Peça a peça, o estilista cria a coleção que chega à passarela. Nos estreitos corredores de aeronaves, no entanto, a criatividade precisa comportar praticidade. A trama que tece os uniformes de companhias aéreas para os comissários de voo deve costurar elegância com conforto e segurança. Para encarar esse desafio, a Gol decidiu contar com o talento de Alexandre Herchcovitch. A companhia lança hoje (14) a linha desenhada pelo estilista brasileiro, com desfile no seu hangar no Aeroporto de Congonhas.
Para desenvolver os modelos da Gol, Herchcovitch esteve em oito bases da companhia aérea no Brasil e no exterior. Conheceu o trabalho de funcionários de várias áreas e suas necessidades no dia a dia. Também observou as diferenças climáticas entre as regiões. Todas essas informações foram levadas em conta no desenho, na escolha dos materiais usados e na composição da roupa como um todo.
A escolha do estilista brasileiro, segundo Jean Carlo Nogueira, diretor executivo de Gente e Cultura da Gol, levou em conta a experiência de Herchcovitch com trabalho plurais, como o design em parceria com várias marcas nacionais, e reflete a preocupação da companhia com a diversidade e a sustentabilidade. “Fiel à nossa essência simples, humana e inteligente e alinhado ao contemporâneo, Herchcovitch representa a força criativa e o jeito brasileiro de misturar simplicidade com tecnologia, inovação vibrante com simpatia e humildade.”
Herchcovitch criou em torno de 70 itens, incluindo peças frequentemente vistas na aviação, como blazer e ternos, e outras inovadoras, entre elas, a descolada jaqueta bomber. “O body resolveu um problema que sempre acontecia com as comissárias. A blusa saía de dentro da saia”, conta Maria Rita Micheletto, gerente de Tripulação de Cabine, função que trabalha na contratação, na disciplina e no apoio dos comissários de bordo.
Os uniformes masculinos podem ganhar mais cores na gravata ou ter um detalhe na gola ou na manga do blazer. Mas, em geral, são as roupas das mulheres que têm mais graça. Por isso, chama atenção na nova coleção de Herchcovitch para a Gol o fato de homens também terem sua cota fashion. Os pullovers mesclados, com um quê de pixelização, dão um toque contemporâneo à bonita peça cinza com laranja. Moderno como a assinatura Herchcovitch.
Todo o time operacional, com 12 mil pessoas, usará a nova coleção. Para o lançamento, 334 mil peças foram produzidas por 70 costureiros em São Paulo, Curitiba e João Pessoa. Cada funcionário receberá um kit com em média 17 peças, específicas às suas necessidades.
Comissária, Maria Rita usou a primeira roupa da companhia, que incluía a marcante camisa pólo laranja. “Era o uniforme de verão, que a gente usava de janeiro a março”, lembra a funcionária, que entrou na Gol em 2002. “Normalmente, a gente usava uma calça ou saia preta e a blusa branca de gola careca e alta.” Ela estava com essas peças quando fez parte da tripulação do voo de estreia da Gol para Buenos Aires, em 2004.
A Gol renova seus uniformes de cinco em cinco anos. “Podemos dizer que as novas peças evoluíram com a marca Gol. Enquanto nosso primeiro conjunto, de quase 20 anos atrás, foi pensado para uma equipe jovem, que crescia e se desenvolvia em uma empresa igualmente jovem. As roupas de hoje refletem a maturidade da companhia”, diz o diretor executivo de Gente e Cultura da Gol.
Até chegar aos uniformes lançados hoje, a Gol buscou ouvir quem iria vestir as peças. “Em cada área, as demandas eram diferentes e todos puderam participar. Foi um processo muito bacana”, conta Maria Rita, que no dia a dia recebe muito feedback dos comissários sobre vestimenta. “Os outros uniformes não eram muito práticos. A sensação é de que quem desenha não usa a roupa.”
Segundo Maria Rita, a maioria dos tripulantes prefere uma roupa mais tradicional. “Quem trabalha na aviação tem uma paixão por aquela imagem clássica: homens de gravata e mulheres de lencinho no pescoço”, conta. “É mais fácil de estar sempre arrumado”, argumenta.
Estilistas também assinam uniformes da Latam e da Azul
Peças usadas por comissários e pessoal de atendimento em aeroportos costumam ser fabricadas com tecidos que amassam menos. “O primeiro item a se pensar é o conforto, junto com a segurança. O uniforme precisa ser bonito, mas também funcional”, explica Claudia Fernandes, diretora de Marketing e Comunicação da Azul. “No caso do uniforme de comissário, desenvolvemos um tecido próprio que ficasse elegante e que não marcasse a roupa.”
Para Claudia, a capacidade para juntar conforto, segurança e estética de moda demonstra o talento de Tereza Santos, estilista escolhida pela Azul, também à frente dos uniformes dos luxuosos hotéis Four Seasons São Paulo e Palácio Tangará. “A Tereza traz um trabalho de inovação, com desenvolvimento de estampas e tecidos exclusivos. Ela sabe trabalhar a moda dentro de uma funcionalidade de um uniforme, o que é muito difícil”, elogia a diretora de Marketing e Comunicação da Azul.
A estilista caprichou nos detalhes para reforçar a identidade da Azul, que completava 10 anos quando houve a troca de uniformes, em 2018. Quem trabalha voando recebeu nuances na roupa que remetem ao céu. O pessoal de solo usa uma gravata mais moderna, com corte slim e grafismo que lembram a marca da empresa.
Em 2016, na estreia da sua marca global, resultado da fusão de LAN e TAM, a Latam apresentou a coleção assinada por Pedro Lourenço. Para reforçar a identidade latina da companhia, o estilista trabalhou com uma paleta que combina o índigo e o coral. “São cores que expressam o que somos: atenciosos, assertivos, apaixonados e elegantes. Elegantes por fora e calorosos por dentro, como as pessoas do nosso continente”, ressalta Alexandra Vila Ramirez, gerente sênior de Marketing da Latam.
Lourenço criou as peças vestidas por todo o grupo. São cerca de 23 mil colaboradores nos 26 países onde a companhia aérea atua, entre tripulantes, atendentes de lojas e check-in, funcionários de salas VIP e agentes de aeroporto e de carga. “Buscamos uma confecção de alta qualidade e caráter atemporal para expressar a naturalidade, a beleza e a diversidade da América Latina”, diz a gerente sênior de Marketing da Latam.
Outra preocupação das companhias aéreas é com a exposição dos funcionários a temperaturas bruscamente opostas. As peças da Latam, por exemplo, foram confeccionadas em um tecido com mais elastano na composição, para favorecer a flexibilidade, mas também com um percentual de lã, para facilitar a adaptação a climas diversos. Isso é especialmente útil para os tripulantes, que podem embarcar em uma cidade onde está fazendo calor e desembarcar em lugares com neve.
Conheça uniformes das companhias aéreas pelo mundo
A tendência de convidar estilistas para desenhar uniformes nas linhas aéreas é internacional. Em 2005, a Air France estreou seus uniformes assinados por Christian Lacroix, um símbolo da alta costura francesa. Para expressar uma certa elegância parisiense na roupa das comissárias de bordo, o costureiro combinou luvas de couro vermelhas e lenço de seda no pescoço com vestido e cinto na tonalidade cereja.
Após diversas fusões, a Air France queria que seus uniformes refletissem esse encontro de culturas, mas expressassem a elegância francesa. Cintura fina, ombros, levemente acolchoados, tons de azul e detalhes em vermelho marcam as peças. “Você pode reconhecer uma tripulação da Air France em qualquer aeroporto do mundo” foi a frase de Lacroix sobre o resultado de sua criação. Para isso, o costureiro desenvolveu uma coleção com cerca de cem peças que podem ser combinadas entre si.
A Turkish chamou o estilista italiano Ettore Bilotta para dar corpo à mudança de uniformes na celebração de seu 85º aniversário. A tripulação de voos de longa distância veste os novos modelos desde agosto do ano passado. Em cinza e vermelho, foram inspirados em detalhes clássicos da cultura turca, como as correntes do Bósphoro e os artigo feitos por artesãos locais em vidro, cerâmica e caligrafia.
Comissários de voos dentro da Europa e da Ásia usam outros modelos, desde setembro de 2018. Confeccionadas pela Vakko, uma das maiores marcas de moda turca, as peças também se alternam nas cores da companhia, resultando em uma unidade tradicionalmente vista nas coleções em desfiles de moda.
A Air Canada fez sua mais recente mudança de uniformes em 2017, ocasião em que o país inteiro celebrou os 150 anos do Canadá. O canadense Christopher Bates foi encarregado da missão de vestir 7,1 mil comissários, 3,9 mil funcionários de aeroportos, 1,1 técnicos de aeronave e 5 mil funcionários de terra (entre eles, carregadores de bagagem e agentes de carga). Além do círculo com a folha de maple, símbolo da companhia, o estilista de Vancouver usou toques de vermelho nas gravatas e nos lenços de comissários, vestidos com peças elaboradas em tecidos como lã e seda na tonalidade cinza-carvão.
Em 2019, a United anunciou a entrega progressiva dos uniformes para cerca de 70 mil funcionários – no momento, a companhia aérea está testando as novas roupas de aproximadamente 1,3 mil pilotos, comissários e representantes de atendimento ao cliente. Com a troca, a empresa busca uma coleção coesa, com tecidos de alta qualidade e respirabilidade aprimorada. Os novos modelos têm o mesmo tom de azul como base, mas ganham nuances em uma outra tonalidade de acordo com a função – por exemplo, roxo para comissários de bordo e turquesa para atendimento ao cliente. Os funcionários da United participaram de todas as etapas do processo de criação.
A American Airlines também está terminando o longo processo, que começou em 2017, para a criação dos uniformes com lançamento previsto para março deste ano. A companhia aérea americana ouviu os funcionários representantes de várias áreas. Os comissários, por exemplo, votaram até no número de listas do blazer novo (serão duas vermelhas). Claro que questões práticas, como posição de bolsos e tecidos das roupas, também foram levados em conta.
Com traços simples e aparência moderna, os uniformes da KLM ganharam detalhes em laranja, lembrando as raízes holandesas da empresa. A cor é vista na costura da jaqueta e no lenços das comissárias. Uma curiosidade: atenta à sustentabilidade, a KLM recicla os uniformes descartados. O tecido vira carpete de aviões e também foi usado na fabricação dos produtos comemorativos dos 100 anos da companhia, em 2019.
Para criar o uniforme usado desde 2010 por sua equipe, a KLM convidou o holandês Mart Visser. Ele desenhou os modelos que substituíram a antiga coleção, da estilista francesa Nina Ricci. O costureiro inovou incluindo a opção de calça comprida para as mulheres pela primeira vez na empresa.
A Copa Airlines também convidou uma designer do país da companhia, o Panamá, para criar os modelos atuais. Lançados em 2011, foram concebidos pela panamenha Michell Zarak.
Desatentos até podem imaginar que roupa de companhia aérea é tudo igual. Mas basta notar os detalhes de corte e cores para ver que não. Na Emirates, por exemplo, a areia do deserto está representada no tom vege dos uniformes. O vermelho da marca entra no chapéu, no batom e no esmalte das comissárias (a cor nas unhas é opcional; pode ser também transparente ou francesinha).
O uniforme das comissárias de bordo da Emirates talvez seja um dos mais marcantes. O icônico chapéu vermelho inclui um cachecol de seda branca ao redor do pescoço. Usado desde 1985, ele lembra aos passageiros de onde vem a empresa. “Somos uma companhia aérea internacional sediada no Oriente Médio e esperamos que nosso uniforme seja conservador e respeite a área em que vivemos”, informa a Emirates, por sua assessoria de imprensa. Usar o famoso chapéu, aliás, exige ciência. A altura do coque determina o ângulo do acessório na cabeça: se inclina demais, o penteado está muito alto.
Na categoria vestimenta tradicional, a Trachten-crew da Lufthansa, ou tripulação vestida ao estilo da Oktoberfest, faz o maior sucesso com o público em partidas de Munique durante o outono alemão. Durante o período da maior festa da cerveja do mundo, a tripulação usa as roupas típicas em determinados voos, sendo dois de longa distância. Por ser um traje tradicional da Baviera, esse uniforme temático da Lufthansa é um dos poucos em que a roupa masculina de fato ganha uma versão diferente, ao lado da feminina.