Por Felipe Mortara, Especial para O Estado
Já havia mais de um ano desde que o furacão Irma devastara o arquipélago das Ilhas Virgens Britânicas. Mesmo assim, o assunto surgia facilmente com o motorista do táxi, a recepcionista do hotel e a garçonete do restaurante. Basta um simples deslocamento pela capital Road Town, na ilha de Tortola, para entender o tamanho do estrago. A estrada principal não tinha bom asfalto, mas pelo menos não estava obstruída. Dessa forma, a vida fluía e tive a certeza de que o turismo retomava seu papel de motor econômico do arquipélago caribenho.
Apesar das dezenas de veleiros com mastros quebrados e outros tantos virados ou afundados, o cenário era muito diferente do que o de setembro de 2017. Junto com Saint Martin e Saint Barthelémy, o arquipélago foi um dos mais afetados por ventos de até 298 km/h. A comunicação custou a ser restabelecida e durante meses faltaram água e luz. As marcas da tragédia ainda seguem por lá, com tetos arrancados, árvores quebradas e barcos danificados. Mas nas Ilhas Virgens Britânicas (ou simplesmente BVI, na abreviação em inglês) o clima é de renascimento. E aí mora uma beleza incrível.
Muito já foi feito desde que a tempestade passou. Nada de barcos obstruindo as vias, boa parte dos centros comerciais sendo reconstruídos e muitas casas em processo de reforma. A estrutura turística também se reergue em ritmo acelerado e não é à toa. Quem é dali e quem já foi sabe muito bem do potencial. De praias para descansar, de bons ventos para velejar e de excelentes pontos de mergulho. Tudo o que boas férias ao mar demandam.
Senti que a maior parte da população está orgulhosa por estar tocando a vida adiante. Assim, o comércio e os serviços na capital Road Town vão aos poucos reabrindo as portas. Paira um clima leve e despojado, típicos dos velejadores, boa parte americanos, muitos dos quais voltam todos os anos. Apesar do nome, a moeda local da Ilhas Virgens Britânicas é o dólar americano e o jeito mais fácil de chegar é voando até Miami, de lá por mais duas horas até Porto Rico e por mais 40 minutos com a pequena companhia InterCaribbean até o aeroporto de Tortola.
Dormir no balanço do mar
Já não há medo nem tristeza no ar, só aprendizado, otimismo e serenidade. Também, com o baita mar azul que envolve as mais de 50 ilhas e ilhotas do arquipélago é fácil recuperar a calma. Há bons hotéis para quem quiser ficar em terra firme, mas o grande barato de tirar férias por lá é peregrinar a bordo de um veleiro entre elas. Ou então, uma opção muito comum, dividir metade da viagem embarcado e metade em terra.
Com navegações curtas, pontos de ancoragem fáceis em cantinhos magníficos e desertos, as BVI são o maior polo de aluguel de veleiros do Caribe. Mas não se preocupe, não é preciso ser velejador experiente para embarcar num veleiro e encontrar uma ilha para chamar de sua. Várias operadoras, como a Moorings e a Sunsail, oferecem saídas customizadas a partir de duas noites com capitão e cozinheiro incluídos. Daí é só embarcar em um entre os 300 confortáveis catamarãs e veleiros de um casco que repousam em bem arranjadas marinas. Sempre novas, as embarcações têm de 38 a 58 pés (11,5 a 17,5 metros) de comprimento, com até cinco espaçosas suítes e regime all-inclusive opcional.
A melhor coisa de velejar é poder fazer duas ou três paradas a cada dia. Os capitães sabem onde estão os melhores pontos, mas tudo é negociável e a cada dia você pode decidir para onde ir. A maior variável é a vontade dos passageiros. A hora de comer, as preferências de menu e de bebida, tudo ao seu critério. O clima é super leve, os marinheiros são super educados e simpáticos, por vezes parecem fazer parte do grupo de amigos.
Ainda que você possa querer passar o tempo todo na sua praia preferida, saiba que há atrações muito famosas e quase imperdíveis. The Baths é o ponto mais famoso de Virgin Gorda e recebeu esse nome por ser aonde escravos eram levados para se banhar. Uma trilha em meio a imensos blocos de granito que formam grutinhas traz como recompensa a pequenina praia de Devil's Bay. Dizem que já foi eleita uma das mais belas do mundo. Não é difícil concordar. Em águas mais abrigadas, caiaque e stand-up paddle são sempre boas alternativas.
Claro, você não é obrigado a ficar apenas embarcado. As principais ilhas - Tortola, Virgin Gorda e Jost Van Dyke - contem com ótimas opções de hospedagem. Praticamente não existem grandes redes, mas pequenos e exclusivos hotéis-butique, além de villas mais exclusivas. Muitos ainda se recuperam do Irma, porém a grande maioria reabriu as portas na temporada que começou em novembro e segue até o fim de agosto. Na lista de ilhas com hotéis exclusivos estão Scrub Island, Necker Island e Cooper Island.
Paraíso dos mergulhadores
Sob as águas as Ilhas Virgens Britânicas, um patrimônio de (com o perdão do trocadilho) tirar o fôlego.Poucos lugares no planeta concentram tantos naufrágios e pontos de mergulho de altíssimo nível. Em 1867, o navio RMS Rhone afundou em Salt Island com 145 passageiros a bordo (123 pessoas morreram). Hoje, no entanto, se transformou em um jardim deslumbrante de corais coloridos, que cresceram sobre as ferragens, repletos de peixes e tubarões. Além disso, praticantes de snorkelling se divertem nos majestosos jardins de gorgônias de Diamond Reef e nas intrigantes grutas de Norman Caves.
Por falar em Norman Caves, as cavernas submersas receberam este nome porque acredita-se que o Capitão Norman, famoso pirata, teria escondido um tesouro por ali. Lendas sobram e história - comprovada - não falta.Cristóvão Colombo resolveu batizar o cenográfico arquipélago com o excêntrico nome de Santa Úrsula e as 11 Mil Virgens. A partir de 1632, os holandeses a colonizaram e passaram a extrair cobre. Quase 40 anos depois os britânicos os expulsaram e estabeleceram produtivas plantações de cana na região com escravos trazidos da África - a abolição só veio em 1834.
Os ingleses ainda continuam por lá, sob o regime de território ultramarino. Mas desde os anos 1960 a região virou um xodó de velejadores, com cada vez mais visitantes.
Gastronomia e drinques
Excelentes drinques e boa gastronomia internacional o esperam entre a rotina de desembarques e navegações. Obviamente a culinária local se baseia muito em peixes e frutos do mar frescos. Em Road Town, o Pusser's é um bar com ares de pub, com mais de 40 anos de tradição. Já em Virgin Gorda, o Coco Maya mescla toques mexicanos e asiáticos com uma vista absurda do pôr do sol. Perto dali, o Foxy's tem simpáticos rastafáris tocando reggae e faz a festa de réveillon mais disputada da região.
Antigamente, para alcançar o Soggy Dollar Bar, em Jost Van Dyke, os veleiros ancoravam próximos à Praia de White Bay e os ocupantes nadavam até a areia. Chegando lá penduravam suas notas encharcadas para secar num varal. Foi ali que, nos anos 1970, nasceu o Painkiller, drinque símbolo do arquipélago, feito com rum, suco de laranja, de abacaxi, água de coco e noz-moscada. No paladar e na visão da belíssima praia, você não se esquecerá das Ilhas Virgens Britânicas.