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A era das viagens minimalistas

Ir e ficar: enquanto a pandemia não estiver controlada mundialmente, roteiros terão de contemplar uma única cidade

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Por Monica Nobrega
Atualização:

Estou rastreando preço de passagem aérea para a Dinamarca no ano que vem (ah, a esperança!). Parte de minha família foi embora deste Brasil para poder dar sequência a pesquisas científicas já em andamento (que beneficiam a sociedade brasileira). Inscreveram projetos e conseguiram financiamento na Dinamarca. De modo que, se for seguro, pretendo ir lá em 2021. 

Parque Nacional Cavernas do Peruaçu: antes da pandemia, já era um local de isolamento Foto: Mônica Nobrega/Estadão

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Mas não será uma viagem como as de antes da pandemia. Meu (velho) normal e provavelmente o seu também seria programar uma parada longa na cidade de conexão, que nesse caso é algum lugar como Amsterdã ou Paris. Aproveitar para fazer esticadas a Bruxelas (Bélgica), Colônia (Alemanha), Haia (Holanda) – quanto mais, melhor. Fazer a viagem render, já que não é todo dia que se tem dinheiro para ir até a Europa.

Dessa vez, devo cruzar o Atlântico para passar semanas numa única e pequena cidade dinamarquesa, indo no máximo até Billund, a cidade da Legoland, e a capital Copenhague, ambas a uma hora de distância, de carro alugado. 

Infelizmente, a situação sanitária do mundo não deve estar totalmente controlada nem no ano que vem. 

Por isso, quero falar aqui sobre viagens minimalistas – o que não tem nada a ver com fazer uma mala pequena. Mesmo quando for possível retomar a atividade turística, vai ser importantíssimo para a saúde coletiva a gente manter o máximo de distanciamento social. Turisticamente falando, isso quer dizer reduzir deslocamentos e passeios. Aquietar, sossegar o facho. Chegar e ficar. Mas, e o dinheiro? Pois é.

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Se você não tem saudade da família para resolver no médio prazo, eu recomendo fortemente planejar suas próximas viagens pensando que não vai dar para fazê-las renderem como antes. Vai ser mais seguro e justo para a coletividades procurar um destino que não dê comichão de fazer pinga-pinga. Que seja menos badalado, com opções essencialmente ao ar livre, e para onde você possa ir e parar, sem deixar de se divertir. 

Inscrições rupestres estão preservadas no parque mineiro; por enquanto, por causa da pandemia, parque está fechado Foto: Mônica Nobrega/Estadão

Dentre as minhas viagens mais recentes, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu é esse lugar. Aqui mesmo no Brasil. No norte de Minas Gerais, o aeroporto mais próximo está a 230 quilômetros de distância, em Montes Claros. Por isso, pouca gente se anima. 

Faz menos de seis anos que o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu se estruturou para a atividades turística. Antes da pandemia, se aproximava dos 10 mil visitantes por ano – na média, menos de 30 pessoas por dia. Dá para ficar uma semana tranquilamente, caminhando todos os dias para chegar a mirantes debruçados sobre paredões rochosos, visitar pinturas rupestres de até 12 mil anos atrás, e as oito espetaculares cavernas. Entre elas, a monumental Gruta do Janelão, cartão-postal do parque. 

Aliás, pouco depois da minha visita, em meados de 2018, foi aberta mais uma atração, a trilha do Arco do André, um percurso de 8 quilômetros com mirantes, rio, cerrado e caatinga.

Tudo em harmonia com a premissa do distanciamento social. O turismo local é planejado e comandado pela comunidade. Pousadeiros e guias de passeios são gente da terra. No bairro rural do Fabião, às portas do parque, as hospedagens são casas com sete, oito quartos. A refeições, sempre fartas, são servidas em varandas. Preços são mais do que amigáveis. 

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Mas ainda não é hora de voltar a viajar. Não é. Mesmo com muita coisa reabrindo. Não é só sobre não pegar covid-19, é também sobre não transmitir a doença. Máscaras e álcool em gel são indispensáveis, mas não são a solução definitiva para o novo coronavírus. 

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Não é demais lembrar que o Brasil ainda está em ascensão da pandemia. Na cidade de Itacarambi, a do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, com 18 mil habitantes, a doença chegou há pouco – há cerca de 25 casos registrados. 

“Na comunidade do Fabião está todo mundo assustado porque há muitos idosos. Os guias não querem voltar a trabalhar por medo de contaminarem seus pais e avós, em casa”, disse Késcia Madureira, liderança da localidade, articuladora do turismo comunitário e proprietária da pousada Recanto das Pedras, onde me hospedei. “O parque está fechado, não sabemos quando reabrirá. Eu mesma só estou aceitando reservas para o ano que vem”, disse. 

Enquanto a pandemia não estiver controlada, cuidar da família pode significar tanto cruzar o Atlântico para ficar em um só lugar – e apenas se as curvas de contaminação forem descendentes – quanto nem sair de casa. 

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