Abrolhos: de veleiro em busca das jubartes, aves e ilhas

Inspirados em Darwin e em plena temporada de jubartes, aventureiros seguiram até o arquipélago no litoral da Bahia

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Por Roman Nemec
Atualização:
Salto do macho no ritual de cortejo das jubartes. Foto: Romnan Nemec

CARAVELAS - Mal saímos do Rio Caravelas em direção ao mar e já vimos o primeiro grupo de jubartes. Era o começo do mês de julho e havíamos chegado à cidadezinha colonial do sul da Bahia a bordo de um veleiro, em busca de informações e de condições favoráveis para navegar até Abrolhos.

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Éramos três tripulantes na embarcação. Nossa inspiração era a viagem que o capitão britânico Robert FitzRoy e o cientista Charles Darwin, então um jovem inglês com uma pós-graduação concluída recentemente, fizeram até o arquipélago. A época era ideal: de julho até novembro, o sul da Bahia recebe uma grande população de jubartes que vêm da Antártida em busca de águas mais quentes para procriação. De acordo com o Instituto Baleia Jubarte, cerca de 20 mil animais devem se instalar na costa baiana nesta temporada. 

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A chegada à colonial Caravelas No dia 2 de julho, no início da manhã, com um vento de sudeste crescente, o veleiro Magaratz se aproximou da boca do Rio Caravelas. Éramos três tripulantes. Ventos fortes chegavam à velocidade de até 70 quilômetros por hora. Por volta das seis da manhã, em um dia que começou cinza e chuvoso, ancoramos na frente da cidade colonial de Caravelas. 

Maurício, proprietário da agência de turismo local Sanuk, que faz viagens de mergulho em Abrolhos, ofereceu-nos condições adequadas para a ancoragem. Assim, pudemos seguir para o centro da cidade, fundada no século 16 por navegadores portugueses. Começamos pelo Instituto Baleia Jubarte. Elena, uma jovem voluntária, nos recebeu e guiou por uma exposição modesta. Uma apresentação multimídia de meia hora apresentou fatos interessantes sobre as baleias jubartes e sua migração para as águas mais quentes, vindas da Antártida. 

Nossa próxima parada foi o porto pesqueiro, onde barcos de madeira balançavam ao vento. Estavam amarrados lado a lado em rodas de madeira ao longo da orla de pedra, onde pescadores desanimados estavam sentados. Aproximamos-nos de três anciãos que costuravam redes de pesca sob a sombra de uma árvore gigante e batemos papo com um deles, chamado Pedro. 

Porto pesqueiro à beira do Rio Caravelas. Foto: Roman Nemec

“Já faz cinco dias que nenhum de nós sai para o mar. Os ventos fortes chicoteiam a costa, o mar está de ressaca e nosso trabalho está parado. Não temos dinheiro para tomar uma cervejinha”, lamentou. A vida cotidiana e a economia de Caravelas dependem muito do turismo e da pesca marítima.

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Em busca das gigantes Quarenta milhas marítimas, cerca de 80 quilômetros, separam Caravelas do arquipélago de Abrolhos. Não é muito mas, olhando para o mar agitado e a brisa fresca do Sudeste, sabíamos que não seria uma navegação confortável. Assim que saímos do Rio Caravelas e entramos no mar, observamos o primeiro grupo de baleias no horizonte. 

Desligamos o motor para não assustá-las, e com as velas parcialmente baixadas, seguimos as majestosas criaturas do mar. A distância do nosso veleiro até elas foi diminuindo. De repente, diante da nossa proa, um gigante corpo escuro com curvas elegantes surgiu das águas, alcançou a altura de 6 metros e, com um som trovejante, novamente desapareceu sob a superfície do mar verde-acinzentado. 

Este tipo de baleia tem uma corcunda nas costas, manchas pretas e brancas na barbatana e os chamados tubérculos na cabeça. Um adulto atinge até 16 metros e pesa até 40 toneladas. Após uma respiração, pode ficar debaixo d'água por até 21 minutos. São ótimas caçadoras e conhecem várias técnicas de pesca de peixes ou de crustáceos planctônicos. 

Há jubartes em todos os oceanos e, graças a medidas de proteção e proibição à pesca, a população vem aumentando. Estima-se que atualmente existam cerca de 80.000 jubartes no mundo inteiro. 

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Acima de nossas cabeças rolavam as nuvens pesadas. O vento ganhava força e as ondas batiam na proa. Nós mal podíamos escutar uns aos outros. Mesmo assim, de repente ouvimos à distância a canção inconfundível de baleia. E o tempo pareceu parar por um momento.

Por dentro do farol Diante da proa, sob os raios do sol, deu para reconhecer os contornos da Ilha de Santa Bárbara. No morro, como se fosse um guarda solitário, está o velho Farol de Abrolhos com seu corpo preto e branco. Seguimos para as Ilhas Redonda e Siriba, onde existem várias poitas (estruturas de concreto para ancoragem) livres e gratuitas para os barcos visitantes. Apesar dos recifes do entorno, que geralmente barram as ondas de sudeste, a superfície continuava agitada e o vento não se acalmava. O sol se pôs e no leste aparecem as primeiras estrelas; entre elas brilhava o farol que, com seu feixe aceso, corta a escuridão até o amanhecer. 

Ilha de Santa Bárbara, com o Farol de Abrolhos. Foto: Roman Nemec

De manhã, com uma xícara de café quente nas mãos, subi ao convés e, à primeira vista, observei uma zaragata na Ilha Redonda, habitada por uma grande magnífica colônia de fragatas. Esta ave tem até 2,2 metros da ponta de uma asa à ponta da outra, o que a impede de decolar da água; caçam os peixes durante o voo. 

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Na ilha vizinha, Siriba, está o reino dos atobás brancos, uma ave branca com penas pretas nas asas, bico amarelo e patas membranosas que lhe permitem pescar na água. Costumam acompanhar navios e, por isso, ganharam o apelido de “pilotos brancos”. 

Voo do atobá branco. Foto: Roman Nemec
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Com snorkel, mergulhamos nas águas azuis e nadamos em direção aos recifes. As fragatas curiosas quase tocavam nossas cabeças, pensando que os plásticos coloridos poderiam ser comida. A água não estava tão clara como costuma ser durante o verão; ao mergulharmos um pouco mais profundo, um colorido mundo subaquático se abriu ao nosso redor. Um grupo de peixe de diferentes cores e tamanhos circulou à nossa volta e, para nossa surpresa, apareceu uma tartaruga marinha. 

Depois dois dias de mergulho e observação de aves, fizmos contato por rádio com a equipe do farol e recebemos, assim, permissão para desembarcar na Ilha de Santa Bárbara. Na praia, fomos recebidos pela sorridente Maria Bernadete Silva Barbosa, a Berna, monitora do Parque Nacional Abrolhos. Para Berna, a vida aqui deixou há muito tempo de ser apenas um trabalho: depois de quase 30 anos, Santa Bárbara é a sua casa. 

Berna Barbosa, responsável pelo parque marinho. Foto: Roman Nemec

Chegamos à pesada porta do Farol de Abrolhos e, por uma escadaria íngreme, subimos até o último andar, onde fica “o olho da guarda”. O farol foi construído em 1861, durante o reinado do rei Dom Pedro II. Com lâmpada de 2000 watts e lentes originais, a luz do farol pode ser vista de uma distância de até 51 milhas náuticas, mais de 100 quilômetros, o que o torna um dos três faróis mais potentes do mundo. 

Saímos ao mirante. Assim que nossos olhos se acostumaram novamente à claridade do dia, nossos olhares e pensamentos voaram por cima do Parque Abrolhos e desapareceram além das fronteiras. As asas de atobás e de fragatas zuniam ao vento, a maré incansavelmente colidia com as rochas, como é desde os tempos imemoriais. E, assim, entendemos a raridade deste momento e do lugar onde se convive em simbiose com a natureza.

Caminhada até o Farol de Abrolhos. Foto: Roman Nemec

Como ir a AbrolhosAéreo: o aeroporto de Porto Seguro (260 km) recebe voos diretos desde São Paulo com Voegol.com.br; o de Teixeira de Freitas (80 km) recebe três voos semanais da Voeazul.com.br desde Belo Horizonte. 

Navegação: Apecatu e Sanuk fazem passeios a Abrolhos de um ou mais dias. Programas de um dia desde R$ 270 por pessoa. 

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O veleiro Magaratz. Ao fundo, Ilha Siriba. Foto: Roman Nemec

Saiba mais: a viagem de Darwin

Quase duzentos anos se passaram desde a segunda expedição exploratória e científica do HMS Beagle, encabeçada pelo capitão britânico Robert FitzRoy. O famoso cientista Charles Darwin, àquela altura, era apenas um jovem inglês com um estudo de pós-graduação concluído. 

Conforme os registros do navio, em março de 1832 o HMS Beagle partiu de Salvador e navegou para o sul até o arquipélago de Abrolhos. O capitão, que foi encarregado pelo almirantado inglês, mapeou as perigosas águas rasas, bancos de areia e recifes de coral do arquipélago, que representavam e ainda representam um perigo para o tráfego marítimo. As ilhas foram descobertas por navegadores portugueses e, nos mapas, foram marcadas como “Abrolhos”, que vem de “abre os olhos". 

Darwin ficou fascinado pela rica vida subaquática e a grande colônia de aves que habitavam este arquipélago vazio de seres humanos. À sua atenção inquiridora não escaparam a multiplicação de ratos, que foram acidentalmente trazidos para as ilhas a bordo dos navios e cuja espécie floresceu vivendo dos ovos de pássaros. Ao estudar a convivência de aves e ratos, Darwin estava bastante determinado a pensar na chegada do homem ao ecossistema virgem e seu impacto perturbador.

O arquipélago de Abrolhos está localizado na costa do sul Estado da Bahia, aproximadamente na altura do município de Caravelas. O território de 913 quilômetros quadrados é formado por cinco ilhas: Santa Bárbara, Siriba, Redonda, Sueste e Guarita. Atualmente, o desembarque e a visitação só são possíveis nas ilhas de Santa Bárbara e Siriba, que são administradas pela Marinha do Brasil e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Abrolhos foi o primeiro Parque Nacional Marinho reconhecido oficialmente no Brasil, em 1983. As ilhas oferecem um lar para várias espécies de aves marinhas ou uma parada importante para golfinhos e baleias que ali vão para se alimentar. 

Ao mesmo tempo, o arquipélago é um destino turístico popular - especialmente entre julho e novembro, quando entra na rota de migração e reprodução das baleias jubartes. 

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