Não falo francês. E isso é quase uma falha de caráter. Acho lindo. Como todo mundo sabe, o idioma francês inventou o amor. Ou o sexo. Ou os dois. Acho que são 50% de chances do idioma francês ter criado o sexo com amor. E outros 50%, creio eu, de ter criado os encontros casuais. Mas, como ia dizendo, deixei passar. Só tenho o básico para sobrevivência turística. Talvez por isso sou dado aos arroubos criativos de um não falante.
Se ouço
“bonjour”
, logo imagino um café da manhã na cama, um lençol esparramado e o amor de quem vai se atrasar para chegar ao trabalho.
Bonjour
é o sexo com os olhos cheios de remela e um sabor de algo amanhecido. Mas algo bom, delicado e devagar.
Não posso ouvir
“boulangerie
”. Nossa! Eu viveria nessa palavra. Nada a ver, mas
boulangerie
é como uma cama grande, um bangalô no meio do nada, o ninho mais confortável que dois amantes podem ter.
Bonjour
na
boulangerie
é o tipo de coisa que me vira a cabeça.
Francês é uma língua tão sensual que tem uma expressão para aquele momento depois do orgasmo, para a hora do cigarrinho. A expressão é “
la petite mort
”. Ou seja,
bonjour
na
boulangerie
seguida de uma
la petite mort
.
E tem vida depois da
la petite mort
? Tem. O nome dela é fromage. Gente, fromage é queijo e queijo é uma forma de sexo. Sexo depois do sexo e do cigarrinho. Repita comigo: fro-ma-ge.
Conhece “
mon coeur
”? Meu coração. Mas não qualquer coração.
Coeur
é um coração coado, de café passado em peças íntimas.
Coeur
é um coração que pinga-pinga, um coração que se esvai feito um sonho. Um coração que se despedaça de um jeito bonito.
O próprio “
je t’aime
” me parece um “eu te amo” diferente. Mais leve. Acho que sequer é para sempre. No “
je t’aime
”, o amor dura só o tempo necessário para brotar, criar asas e acabar. Eu diria: não sei se te amo, mas “
je t’aime
”.
Bem diferente de
oublier
. Obviamente,
oublier
é um jeito de esquecer sem esquecer de verdade. É aquela namorada(o) que você só finge que passou.
Oublier
é uma palavra redonda. E, se é redonda, pode apostar, ela (ele) vai voltar.
Bisou
é um beijo repetido. Um beijo com gosto de quero mais.
Bisou
uma vez, “bisa” de novo.
Mesmo um repolho. Um mero repolho é um
chou
. Confessa, não dá vontade de dormir abraçado? Pensa bem, “
mon chéri
” é um carinho com aroma. É quase a evocação do cheiro da pessoa amada. O cheiro que fica no travesseiro, que se espalha pela casa e que se confunde com a própria vida.
E, em francês, se a vida está uma
merde
, ela não está tão ruim assim. Uma
merde
é sempre alguma coisa que pode ser superada. Só está uma
merde
, mas amanhã passa. Mesmo às segundas-feiras, mesmo elas. Veja só: segunda é
lundi
. E
lundi
não te lembra uma dança, um bate-cabeça, um agito ou uma festa? Segunda-feira de folga, férias ou festa é puro
lundi
. Por falar nisso, espero que você esteja me lendo em plena
mardi
. Que ela não seja nem de leve uma
merde
. E que tenha muitas palavras gostosas pra dizer.
Diga de boca cheia: ah, como era gostoso o meu francês.
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