As marcas e os encantos

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Por Redação
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Diante das árvores de Vermont, testemunhando o mais colorido dos outonos, nosso grande viajante anda inspirado. Veja, a seguir, o tom da correspondência da semana:Dear mr. Miles: entre todos os lugares por onde passou, qual deles o senhor diria que foi mais marcante e encantador? Thank you!Sarah F. Albers, por e-mail"Well, my dear: a sua pergunta é daquelas muito objetivas que, I'm afraid, conduzem a respostas vagas e acabam me levando ao perigoso território da poesia e seus derivados. Já tive a oportunidade, recently, de discorrer sobre o tema, recorrente em diversas missivas. Lugares marcantes, dear Sarah, não costumam ser o mesmo que lugares encantadores. É fortemente marcante, for instance, visitar as ruínas de Auschwitz-Birkenau, onde nossa civilização atingiu o ápice de sua barbárie, ou conhecer, de perto, os campos de refugiados na África e no Oriente Médio. É muito marcante, as well, fazer um tour pela Robben Island, perto de Capetown, lembrando, o tempo todo, que meu saudoso amigo Madiba (N. da R.: Nelson Mandela, estadista sul-africano) ficou ali detido na cela 466/64 por 26 anos, privando a humanidade de sua imensa sabedoria. However, darling, não há encantamento nesses destinos. Sente-se, isso sim, uma necessária indignação, um remorso doloroso que, ao fim e ao cabo, pertence a todos nós, que por força da ignorância de nosso distanciamento seremos, always, cúmplices das tragédias de nossos tempos. As you know, Sarah, pratico a arte de viajar por prazer, mas não escondo, imodestamente, que carrego em minha bagagem a mais cristalina das certezas: quanto mais nos interessamos pela vida dos outros, quanto mais conhecemos povos diferentes que, é claro, são uma extensão de nós mesmos, mais comprometidos nos sentimos uns com os outros. Veja, querida: se você tiver uma amiga de verdade em Alepo (as I do), as cenas de bombardeios naquela cidade vão doer tanto quanto se tivessem ocorrido em seu bairro. Já sobre lugares encantadores, esqueça tudo o que até agora mencionei. Porque o encanto, my dear, é uma confluência de fatos e, nesse sentido, pode nos surpreender nos cenários mais improváveis. Até mesmo - why not? - na mais insípida das ruas de sua cidade. Você vê aquele lugar comum e sem graça pelo qual já passou tantas vezes e eis que um raio oblíquo de luz faz arder de febre uma janela. Uma revoada de andorinhas surge do nada e forma desenhos musicais alaranjados. De repente, uma porta se abre e dela sai a mais loira das crianças com uma cesta de frutas nas mãos. A luz oblíqua também doura a cena. Pronto: está feito o momento encantador. Que pode ser em um bosque alpino, em um rio de Botsuana, um arrozal tailandês ou no deserto do Atacama. A diferença principal, darling, é que quando a gente viaja, os momentos encantadores não são acaso; eles acontecem porque estamos a persegui-los, vamos aos mirantes onde é mais provável encontrá-los e estamos com o coração aberto para percebê-los. Mas, se ainda assim você quer uma resposta objetiva, a primeira cena que me vem à cabeça é um amanhecer que presenciei no vulcão Rano Kau, na Ilha de Páscoa. À minha frente, a cratera de 1,6 mil metros de diâmetro; abaixo, 200 metros de paredes até o fundo, coberto de água e plantas. Naquele dia, refletindo o céu do Pacífico, o fundo do Ranu Kao era, in my opinion, um Atlas de todo o encantamento do planeta. É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO.ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E 16 TERRITÓRIOS ULTRAMARINOS

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