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A praia da moda: sai dessa

Por Ricardo Freire e turista.profissional@grupoestado.com.br
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Todo ano, quando chega esta época, meu telefone começa a tocar. São jornalistas e produtores de TV à caça de uma informação aparentemente de primeira necessidade para a definição das férias de leitores e telespectadores: afinal, qual vai ser a praia da moda? Que praia brasileira vai bombar no verão?

 

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Lamento informar, mas essa pauta é totalmente 2004. A essa altura do campeonato, não há mais praias a serem descobertas. E sobretudo não há mais praias a serem descartadas. O conceito de "praia da moda" tornou-se não só anacrônico como ecologicamente incorreto. Como assim, a praia que esteve na moda no ano passado já não pode mais estar na moda neste ano? Sob esta ótica, praias seriam como roupas de alta costura: não poderiam ser repetidas. A praia da moda de hoje é a praia déjà-vu do verão que vem.

 

Houve um tempo em que o fenômeno das praias da moda foi orgânico. Até o fim da década de 1980, só os muito informados sabiam o caminho para praias fora das capitais litorâneas. Existiam apenas as praias de veraneio, que logo viravam pequenas cidades grandes verticais - Guarujá, Guarapari, Balneário Camboriú. Paranaenses e gaúchos emigravam no verão para Santa Catarina e ponto; mineiros iam para o extremo sul da Bahia. Porto Seguro era um destino descolado, imagine. Jericoacoara, Porto de Galinhas, Morro de São Paulo, Pipa, nada disso estava no mapa. Búzios era menos famosa que Cabo Frio.

 

O mapeamento de fato do nosso litoral pela imprensa de viagem só começou em meados da década de 1990. Lugares que eram points de surfistas e doidões começaram a ser documentados. Estradas foram asfaltadas. Pousadas apareceram. E de repente você começou a ouvir: Praia do Forte! Praia do Rosa! Itacaré! Pronto. Estava inventado o conceito de praia da moda.

 

O ciclo das areias. Nenhuma dessas praias se fez da noite para o dia. Cada uma teve pioneiros que iam a esses cafundós apesar - ou por causa - da dificuldade de acesso e da precariedade da infraestrutura. Há alguns anos vi uma linda exposição na igreja de São João, em Trancoso, que identificava os dois primeiros hippies a aparecer no Quadrado, em 1972. Quase quatro décadas depois, não há mais hippies por ali: praticamente todas as casas foram compradas por paulistas e estrangeiros, e valem fortunas. O que não impede que todas as manhãs as centenas de excursionistas que vão passar o dia na praia passem pelas casinhas e comentem, com desdém - "mas ISSO AÍ é o tal do Quadrado?"

 

Sempre há uma renovação de público quando uma praia é alçada à condição de praia da moda. Os pioneiros são expulsos ou fogem; os novos donos do pedaço passam a achar indesejáveis todos os que chegaram depois deles. Em alguns lugares, porém, tudo se dá tão rápido que os bacanas não têm sequer tempo de conquistar o território. É o que aconteceu, por exemplo, em Taipus de Fora, na Península de Maraú: o lugar passou de totalmente desconhecido a totalmente bagunçado em dois tempos.

 

O fator réveillon. A variedade menos nociva de praia da moda é a praia da moda do réveillon. A tradição teve início há uma década no Taípe, a praia entre Arraial d’Ajuda e Trancoso onde veio se instalar um Club Med. Maurícios e patrícias paulistanos começaram a fazer uma megafesta de arromba onde não havia nada. Uma dissidência levou a festa a Barra Grande, na Península de Maraú. Outros levaram a Moreré, na Ilha de Boipeba. Ano passado houve um megarréveillon em Santo André da Bahia, que será repetido esse ano. Outra grande virada deve ocorrer em Tatuamunha, na Rota Ecológica alagoana.

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A praia-réveillon fica na moda só até o dia 5 de janeiro. Depois dessa data, o acampamento descolado é desmontado e o lugar volta à sua rotina normal. Apareça em Barra Grande em meados de janeiro e você não verá traço do hype da virada do ano. Santo André da Bahia também retoma sua personalidade de sempre. E o grande agito de Moreré volta a ser o futebol na maré baixa.

 

Veranismo sustentável. Sempre que me perguntam qual vai ser a praia da moda do próximo verão, meu reflexo é falar das praias que souberam administrar seu crescimento. Das praias que não se tornaram novas Portos Seguros ou Portos de Galinhas, que não sucumbiram ao caos da exploração imobiliária nem se deixaram padronizar pelo turismo organizado.

 

Falo sempre da Praia do Forte, o exemplo mais admirável de praia próxima a uma grande capital que conseguiu crescer ordenadamente, sem perder o charme. Lembro de Arraial d’Ajuda, o vilarejo de praia mais organizadinho do Brasil. Falo do milagre do windsurfe, que livrou Jericoacoara dos passeios combinados com Fortaleza. Cito Juqueí, que investiu em urbanização quando Camburi ainda apostava na lama.

 

Vá, mas não espalhe. Não há lei que obrigue o cidadão a ir a uma praia inédita todos os anos. Se você já resolveu a questão existencial número um do brasileiro - Qual é a sua praia? -, não se acanhe de repetir a sua favorita. Habitués sempre têm seus privilégios. Caso queira experimentar uma praia nova, vá pelo que ela oferece. Como o sossego, o conforto e a gastronomia de lugares como a Rota Ecológica alagoana e Santo André da Bahia. Ou a rusticidade de Galinhos, no Rio Grande do Norte. O ambiente de Flecheiras, no Ceará. O charme e o kitesurfe de Barra Grande do Piauí. A consciência ecológica de Boipeba.

 

Mas não vá por causa de nenhum hype inventado pela pauta de praxe do fim do ano. Verão é como o guarda-roupa: cada um faz a sua moda.

 

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