Este texto começa às 19h27 no Cebreiro, porta de entrada na Galícia, e ponto mítico do Caminho de Santiago. Mas a jornada hoje teve início às 8h42, quando parti de Villafranca, na região do Bierzo. Se hoje cruzei uma divisa, nos últimos dias foram inúmeras, ao menos no campo das ideias e das transformações. De jornalista a peregrino até sujeito feliz a caminhar e caminhar. Hoje estou isso. Daqui a uma semana, exatamente, devo chegar a Santiago e tudo entrará para o campo das memórias.
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Por sinal, meu último grande registro escrito terminou em Agés, a caminho de Burgos. E como passou chão, terra e pedra sob esses pés. Até agora, foram mais de 500 quilômetros percorridos em 22 dias de caminhada. O fotógrafo Filipe Araújo e eu andamos boa parte dos dias juntos, e quando ele precisou descansar por conta de uma cirurgia feita há menos de um ano em seu tendão de aquiles, eu segui adiante. E quando meu pé pediu arrego, ele foi no ritmo dele durante meu repouso em León.
O Caminho já ensinou muito, a começar pelo ritmo de cada um e o quanto cada pessoa consegue captar da jornada respeitando a si mesma, seus passos, suas pausas. Seu intervalo de silêncio. Tudo influi aqui, muita intensidade. É preciso pegar leve nas relações e expectativas. Despacito, como dizem os espanhóis.
Espanha visceral vimos em Burgos, majestosa em sua catedral, ruelas de pedra e um ar cosmopolita sem sê-lo. Bares de pintxos garantiram risadas, ainda mais durante o fim de semana da Festa Cideana, uma celebração ao cavaleiro medieval El Cid. Muita gente a caráter, um carnaval de época. Ah, albergues lotados, tivemos de mudar planos e pagar um hotel. Coisas do jogo.
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Assim como o vento. Das ruas e avenidas de Burgos ao mato de Hornillos del Camino e a entrada na região das mesetas. Zonas áridas. Vento, haja vento. Rajadas de quase 70 km/h logo depois de Castrojeriz. Prejudicou e muito a boa média de velocidade que se costuma adquirir na região plana, de quase 6 km/h. Alívio durante esses quatro dias de ventania e chuva foi o pernoite no Hospital de Peregrinos de San Nicolás, em Puente Fitero. Que noite fabulosa, à luz de velas, com cantoria coletiva, naquele prédio do século 13. Dormimos em colchonetes no altar em pleno 2015, ao lado da lápide de um peregrino morto no ano 2000 e enterrado ali. Energia absurda, sem contar as estrelas cadentes do lado de fora.
Confira as fotos que o Filipe tirou do Caminho até agora:
Caminho de Santiago: a jornada
1 / 35Caminho de Santiago: a jornada
Chegada
Vista da cidade de Santiago de Compostela com a Catedral ao fundo: ali estaria enterrado o apóstolo Tiago Foto: Filipe Araujo/Estadão
Catedral em obras
Vista da Catedral de Santiago de Compostela, que está sendo restaurada:ali estaria enterrado o apóstolo Tiago Foto: Filipe Araujo/Estadão
Catedral
Operário trabalha naCatedral de Santiago de Compostela, em obras: ali estaria enterrado o apóstolo Tiago Foto: Filipe Araujo/Estadão
Torre
Torre daCatedral de Santiago de Compostela, que está passando por restauração: ali estaria enterrado o apóstolo Tiago Foto: Filipe Araujo/Estadão
Peregrinos
Os Peregrinos Mark e Angela percorrem o último trecho do Caminho de Santiago, entreSantiago de Compostela eFinisterra Foto: Filipe Araujo/Estadão
Andança
Sombra de peregrino no trecho entreSantiago de Compostela e Finisterra Foto: Filipe Araujo/Estadão
Cotidiano
Vida cotidiana no trecho final do Caminho de Santiago, entre Santiago de Compostela e Finisterra Foto: Filipe Araujo/Estadão
A caminho de Finisterra
Paisagem bucólica no trecho entre Santiago de Compostela e Finisterra Foto: Filipe Araujo/Estadão
Chão de avelãs
Avelãs enfeitam o chão no trecho entre Santiago de Compostela e Finisterra Foto: Filipe Araujo/Estadão
Finisterra
Cruz de Finisterra, que marca o fim do Caminho de Santiago Foto: Filipe Araujo/Estadão
Repórteres-peregrinos
Os jornalistas Filipe Araujo (à esq.) e Felipe Mortara em Finisterra, na etapa final do Caminho de Santiago Foto: Filipe Araujo/Estadão
Nascer do sol
Peregrinos no amanhecer do dia no trajeto entre Mansilla de las Mulas e Leon Foto: Filipe Araújo/Estadão
Foco
No detalhe, a silhueta de um peregrino durante o Caminho. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Água e terra
Peregrinos na chegada a Santa Catalina de Somoza Foto: Filipe Araújo/Estadão
Templário
Um dos ultimos templários do Caminho de Santiago, Tomas Martinez de Páz. Ele é o anfitrião daOrdem del Temple em Manjarim, próximo a Cruz de Ferro Foto: Filipe Araújo
História
No Caminho, é possível topar com um monte de construções antigas. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Não pare
Ao longo do Caminho, os peregrinos recebem estímulos para que continuem a jornada. Como esta placa, que foi modificada para dizer "não pare". Foto: Filipe Araújo/Estadão
A seta mostra o Caminho
No Caminho de Santiago, as setas amarelas indicam para onde os peregrinos devem ir. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Passou da metade
Peregrinos na chegada de Rabanal del Camino Foto: Filipe Araújo/Estadão
Personagem
O peregrino Osmar, que, volta e meia, acompanha Filipe no Caminho Foto: Filipe Araújo/Estadão
Cenários
Ponte de Itero de Vega no trecho entre Castrojeriz e Fromista Foto: Filipe Araújo/Estadão
Charme
Trecho entre Hornillos del Camino e Castrojeriz Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
Parada em San Vicente de La Sonsierrapara acompanhar desde a colheitaatéo engarrafar na vinícola Contador. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
Em Puente La Reina, os repórteres passaram por lindas vinícolas. Até agora, já tiveram a oportunidade de degustar amoras, nozes, maçãs e pêssegos colh... Foto: Filipe Araújo/EstadãoMais
Caminho de Santiago
Peregrinos deixam de tudo pelos pontos de indicação. Omais curioso foi essa bota. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
No trecho entre Estella e Los Arcos, em Navarra, pausa para beber vinho direto da 'fonte'. Foto: Felipe Mortara/Estadão
Caminho de Santiago
O município de Estella, em Navarra, tem construções encantadoras. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
O lindo bosque que une Roncesvalles a Zubiri faz mal aos joelhos – abuse do cajado e dos bastões de caminhada. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
A Ponte dos Peregrinos, em Puente la Reina, rende belos cliques. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
Numa média de 22 quilômetros diários, nada foi pior do que o primeiro dia,relata Felipe Mortara. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
Na subida para Obanos, crianças trocam limonada por donativos. Praticamente todos os peregrinos param por lá. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
No trecho entre Puente La Reina e Estella, vemos o símbolo de Santiago na ponte que passa por cima do Caminho Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
Na terceira noite, ibuprofeno e pomadas já se fizeram necessários e quase anularam as dores no dia seguinte. "Mas há um cansaço acumulado", diz Mortar... Foto: Filipe Araújo/EstadãoMais
Caminho de Santiago
Mortara caminhou depressa no primeiro dia para garantir lugar no albergue público enquanto Araújo ficou para trás fazendo imagens como esta. Foto: Filipe Araújo/Estadão
Caminho de Santiago
Os repórteres Felipe Mortara e Filipe Araújo começaram o Caminho de Santiago em Saint-Jean-Pied-de-Port na segunda-feira, 21, rumo a Roncesvale. Foto: Filipe Araújo/Estadão
A média tem sido de 24 quilômetros caminhados por dia. Alguns dias de 30 ou 32, terríveis para o corpo se recuperar. Perigoso tomar remédio todo dia e mascarar a dor. As minhas variaram das bolhas no pé esquerdo a um latejamento na sola até uma dor muscular na parte da frente da canela.
Filipe tem se sentido melhor e encontrou seu ritmo. Caminhamos vários dias juntos com um grupo de oito pessoas formado por brasileiros, australianos e canadenses. Bom astral e as benesses e durezas de estar em grupo, entre ótimas risadas e alguns atrasos. Tem muita gente incrível no Caminho.
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Memória doce da Catedral de León, com alguns dos vitrais mais lindos da vida. Astorga, linda e compacta. Dali uns 20 km até Rabanal del Camino, onde as minhas pedras foram abençoadas por monges na Iglesia de lá Santa Maria , do século 12. No dia seguinte, foram deixadas com carinho aos pés da Cruz de Ferro, junto com todas, pedidos, terços, mascotes e fotos.
Conhecemos o lendário Tomás de Manjarín, em seu refúgio para peregrinos a mais de 1.400 metros de altitude e sob chuva pesada. Um templário com roupa tradicional e tudo. Na descida até Molinaseca, a 610 metros, haja joelhos. Linda cidadezinha, pernoite na Casa Rural San Nicolás, tocada pela brasileira Mara, seu filho Murilo e a nora Erika, há pouco mais de três meses. Um ótimo astral, com direito a café e bolo de cenoura.