Nos passos dos grandes mestres belgas e holandeses

Da Bélgica à Holanda, do surrealismo ao De Stijl, um roteiro de inspiradora beleza nos passos de grandes artistas

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Por Monica Nobrega
Atualização:
Bruxelas Foto: Gabriela Biló/Estadão

De casaco escuro e modos elegantes, o guia Remco Dörr fez um gesto entre o reverente e o engraçado para me dar passagem. Ao entrar na sala de piso de madeira e papéis de parede verdes, dei de cara com A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp. Sem um aviso prévio de que aquela era “a” sala, pega de surpresa pela obra-prima de Rembrandt, senti um indiscreto nó na garganta de emoção.

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Cara a cara com o quadro visto tantas vezes em aulas sobre pintura barroca no Ensino Fundamental, descobri coisas que livros didáticos não contam. Observado a partir do lado esquerdo, o corpo do homem morto que ocupa o centro do óleo sobre tela tem pernas curtas que o fazem parecer um anão. Já a perspectiva desde o lado direito o mostra como um sujeito alongado, alto.

O Mauritiushuis, em Haia, era o último museu de um roteiro de 13 dias pela Bélgica e pela Holanda todo guiado por obras de arte. Em oito cidades, foram 16 museus e galerias, seis ateliês, outros 5 monumentos e demais atrações ligadas às artes, e incontáveis artistas – entre os quais René Magritte, irmãos Van Eyck e Peter Paul Rubens, na Bélgica, além dos holandeses Piet Mondrian, Gerrit Rietveld e o próprio Rembrandt tiveram papel de destaque.

Comemorações. Tanto na Bélgica quanto na Holanda, o mundo das artes tem estado em festa. O ano de 2017 marcou os 50 anos da morte do surrealista René Magritte, aquele que adorava nuvens, maçãs e chapéus-coco e desafiou o próprio conceito de arte ao afirmar que “Isto não é um cachimbo” em seu quadro mais famoso, o desenho de um... cachimbo. Foi para seguir passos de Magritte e, depois, descobrir outros destaques das belas-artes da região de Flanders que visitamos quatro cidades entre Bruxelas e Antuérpia, onde o ano de 2018 é dedicado ao pintor barroco Peter Paul Rubens

Na Holanda, foi o centenário do movimento De Stijl, de Piet Mondrian e companheiros, o fio condutor da viagem. De Stijl é também sobre design – a Cadeira Vermelha e Azul, ícone do arquiteto Gerrit Rietveld, completa 100 anos neste 2018. Por isso, o contemporâneo design holandês, que tem seu epicentro na Academia de Design de Eindhoven, entrou no roteiro.  Arte holandesa, por sua vez, é também sobre Vermeer, além do próprio Rembrandt, o que colocou no radar Haia, a cidade mais importante do país (sim, mais que Amsterdã) do ponto de vista administrativo.

Foram dias de descobertas estéticas entre cidades medievais com estilo de vida do século 21. Lojas de fast-fashion internacionais, como se espera da Europa. Naves espaciais arquitetônicas que impõem o novo e fraturam a unidade visual das paisagens. Os escuros e claros, bonitos e feios, a forma e o conteúdo da arte transpostos para a vida.

E transpostos também para a cozinha. Tanto em restaurantes antigos servindo farta comida tradicional quanto nas pretensões de jovens cozinheiros a fim de reinventar a gastronomia com suas declaradas releituras. A beleza, neste roteiro, também põe mesa. Arte, por que não? Há outras coisas que, como A Lição de Anatomia, podem depender do ponto de vista.

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Bruxelas Foto: Gabriela Biló/Estadão

Bruxelas: vida e obra de Magritte

Embora pensasse à frente de seu tempo – que o diga o cachimbo da discórdia, mais detalhado adiante –, René Magritte era um homem de seu tempo. Um pouco entediado, um pouco desiludido, um perfil comum de se encontrar naqueles anos de ressaca da 1.ª Guerra Mundial, era um frequentador assíduo de um certo Taverne Greenwich. O pintor ia para jogar xadrez, algo que se faz até hoje nesse bar-restaurante, e onde também se comem, atualmente, moules et frites (mariscos e batatas fritas) a partir de 12,90 euros.

Magritte morou também em Paris, onde foi amigo do poeta André Breton – autor do Manifesto Surrealista que, em 1924, deu o pontapé inicial do movimento artístico de mesmo nome. De volta a Bruxelas, Magritte tornou-se um dos artistas belgas de maior expressão no mundo. Sua morte completou 50 anos há pouco, data lembrada com eventos e exposições. A mostra em cartaz no interior do Atomium, construção em formato de átomo de ferro que é ícone de Bruxelas, ainda pode ser visitada até setembro.

O ponto principal do roteiro Magritte em Bruxelas é o museu que leva seu nome, e que fica no complexo dos Museus Reais de Belas Artes da Bélgica, no centro da capital. Inaugurado em 2009, tem 230 pinturas, desenhos e colagens do artista, o maior acervo no mundo. É onde está um de seus mais belos trabalhos, o famoso La Magie Noire, de 1945, no qual uma figura feminina se funde com as nuvens e o céu azul característicos de várias obras de Magritte. Como boa parte do acervo, este quadro foi doado pela mulher do artista, Georgette Berger (1901-1986). 

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O museu tem também réplica de A Traição das Imagens (1929), que ficou conhecido pela frase “isto não é um cachimbo” impressa abaixo da imagem de um cachimbo. Trata-se de uma réplica porque o original pertence ao Lacma, de Los Angeles, nos Estados Unidos. O quadro provocou debates sobre a arte como representação; até o filósofo francês Michel Foucault escreveu um ensaio e publicou livro sobre o assunto, em 1973, tomando Magritte como inspiração. 

Ainda no Museu Magritte, veja outro quadro famoso, O Império das Luzes (1954), antes de seguir para a próxima parada: a Casa Magritte. O imóvel de três andares onde o pintor viveu com Georgette durante 24 anos é aberto à visitação pública. A mobília original, a minúscula cozinha, o gracioso banheiro e o ateliê de Magritte, no fundo do terreno, estão intocados. Foi aqui, neste bairro a cerca de 7 quilômetros do centro (pegue o ônibus 93) que o artista pintou O Império das Luzes. Repare nas fachadas não idênticas, mas similares da residência real e de sua representação.

Torre Eiffel belga. O Atomium é o principal monumento de Bruxelas. É a Torre Eiffel da capital belga: uma construção extravagante que foi projetada para a Exposição Mundial. No caso, a de 1958. Está completando 60 anos neste 2018. 

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O prédio todo prateado foi projetado como uma representação do átomo de ferro, uma forma de homenagear a abundância da indústria belga de ferro e aço da época. Parte das nove esferas são visitáveis; uma delas tem acesso por um túnel de luzes. Dentro, entre outras mostras, a exposição Magritte – Atomium Encontra o Surrealismo vai até 10 de setembro. Nela você descobre, entre outras coisas, uma suposta ligação entre Magritte, os Beatles e Steve Jobs. Assim: a maçã que forma o logotipo dos computadores e celulares Apple teria sido inspirada no estúdio musical dos Beatles cujo nome, por sua vez, Paul McCartney teria tirado das maçãs verdes que aparecem em várias telas de Magritte. 

Bruxelas Foto: Gabriela Biló/Estadão

Mais para ver em Bruxelas

Galerie de la Reine  O suntuoso centro comercial tem para Bruxelas a mesma importância da Galeria Vittorio Emanuele para Milão, na Itália – mas foi inaugurado quase duas décadas antes, em 1847. É onde estão as grifes feitas à mão mais exclusivas da Bélgica, como as bolsas Delvaux, criadas em 1829, e as rendas da Manufacture Belge des Dentelles, de 1810. Repare na cobertura de vidro da galeria, original do século 19. Chocolateria Neuhaus  A fábrica de chocolates existe há 160 anos. Ficou famosa pelo praline, um biscoito de açúcar coberto de chocolate que é uma das iguarias típicas de Bruxelas, também criado para a Exposição Mundial de 1958. Na loja da Galerie de la Reine é possível participar de uma oficina para aprender a fazer seus próprios chocolates. A brincadeira custa 35 euros, e você sai de lá com uma sacolinha de bombons e barras.

Maneken Pis Para não dizer que foi até Bruxelas e não viu o dito-cujo, siga para a esquina da Rue de L’Etuve com a Rue du Chêne para ver o boneco de bronze de 61 centímetros de altura que faz um xixi eterno. Avisos: um, a depender do dia da semana, a escultura estará vestida; seu guarda-roupas tem mais de 800 modelos. Dois, a imagem na esquina é uma réplica de 1965; o Maneken verdadeiro, de 1619, está exposto no Museu da Cidade de Bruxelas (8 euros), a duas quadras, na deslumbrante Grand-Place.

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