Algo de moderno no reino da Dinamarca

Do castelo onde Shakespeare ambientou seu ‘Hamlet’ ao design mais surpreendente,o país celebra seu legado, sua ligação com o mar e a admirável qualidade de vida

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Por Valmar Hupsel Filho COPENHAGUE
Atualização:
Na capital Copenhague, 55% dos habitantes usam bicicleta para ir ao trabalho Foto: Divulgação

A noite continua fria no Castelo de Kronborg, como aquela descrita pelo escritor William Shakespeare na abertura de Hamlet. Nos meses de julho a setembro, no entanto, não anoitece por completo e a temperatura costuma ser mais amena – durante o dia, em torno dos 20 graus. É a melhor época para visitar a Dinamarca – o reino milenar que se transformou numa sociedade com um dos maiores graus de bem-estar social do mundo, e que dialoga com o que há de mais moderno na arte, no design, na culinária e na sustentabilidade, mantendo, em seus castelos e no jeito de ser de seus súditos, forte identidade própria enraizada na tradição viking.

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O Castelo de Kronborg (oesta.do/kronborgcastle) fica em Helsingor, uma vila de pescadores a 30 quilômetros do centro da moderna capital, Copenhague. É uma fortaleza real construída em 1420 no estreito de Öresund, o trecho mais próximo – apenas 4 quilômetros de largura – entre a Dinamarca e a Suécia. Foi erguido para defesa e cobrança de impostos dos barcos que por ali tinham de passar para levar seus produtos aos países banhados pelo Mar Báltico.

Em uma visita guiada (R$ 45) ao castelo, considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, é possível circular pelas dependências e mergulhar nas histórias de reis, rainhas e conquistas, escritas em tapetes com fios de ouro. Você pode também ouvir relatos detalhados das famosas e intermináveis festas que aconteciam por dias seguidos em salões de mais de 60 metros de comprimento.

Com sorte, o visitante pode topar com uma encenação ao vivo de Hamlet. A história do príncipe atormentado por seus fantasmas é ambientada no castelo. Há rumores, não comprovados, de que Shakespeare passou por ali. Sob esta aura, grupos de teatro usam as locações originais para encenar a peça.

A proteger o castelo, os canhões ainda estão lá, apontados para o mar… e para a Suécia. Mas o reino vizinho, histórico inimigo de sangrentas guerras, hoje não oferece perigo. A relação entre os dois países é amistosa, a não ser por uma bem humorada rixa entre os povos.

O Castelo de Kronborg é um dos mais belos e importantes monumentos da Dinamarca, país de 46 mil quilômetros quadrados onde vivem 5,6 milhões de habitantes – só para se ter uma ideia, o Estado de São Paulo tem 248 mil quilômetros quadrados e 44 milhões de almas.

Se o castelo inunda o turista de história e literatura, para os habitantes, principalmente os mais velhos, é um monumento às navegações – atividade fundamental na construção do país, desde os vikings conquistadores de territórios ao atual transporte de cargas. A relação estreita do povo dinamarquês com o mar ganhou o Museu Marítimo (R$ 55), um prédio construído ao lado do Castelo de Kronborg, uma atração para quem curte arquitetura moderna.

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Para não agredir a bucólica paisagem no entorno do castelo, o Museu Marítimo, inaugurado há dois anos, é subterrâneo. Não aparece para quem está do lado de fora. Por dentro, suas linhas modernas são um deleite. Seu restaurante oferece uma surpreendente, deliciosa e saudável comida, à base de peixe, algas, frutas e o tradicional sanduíche aberto no pão de centeio (smorrebrod).

Ali, a história dinamarquesa é contada a partir de sua principal especialidade. É possível entender por que o pequeno reino da Escandinávia virou potência econômica graças à sua navegação.

Castelo de Kronborg, onde Shakespeare ambientou 'Hamlet' Foto: Divulgação

Castelo de Broholm

No sul da ilha de Funen (cerca de 150 quilômetros do centro de Copenhague) é possível ter a nobre sensação de dormir em um dos aposentos do Castelo de Broholm (diária a partir de R$ 895 para o casal; broholm. dk), uma construção datada de 1320. O castelo pertence à mesma família há 40 gerações – a criadora da famosa raça de cães dinamarqueses broholmer.

O castelo foi transformado em uma idílica pousada incrustada na floresta e cercada por um lago em forma de meia-lua. Os 16 apartamentos são de tamanhos e características diferentes entre si. 

O cenário de contos de fadas é apreciado por casais e famílias em busca de sossego. Seus amplos gramados, salões e o restaurante onde é servida a nova cozinha nórdica, com ingredientes locais, também são usados para eventos como casamentos e conferências.

Castelo de Egescov

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Também no sul da ilha de Funen, o castelo de Egescov (egeskov.dk/en) ergue-se imponente de dentro do lago, ligado por pontes a imensos jardins desenhados. Com entrada a R$ 90, pode-se fazer uma visita guiada, conhecer os aposentos e coleções de armaduras de tamanho natural e de carros antigos. No entorno, em dias de sol, os jardins são muito usados para piqueniques. 

É possível pernoitar no aristocrático Castelo de Broholm Foto: Divulgação

Remar, controlar velas e descobrir o legado viking

Em um contraponto à postura vanguardista urbana de Copenhague, quem deseja conhecer a tradicional cultura viking tem a oportunidade de se sentir como tal no Viking Ship Museum (30 quilômetros do centro; vikingeskibsmuseet.dk/en). Com ingresso a R$ 57, o visitante entra no universo dos milenares navegadores da região, pois é convidado a colocar a mão na massa. 

Aprende, por exemplo, a fazer os famosos nós de marinheiro e a cortar madeira para a construção dos barcos, além de, literalmente, remar e controlar as velas. Crianças podem participar da farra, pois o passeio de barco oferece segurança e guias treinados.

O museu dispõe ainda de uma exposição de variados tipos de barcos vikings, característicos de diversas épocas, que naufragaram e foram retirados do mar e restaurados. O restaurante que faz parte do complexo, o Café Knarr, oferece versão moderna da comida tradicional, como o sanduíche aberto, o smorrebrod, recheado de ingredientes locais e frutos do mar.

A tradição viking sobrevive - nos costumes e nas representações para os turistas verem Foto: Divulgação

ONDE VIVER BEM É A REGRA

A imagem estereotipada do viking como o guerreiro nórdico tipo Hagar, o barbudo personagem das tiras publicadas em vários jornais pelo mundo, perde-se no primeiro momento em que se respira o ar de Copenhague. Com pouco mais de 500 mil habitantes, a capital da Dinamarca é a expressão maior da cultura de um povo receptivo, regido pelo janteloven, código informal de conduta fundamentado na equidade entre as pessoas e no respeito ao próximo, e pelo hygge, estilo de vida dinamarquês baseado no bem-estar social.

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Tivoli é o parque mais querido dos moradores de Copenhague, pelos brinquedos e a vida ao ar livre Foto: Divulgação

A soma dos dois conceitos orienta claramente todo o cotidiano dinamarquês, desde a construção de um prédio até a relação entre as pessoas. O resultado é a intenção de, nos mínimos detalhes, oferecer uma sensação generalizada de bem-estar. É assim que se é recebido pelos habitantes locais. 

Não por acaso, a população de Copenhague exibe elevada taxa de consumo de alimentos orgânicos e de reciclagem e reaproveitamento de materiais. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da Dinamarca é um dos maiores do mundo. 

Um bom primeiro contato com Copenhague é curtir um passeio pelos canais da cidade (R$ 40; visitcopenhagen.com). Em uma hora num barco confortável com orientações do guia em inglês e espanhol, é possível percorrer diversos bairros, inclusive os residenciais – momento em que o guia para de falar em respeito aos moradores. 

No passeio pode-se perceber a variedade arquitetônica da capital. Imponentes prédios antigos – como o The Old Stock Exchange, construído em 1625 – convivem e dialogam harmonicamente com o que há de mais moderno na arquitetura, caso do impressionante The Black Diamond, onde fica a The Royal Library (kb.dk/en). 

O passeio inicia e termina no cais Gammel Strand, a menos de um quilômetro do Tivoli Gardens (tivoli.dk/en), conhecido ponto turístico de Copenhague. Um dos mais antigos parques da Europa e o mais tradicional e visitado da Dinamarca, o Tivoli (R$ 44,50) inspirou tanto Walt Disney a criar a Disneylândia quando o escritor Hans Christian Andersen a escrever uma de suas histórias: O Rouxinol e o Imperador da China.

Localizado no centro de Copenhague, o Tivoli é bastante usado pelos dinamarqueses, que curtem a área verde para um descanso ou um passeio no jardim, o parque de diversões e as variadas opções de restaurantes – a Dinamarca e sua nova cozinha nórdica são conhecidas mundialmente pela qualidade. Um sugestão é o Nimb Terrasse, o mais antigo do parque, que surpreende pela cozinha moderna e de alto nível. 

Duas rodas. A melhor maneira de circular pela cidade, no entanto, é de bicicleta. Copenhague é conhecida mundialmente por suas ciclovias e a grande quantidade de magrelas – há mais bicicletas que carros. Até o príncipe herdeiro Frederico André Henrique Cristiano já foi visto pedalando pelas ruas. 

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são 350 quilômetros de ciclovias planas, segmentadas e bem sinalizadas, ou exclusivas, usadas largamente pela população não só para diversão. Mais da metade (55%) dos moradores usa a bike como meio de transporte para o trabalho. Há highways exclusivas para bicicletas, usadas por quem mora nas cidades satélites para chegar ao centro. E basta se equilibrar um pouco nas duas rodas para perceber porque Copenhague é considerada uma das melhores cidades para o ciclismo. Além de ruas largas e da cordialidade entre ciclistas, motoristas e pedestres, há ainda belíssimas paisagens por entre bairros residenciais bem arborizados e à beira do mar. Existem variadas opções para quem não tem uma bike – entre os moradores, algo bastante raro. O aluguel de uma magrela sai a partir de R$ 25, mas é possível também usar uma free bike, com depósito de R$ 6 no local de empréstimo. O valor é restituído no ponto de entrega. A pé, de bike, de carro ou de barco, Copenhague é um deleite para os sentidos. O design e a gastronomia são destaques mundiais. Além disso, os dinamarqueses são bem receptivos – a ponto de terem o costume de comentar a conversa alheia, sempre com a cordialidade peculiar. 

HANS CHRISTIAN ANDERSEN, CRIADOR DO 'PATINHO FEIO' E DA 'PEQUENA SEREIA'

Todo mundo conhece a história do Patinho Feio. Mas nem todos sabem sobre o homem que, ao se sentir assim, escreveu uma metáfora de alcance universal. Hans Christian Andersen (1805-1875) nasceu muito pobre (e feio) na cidade de Odense, na Ilha de Funen (150 quilômetros de Copenhague). E graças a seu talento para a literatura e artes plásticas, projetou-se mundialmente para se tornar imortal, atemporal. 

Apesar de ter escrito também romances adultos e poesia, foi em contos infantis, como A Pequena Sereia, Soldadinho de Chumbo e seu clássico maior O Patinho Feio, que o autor alcançou fama. É o mais conhecido dinamarquês, mais até que reis e rainhas. Sua presença pode ser vista em diversos lugares e momentos na Dinamarca. 

Em Odense, sua cidade natal, é possível seguir, literalmente, seus passos. As enormes pegadas daquele homem de mais de dois metros de altura estão cravadas nas pedras das ruas. Segui-las é refazer caminhos por onde o escritor realmente circulou e se inspirou para escrever suas histórias: a casa de um cômodo em que morou com os pais na infância, as escolas que frequentou, entre outros pontos de sua trajetória. 

O museu que leva seu nome está à altura da grandeza da personalidade – um tour virtual pode ser feito pela internet (hca.museum. odense.dk/rundtur). Nele, o visitante tem a oportunidade de conhecer o homem, sua história de vida e o amor platônico que viveu contados como um conto de fadas, além de sua magnífica obra.

É possível também conhecer os outros talentos deste artista. Suas ilustrações e recortes, feitos no século 19, impressionam pelo estilo moderno até hoje. Há ainda um teatro interativo, onde não se escapa de ser criança e brincar de viver um de seus personagens. 

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Com ruas estreitas e casas de pedra, a cidade de Odense guarda com riqueza de detalhes a atmosfera da época vivida por Andersen. Mas, a alguns metros dali, a parte moderna da cidade pulsa com arte nas ruas e galerias, lojas de design, bares com jazz, lojinhas com souvenirs e bons restaurantes onde se pode comer o tradicional smorrebrod, o sanduíche aberto de recheios variados sobre o pão de centeio. 

Uma breve caminhada do centro de Odense leva, por exemplo, ao Brandts (brandts.dk) – um complexo de edifícios industriais transformados no primeiro centro internacional de arte e cultura da Dinamarca. Ali pode-se curtir dezenas de variadas exposições e muita arte moderna ao ar livre. 

Ainda é possível fazer um tour de barco pelo Rio Odense, que dá nome à cidade, usado pela população desde o século 18.

FORA DOS LIVROS

As referências a Hans Christian Andersen não estão apenas em Odense, sua cidade natal. As referências ao autor de clássicos dos contos de fada, como O Patinho Feio e A Pequena Sereia também estão espalhadas por toda Copenhague.

Nyhavn. A região portuária é repleta de bares e restaurantes instalados em prédios históricos. Hans Christian Andersen viveu na casa 20, onde escreveu clássicos como A Princesa e a Ervilha, e também na 18 e na 67. A mais antiga da região, contudo, é a 9, que ainda mantém o design do século 17, quando foi construída

A Pequena Sereia. Sentada sobre uma pedra no Píer Langelinje, na região portuária de Copenhague, a sereia de bronze repousa enquanto os turistas não se cansam de fotografá-la. A estátua, inspirada na bailarina Ellen Price, que fez o papel da sereia no Teatro Royal em 1909, foi inaugurada em 13 de agosto de 1913

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Casa dos Contos de Fadas. Esse pequeno museu interativo (H.C.A Eventyrhuset) vem de “brinde” para quem compra o Copenhague Card (que inclui transporte e atrações da cidade) ou a entrada para o Ripley’s Believe it or Not. Ali, as histórias de Andersen ganham efeitos especiais e locução em três idiomas: dinamarquês, inglês e alemão. Radhuspladsen, 57

King's Garden. Conectado ao Palácio de Rosenborg (que também pode ser visitado; royalpalaces.dk), esse imenso jardim foi criado no início do século 17 a pedido do rei Christian IV – e aberto ao público em 1770. Há uma área dedicada apenas às rosas, playground e diversas estátuas espalhadas – entre elas, a de Hans Christian Andersen

COMO IR

Aéreo: São Paulo – Copenhague – São Paulo: R$ 2.545,07 na Iberia (iberia. com); US$ 697,63 pela British (cerca de R$ 2.800; britishairways. com); R$ 3.067 na KLM (klm.com.br). Voos com conexão

Visto: não é necessário

Moeda: R$ 1 equivale a 1,69 coroa dinamarquesa 

Sites: visitdenmark.com; visitcopenhagen.com; visitodense.com

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