Barcelona no verão: um roteiro de quatro dias entre Gaudí e praias

Cidade da Espanha abre temporada de verão agitada pela política e a busca por sustentabilidade no turismo – e cheia de atrativos, dos traços de Gaudí ao clima de balada das praias

PUBLICIDADE

Por Bruna Toni
Atualização:
Parque Güell: projeto arquitetônico de Gaudí do início dos anos 1900 Foto: Bruna Toni/Estadão

BARCELONA - Irritado,

PUBLICIDADE

Merlí Bergeron

esbraveja contra seu iminente despejo. “É isto que tem essa cidade. Lugares para os turistas, mas não para seus habitantes”, diz à Mossos D’Esquadra, a polícia catalã. Conformado em ter de voltar a morar no apartamento da mãe, o professor de Filosofia sessentão pega as malas e, ao lado do filho adolescente, segue a pé. Desempregado, não tem dinheiro para pagar o táxi em

Barcelona

.

Bergeron é o rabugento, cômico e cativante personagem-título da

série Merlí

, produzida pela TV da Catalunha e exibida pela Netflix. O diálogo entre o professor – vivido pelo ator Francesc Orella – e o policial, logo no primeiro episódio, tem tom cômico, mas expressa um drama real vivido hoje pela população da cidade: a “turistificação”. 

Publicidade

Desde 1992, quando Barcelona recebeu os Jogos Olímpicos e passou por um processo de reurbanização de áreas como a portuária – anos depois, em 2016, o mesmo ocorreu com a cidade do Rio de Janeiro –, o número de turistas só cresceu. Em 2017, dos 82 milhões de estrangeiros que desembarcaram na

Espanha

, 19 milhões tinham como principal destino a

Catalunha

, 5% a mais do que no ano anterior. 

Há motivos de sobra para tanto apelo turístico. A cidade no norte da Espanha tem praias badaladas, que ficam especialmente concorridas agora que começa a alta temporada do verão europeu (

leia sobre elas aqui

Publicidade

). É a casa de um dos principais clubes de futebol da atualidade – o

Barça

de

Messi, Philippe Coutinho e Paulinho

. Sua longa história está preservada e se entrelaça à de artistas como

Joan Miró

e o arquiteto

Publicidade

Antoni Gaudí

, responsável por vários dos seus principais monumentos e cujas obras guiaram parte da minha visita. 

Na primeira quinzena de abril, primavera no Hemisfério Norte, o clima em Barcelona variava dos dias de sol aos de chuva fina. Em ambas as situações, usei transporte público, eficiente e com Wi-Fi gratuito até nos pontos de ônibus – o passe para 72 horas custa 15 euros. Mas a localização da hospedagem permitiu explorar boa parte da cidade a pé: o hotel

Mandarin Oriental

, em funcionamento desde 2009 na avenida

Paseo de Gracia

, está perto da Praça da Catalunha, das Ramblas e das casas projetadas por Gaudí. Praias como a

Publicidade

Barceloneta

estão a 20 minutos de ônibus. 

 

Para quem quer agito no verão, Barcelona reserva 5 quilômetros de orla Foto: Bruna Toni/Estadão

AMOR E DISCÓRDIA

O Mandarin Oriental está entre as opções de hospedagem que ainda permitem ao turista ficar pelo centro. Para conter a onda de supervalorização imobiliária na região, o governo local adotou medidas como congelar as concessões de licenças para novos hotéis e vem tentando combater os aluguéis de temporada ilegais, incluindo aqueles anunciados na plataforma digital mundial Airbnb. 

A principal reclamação de moradores é que o turismo de massa encarece os aluguéis e obriga os locais a mudarem para áreas mais distantes do centro, que são mais baratas. Não é um dilema exclusivo de Barcelona: outras cidades europeias, como Veneza e Berlim, estão diante do impasse de equilibrar o bem-estar de seus habitantes e a renda proporcionada pelo turismo, fundamental para a economia local. Entre a “turistificação” e a “turismofobia”, o desafio é encontrar alternativas sustentáveis.

O mau humor de Merlí com a situação não chegou até mim. É verdade que os espanhóis soam mais diretos e pouco pacientes. Nada que parecesse ser um problema pessoal comigo, turista. O que realmente chegou a mim de maneira surpreendentemente intensa foi outra questão, mais antiga e mal resolvida na Catalunha: a

luta pela independência

Publicidade

do resto da Espanha.

Ruas pintadas, bandeiras nas sacadas, roupas, faixas e gritos de “

llibertat

” durante uma partida de futebol pela

Champions League

a que assisti no estádio

Camp Nou

Publicidade

foram símbolos e palavras de ordem do movimento separatista que fizeram parte da paisagem durante os quatro dias da minha visita. 

Ouça os gritos de 'llibertat' no jogo Barcelona x Roma

Apesar de não ser nada recente, o desejo de se tornar uma nação independente, justificado por questões culturais e econômicas, vem se intensificando na Catalunha desde o referendo de outubro do ano passado, quando 2 milhões de catalães (de um total de 5 milhões) foram às urnas para votar a separação da Espanha. 

O “sim” ganhou com 90% dos votos. De Madri, o governo espanhol não legitimou a votação e a repressão foi violenta. Carles Puigdemont, ex-líder do governo Generalitat – apesar de fazer parte da Espanha, a Catalunha tem certa autonomia desde o fim da ditadura franquista, em 1975 – chegou a declarar a independência da região. Recebeu como resposta a intervenção de Madri e, sem negociação, foi preso na Alemanha em abril, junto com outros nomes separatistas. Por isso os gritos de “liberdade” no estádio.

Em maio, Puigdemont foi solto, mas segue na Alemanha. Quim Torra acaba de assumir o governo catalão com a promessa de tornar a Catalunha uma república independente. Ou seja, o conflito está longe de acabar.

O turista, por sua vez, não precisa tomar partido nesse conflito interno – que, vale ressaltar, divide os próprios moradores. Segui o roteiro dos principais pontos turísticos tentando absorver um pouco das muitas facetas dessa Barcelona em polvorosa, contudo. Em meio ao turbilhão, a cidade parece ainda mais viva.

Ir agora, com tantas questões em aberto, é ter a chance de vivenciar tradições à flor da pele em meio a um clima jovem e descolado. Mesmo a rabugice de um velho professor crítico à realidade que o cerca como Merlí se rende ao encanto jovem de Barcelona – e essa me parece ser sua melhor tradução.

Publicidade

Em tempo: quando contei a um catalão que vi a série no Brasil, ele se surpreendeu. “Até que enfim alguma coisa da Catalunha para o mundo!”, disse, contente, o garçom do hotel onde me hospedei. Disse em castelhano, para que eu pudesse entender.

SAIBA MAIS 

Como ir

: o voo direto SP-Barcelona-SP custa a partir de R$ 4.723,88 na

latam.com

. Com conexão em Madri, sai desde R$ 4.256,65 na

iberia.com

Publicidade

e desde R$ 3.975,44 na

aireuropa.com

. Consulta feita com datas em agosto.

Sites: 

barcelonaturisme.com

e

spain.info.

*A REPÓRTER VIAJOU COM APOIO DE  MANDARIN ORIENTAL E ROYAL CARIBBEAN.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.