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Amor sobre trilhos

Os metrôs do mundo e o nosso próprio metrô

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Por Bruna Toni
Atualização:
As relações de amor e ódio com o metrô da nossa própria cidade Foto: Helvio Romero/Estadão

Dia desses senti algo inusitado ao pegar o metrô. Era sábado de manhã, os vagões estavam vazios e eu não tinha pressa. Ou seja, uma felicidade para quem normalmente anda dentro dele desafiando a física e ocupando, sim, o mesmo espaço de outro corpo.

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Não foi, claro, a primeira vez que encontrei o metrô sem o estresse da superlotação e do meu próprio relógio de compromissos (geralmente atrasado). Me deslocar pela cidade com o transporte público faz parte da minha emancipação adolescente. E, se eu voltar à infância, lembro de como colar o rosto nas janelinhas e ficar contando as estações tentando decorar sua ordem era, por si só, um grande passeio divertido.

O tempo, contudo, levou minhas sensações boas. Quando o metrô se tornou um meio de locomoção cotidiano, eficiente dentro da limitada oferta, mas problemático, nossa relação foi esfriando até virar utilitarista. Ele queria meu dinheiro e me chantageava diante de opções piores. Eu cedia pela necessidade, sempre com a esperança de que nosso encontro acabasse o quanto antes – o que, por vezes, ele prolongava justificando uma pane elétrica. 

Natural que me interessasse mais por quem pudesse atender meus caprichos a (quase) qualquer hora – ainda que isso custasse muito mais. Foi assim que me aproximei do carro. Nunca houve amor, mas é preciso reconhecer que o veículo próprio segurou minhas pontas. E, quando não o tinha, preferi amar com os ônibus. Sempre os achei mais interessantes. 

Ocorre que a vida de viajante me fez rever questões mal resolvidas com nosso metrô. Desde minha primeira viagem, tudo o que faço é andar nos transportes públicos dos outros. E isso inclui andar nos metrôs dos outros. Primeiro porque táxi é algo que nunca encontrou espaço no meu orçamento enxuto. Claro, Uber agora ajuda em situações apertadas. A vontade de descobrir lugares sem estar presa a um carro, porém, é a segunda razão para que eu fuja do volante sempre que possível. 

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Já me meti em muita trapalhada por causa disso. Em Londres, na minha primeira viagem internacional a trabalho, quebrei o puxador da mala ao passar numa das catracas entre o aeroporto de Heathrow e a distante Wembley. Insisti em seguir pelos trilhos e tive de carregá-la nas mãos (muitas) escadarias acima e abaixo. Na recente ida à Rússia, o puxador quebrou novamente nos primeiros dias. Decidi trocar de mala, já judiada, e seguir os planos de andar de transporte público. Me perdi, me comuniquei por mímica, carreguei peso. Tudo virou histórias e dicas aos amigos – além de sair mais barato. 

Lembro bem dos vagões de Buenos Aires, meu primeiro destino internacional, e do quanto me impressionou suas estruturas antigas funcionando satisfatoriamente em 2010. De certa forma, foi o mesmo que senti em Nova York no ano passado: longe do luxo, seu metrô oferece o serviço que todos precisam.

Há os que são eficientes e bonitos. É o caso do metrô de Moscou. Suas 12 linhas e 206 estações funcionam muitíssimo bem, além de serem ponto turístico artístico e histórico: inaugurado em 1935, é um verdadeiro museu (

leia mais sobre ele

). Ainda mais antigo é o metrô de Budapeste, com os segundos bondes elétricos mais velhos da Europa (1896), perdendo apenas para os de Londres (1863).

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A sensação daquele sábado foi um misto de todas essas experiências. O metrô estava vazio e era um dia de passeio, claro. Em tempos de problemas de deslocamento e diante da nossa dependência tragicômica de carros, porém, as viagens me lembraram a sorte que é poder ser turista na nossa própria cidade, usando um transporte público que, ao ser eficiente e democrático, nos permita enxergar suas histórias, curiosidades e belezas. Utópico? Acredito que não. Todo amor pode se reinventar.

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