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Minimizar o turismo LGBTQ+: por que isso não é inteligente

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Por Adriana Moreira
Atualização:
Barcos durante a Parada para Igualdade no Rio Nervion, em frente ao Museu Guggenhein Bilbao, na Espanha Foto: Vincent West/REUTERS

Nas décadas de 1970 e 1980, cartões-postais de mulheres deitadas de bruços em diversas praias do Brasil eram comuns. Os cartazes da Embratur da época também associavam o País a lindas mulheres seminuas, um estímulo ao turismo sexual. Felizmente, essa era passou. A Embratur suou muito para valorizar nossos atributos naturais e diversas cidades passaram a fazer campanha contra o turismo sexual - embora ele ainda seja uma realidade, especialmente no Nordeste. No ano passado, o governo brasileiro criou um código de conduta específico a respeito da prevenção ao turismo sexual.

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Embora o turismo ainda não seja visto com a importância que mereceria no País, o setor, ainda bem, evoluiu em muitos sentidos nos últimos anos. Inclusive em relação ao público LGBTQ+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queers e outras identidades de gênero). Hotéis, restaurantes, pousadas e outros estabelecimentos perceberam que esse grupo de turistas gosta de viajar, indica novos clientes quando bem recebido e, principalmente: é rentável.

Nesta quinta-feira (25), o presidente Jair Bolsonaro deu a seguinte declaração em um café da manhã com jornalistas: "Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro." A fala foi publicada pela revista online Crusoé, e foi dita depois de uma pergunta a respeito do veto do Museu Americano de História Natural, de Nova York, para receber um evento em sua homenagem. Bolsonaro disse ainda que "o Brasil não pode ser um País do mundo gay, de turismo gay. Temos famílias."

O presidente já falou sobre a importância do turismo para o Brasil durante seu discurso no Fórum Econômico Mundial de Davos. O Brasil há anos tenta aumentar o número de 6 milhões de turistas internacionais por ano, e depreciar o LGBT  não é uma decisão inteligente do ponto de vista econômico. Entenda por quê:

1- Público qualificado com gastos altos

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Casal durante baile de gala para promoção dos direitos humanos no hotel Wynn Las Vegas Foto: Isaac Brekken/NYT

De acordo com a Câmara de Comércio e Turismo LGBT no Brasil, o  setor movimentou US$ 218,7 bilhões em 2018, segundo dados da pesquisa LGBT Travel Market, promovida pela Consultoria Out Now/WTM.

Segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), o público LGBT corresponde a 10% dos viajantes do planeta. Só nos Estados Unidos estima-se que o setor movimente cerca de US$ 65 bilhões.

Em 2016, durante o Fórum de Turismo LGBT, foi divulgada uma pesquisa sobre o perfil do turista LGBT:

-Realizam em média quatro viagens por ano;

-45% deles viajam ao exterior todos os anos (a média nacional é de 9%)

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-Têm gasto 30% maior em relação a outros viajantes"

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Combater a visita da comunidade LGBTI+ ao Brasil, além de ser um grave ataque aos direitos universais, impediria a entrada de US$ 26,8 bilhões na economia brasileira (pesquisa OUT/WTM 2018)", declarou a Câmara de Comércio em um comunicado divulgado na própria quinta-feira.

2- Tolerância ajuda na divulgação de um destino como marca

O Ministério do Turismo da Argentina (um dos destinos mais gay friendly do mundo), criou em 2016 uma campanha chamada Amor. focada em estimular esse público a viajar pelo país: nossos vizinhos recebem cerca de 450 mil turistas LGBT todos os anos. O país, aliás, é o que mais promove sua faceta gay friendly, segundo a OMT.

Com leis que garantem proteção e segurança e estabelecimentos orgulhosos de ostentar a bandeira do arco-íris, o país conquistou turistas satisfeitos: 94% dos viajantes LGBT  descreveram sua experiência no país como excelente (63%) ou muito boa (31%). Do total dos viajantes no país, 35% declararam também ter o Brasil no seu roteiro. Ou seja, uma boa oportunidade para pegar carona em um destino já consolidado.

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São Francisco,  na Califórnia, acaba de anunciar uma nova campanha chamada Open For All (Aberto a Todos), reforçando que todos são bem-vindos na cidade, independentemente de gênero, cor, raça, origem, religião ou orientação sexual.

A Organização Mundial do Turismo, em relatório divulgado em 2016, cita diversos exemplos de outras campanhas bem sucedidas pelo globo. Entram aí Espanha, Irlanda e Reino Unido, por exemplo. Segundo o órgão, notícias sobre a aprovação de união civil para pessoas do mesmo sexo são distribuídas no mundo todo (ou seja, publicidade gratuita) e passam uma imagem de tolerância e respeito não apenas para esse público específico, mas também para que outros turistas se sintam bem-vindos.

Publicidade focada nesse público, segundo o estudo, é baseada em dados que comprovam que a imagem positiva gerada é maior do que a rejeição criada pela parcela intolerante da população. A campanha Open For All de São Francisco, por exemplo, tem como apoiadores marcas de renome como GAP, Banana Republic, Yelp e Marriott - a rede de hotéis, aliás, é considerada referência em hotelaria no treinamento de seus funcionários e receptividade ao público LGBT. Uma de suas campanhas, chamada #LoveTravels, estimula todos os visitantes a postarem expressões do amor em suas mais variadas formas.

Valência, na Espanha, é outra cidade a investir em publicidade específica para esse nicho de mercado. A partir de conversas com a comunidade LGBT, criou-se roteiros com dicas e atrações de interesse.

3- Eventos temáticos ajudam a movimentar o turismo na baixa temporada

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Parada do Orgulho LGBT de 2018 na Avenida Paulista, em São Paulo Foto: Werther Santana/Estadão

Em São Paulo, a Parada do Orgulho LGBT de 2018 reuniu mais de 3 milhões de pessoas e levou os hotéis na região do centro e Avenida Paulista a uma ocupação de 90% dos leitos - lembrando que, na capital paulista, os hotéis registram maior ocupação durante a semana. A parada é realizada sempre no domingo da emenda do feriado de Corpus Christi (este ano, está marcada para 23 de junho). O evento movimentou cerca de R$ 190 milhões na cidade.

Além de eventos específicos, há cidades que investem em nichos como forma de receber um público constante. Nos últimos anos, o mercado de casamentos e lua de mel voltado a pessoas do mesmo sexo vem registrando ótimos números. Um case de sucesso é Nova York: em 2011, o foi gerado um impacto de  US$ 200 milhões na economia da cidade ligados apenas a celebrações e casamentos LGBT.

Uma expectativa conservadora, segundo a própria cidade, aponta que cerca de 7 milhões de turistas que se declarem LGBTQ+ visitem Nova York anualmente, vindos do mundo todo.  Um impacto de US$ 7 bilhões na economia local.

Lela McArthur (D) e Stephanie Figarelle, de Anchorage, Alasca, depois de se casarem no Empire State Building, em Nova York Foto: Andrew Burton/Reuters

4 - Há múltiplos públicos dentro do público LGBT

É errado acreditar que todo viajante LGBT tem o mesmo interesse. Afinal, o viajante LGBT não é nada além de um viajante normal: há quem esteja mais ligado em arte, em gastronomia, em atrações budget, em viagens românticas a dois, em festejar com os amigos, e há grandes diferenças de interesses geracionais também.

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Assim, os millennials geram um grande impacto nesse setor também, já que eles buscam mais oportunidades de interagir em redes sociais, são usuários contumazes da economia compartilhada. No caso dos LGBT, eles são mais abertos à sua sexualidade e não gostam de "rótulos": eles partem do pressuposto que a questão não deve ser um tópico. Todas as empresas, presumivelmente, deveriam ser LGBT friendy para esse público, segundo relatório da OMT.

Vale destacar também as famílias LGBT que viajam com suas crianças e buscam o que todos os pais buscam quando saem em férias: sossego, diversão e tempo de qualidade com os filhos. Um estudo do Williams Institute nos Estados Unidos identificou que ao menos 37% das pessoas que se declaram LGBT criaram uma criança. Por outra perspectiva, seriam pelo menos 6 milhões de crianças com ao menos um genitor LGBT no país.

Assim, um estudo conduzido pela empresa de pesquisa e marketing CMI nos Estados Unidos apontou que, entre os LGBT com filhos 68% escolhe um destino que seja amigável para crianças enquanto 32% opta por um destino gay friendly.

Dolores Park, em São Francisco: frequantado pelo público LGBT e famílias Foto: Ramin Rahimian/Reuters

 

 

 

 

 

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