos os dias. As luzes da ilha se apagam para poupar energia, e todos os nossos sentidos ficam mais alerta. Uma noite fomos ver tartarugas desovar, acompanhados por um grupo de pessoas da associação de conservação de tartarugas marinhas. Durante umas 3 horas éramos nós, a luz da lua, centenas de caranguejos e tartarugas enormes, apenas, numa comunhão perfeita entre homem e natureza, onde nenhum incomoda o outro. Foi realmente mágico. 

Dias 7, 8 e 9 - No sétimo dia da nossa viagem deveríamos estar de regresso a São Tomé logo pela manhã. No entanto, o tempo no Equador tem uma imprevisibilidade maravilhosa. O nosso avião não pode decolar porque estava muito nevoeiro e chuva e portanto a nossa viagem sofreu um atraso de três horas. Regressámos a São Tomé já depois da hora de almoço, e começámos imediatamente a descer para o sul da ilha. Conhecemos a maravilhosa roça de Água Izé, uma das maiores e mais bonitas, mas também uma das mais pobres do país. Aí, dezenas de crianças nos pediram para bater foto com elas, nos pediram colo e nos presentearam com os sorrisos mais lindos. Depois de ficarmos sem palavras com a vista maravilhosa que é possível ter do morrro, continuámos a viagem. Vimos praias lindas e cidades pequeninas espalhadas ao longo do caminho. O nosso destino era a roça de São João dos Angolares, a única do país que ainda funciona, e onde o chef são tomense João Carlos Silva tem uma pequena escola de hotelaria, um hotel e serve almoços de degustação dignos de serem provados. 

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Roça de São João dos Angolares Foto: Estadão

Convém reservar com antecedência, mas é uma oportunidade de fazer uma viagem por toda a gastronomia da ilha com um toque de modernidade e de sofisitcação. Passámos duas noites aqui, explorando as produções da roça, ouvindo as crianças que ocupam a escola, visitando as galinhas, nos encantando com a galeria de arte que foi criada num dos edifícios, e tendo a experiência de viver um pouco uma casa dos tempos coloniais. Dormimos, lemos, comemos, descansámos bastante ao som do ritmo das maravilhosas pessoas que fazem a roça funcionar. Ao almoço havia dezenas de visitantes que se juntavam a nós para provar a comida de João Carlos Silva, mas à noite voltava o silêncio e a calma dos poucos hóspedes que partilhavam connosco aquela moradia. 

Dias 9, 10 e 11 - Sul - Tínhamos três dias para ver o que nos faltava da ilha - na verdade, ficou faltando muita coisa, mas conseguimos ter uma ideia bem legal. Fomos para sul no nono dia da nossa viagem e tínhamos andado poucos quilómetros quando percebemos que aqui o país voltava a mudar: muita chuva, muita humidade, muitos mosquitos, muito calor. As comunidades são ainda mais pobres ali e nos cruzámos com muitos funcionários públicos que tinham dois ou três meses de salários em atraso, o que significava que já estavam passando realmente algumas dificuldades. No sul as pessoas tentam viver bastante do turismo: para além de praias maravilhosas onde há muitas tartarugas desovando (e onde tem muita gente trabalhando na preservação dessa espécie), há um ou dois restaurantes e há muitos pescadores que aproveitam para alugar os seus barcos e levar a galera até ao ilhéu das Rolas, onde está o famoso marco do Equador. Bem no meio da estrada é possível ver a galera com plaquinhas indicando embarcações que te levam ao ilhéu por menos de metade do preço que o único operador turístico da região - o grupo português Pestana, que tem o Pestana Equadro, único hotel do ilhéu. 

A estrada termina em Porto Alegre, e para chegar bem na ponta da ilha você tem que enfrentar uns 4 km de caminhos bizarros. Mas vale muito a pena. Ficámos alojados na Praia Inhame, bem na frente do ilhéu das Rolas. Depois, fizemos uma caminha de 1,5km até à praia do lado, a Jalé, onde se come o melhor polvo da ilha: pé na areia, uma cerveja nacional (marca Rosema) bem fresca, e muita galera legal para conhecer. Apesar de não ser uma praia boa para mergulhar, é incrível ver as tartarugas passeando e a natureza super virgem. Na praia Inhame é possível jantar e foi o que optámos por fazer nos três dias que lá passámos! em um dos dias visitámos o ilhéu das Rolas alugando um barquinho a um pescador que conhecemos no almoço. Pagámos 10 euros por pessoa para ir e voltar (a viagem leva uns 10 a 15 minutos para cada lado), e comemos peixe fresco grelhado e muuuita banana-pão bem na beira da praia (no fundo, é realmente assim que funciona. Você chega, desembarca e pede para um pescador fazer o almoço. Eles levam peixe pescado no dia e o que tiverem, as bebidas que você pedir e te entregam tudo na praia, onde você pode comer entre mergulhos). A outra única opção é comer no hotel, o que não é aconselhável porque os preços são absurdos. Para além de subir ao marco do Equador (botar um pé em cada hemisfério e bater milhões de fotos), a única coisa que há a fazer no ilhéu são alguns trilhos e compras de artesanato (vi umas 3 bancas). De resto, converse com as pessoas e mergulhe na praia café. 

Praia Inhame. Ao fundo, o Ilhéu das Rolas Foto: Estadão

No sul nunca conseguimos ver o sol totalmente descoberto. Apesar de estar bem quente, o tempo ficou sempre nublado mas deu para mergulhar, passear e ficar apenas estendido pensando na vida. Regressámos de sul diretos para o aeroporto, onde comprámos café e biscoitos originais de São Tomé para trazer um pouco daquele poco connosco na mala. Porque no coração, gente, no coração esse país ficará para sempre!!

Opinião por Margarida Vaqueiro Lopes
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