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Busca pela natureza em viagens sustentáveis

Após isolamento, destinos ao ar livre são a tendência. Empresas de turismo combatem uso de plástico e criam experiências no meio ambiente

Foto do author Nathalia Molina
Por Nathalia Molina
Atualização:

Inovação e sustentabilidade nas viagens são o novo normal. Ou deveriam ser, segundo a Organização Mundial do Turismo. Ao lado das medidas sanitárias e econômicas já tomadas pelas empresas, a entidade recomenda a transição para um turismo mais eficiente, com baixa emissão de carbono, e a construção de um setor sustentável, com experiências de qualidade oferecidas ao viajante e dados para planejamento.

Bonito é referência em aliar viagem e preservação ambiental; na foto, flutuação em refúgio do Grupo Rio da Prata Foto: Daniel de Granville/Photo in Natur

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No Brasil, a crise no turismo resultante da pandemia pode ser uma oportunidade para a promoção de viagens mais sustentáveis, dizem especialistas ouvidos pelo Estadão. Depois de um longo período de isolamento, há um interesse de viajantes por destinos na natureza e perto de casa, onde possam ir de carro.

“As pessoas estão há muito tempo longe de ambientes naturais. O ecoturismo promove segurança, impacto positivo e bem estar a todos”, afirma Gabrielle Monteiro, gerente de Marketing da Pisa Trekking, especializada em roteiros de aventura. “Além de trazer mais segurança à viagem, porque já trabalha com grupos pequenos, atividades ao ar livre e hospedagens em pousadas menores, o ecoturismo gera impacto positivo no meio ambiente e renda para comunidades tradicionais.”

Trilhas e escapadas devem ser o primeiro tipo de viagem a voltar nesse segmento. “Essa é uma tendência muito forte. É um cenário que já conseguimos enxergar, no qual temos investido nossos esforços”, diz Gabrielle. Os pacotes da Pisa para lugares perto de São Paulo vão da adrenalina de Brotas, com passeios radicais, à calmaria do Vale do Ribeira, hospedado no Paraíso EcoLodge.

Perto de Sâo Paulo, Pisa Trekking tem pacotes com hospedagem em lugares calmos como o Vale do Ribeira Foto: Paraiso EcoLodge

Sonia Werblowsky, diretora da Freeway Viagens, já lista destinos distantes entre os mais procurados por clientes da operadora especializada em natureza: Monte Roraima, Chapada das Mesas (Maranhão), Alter do Chão (Pará), Fernando de Noronha (Pernambuco), Península do Maraú (Bahia) e Bonito (Mato Grosso do Sul). “Viagens aéreas pelo Brasil, para destinos de natureza e com os devidos protocolos de biossegurança, têm movido as pessoas a fazerem suas aquisições conosco”, diz Sonia. “O momento (pandemia) tocou a todos. Estamos nos dando conta de que a sustentabilidade socioambiental é o que vai garantir uma vida melhor daqui pra frente.”

Preservação ambiental em Bonito

Bonito já era referência nacional em conciliar viagens e cuidado com a natureza, bem antes da pandemia. “O limite de visitação é extremamente importante para controle e preservação do meio ambiente”, diz Nelson Izidoro Chemin Junior, administrador do Aquário Natural, que recebia em torno de 1,5 mil pessoas por mês para curtir flutuação, tirolesa e trilha, entre outras atividades.

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Proprietário dos espaços Recanto Ecológico Rio da Prata, Lagoa Misteriosa e Estância Mimosa Ecoturismo, o Grupo Rio da Prata também oferece flutuação e trilhas, além de passeios a cavalo e visitas a cachoeiras. “Temos o compromisso de praticar o ecoturismo, a agropecuária e ações socioambientais visando a conservação e proteção dos recursos naturais. Realizamos ações ambientais como plantio em fazendas da região e doação de mudas para ONGs”, afirma Luiza Coelho, diretora de sustentabilidade do grupo. No início do ano, a empresa adquiriu um barco movido a energia solar, que permite realizar passeios com emissão zero de poluentes na água e no ar, e inaugurou uma fábrica de biofertilizantes em agosto.

Em Bonito, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Mato Grosso do Sul (Sebrae/MS) desenvolve um trabalho para a retomada das atividades locais. “A percepção relacionada à sustentabilidade já era bem madura entre a maior parte dos empresários. O Sebrae trouxe para o destino a possibilidade e a viabilidade de realizar com mais segurança o retorno das atividades turísticas, atendendo a preocupação relacionada à saúde e à segurança dos trabalhadores, dos clientes, da comunidade local”, explica Matheus Oliveira, gerente da Regional Oeste do Sebrae/MS.

Tirolesa e trilhas também podem ser aproveitadas no Aquário Natural, em Bonito Foto: Aquário Natural

O Sebrae/DF também vem capacitando donos de negócios entre 30 e 60 quilômetros de Brasília. “A gente está criando experiências alternativas ao que o brasiliense ia buscar na África do Sul, na Argentina ou na Espanha, adaptando a oferta que já existe. O entorno de Brasília é riquíssimo do ponto de vista natural”, diz Jaqueline Gil, fundadora da Amplia Mundo, consultoria parceira do projeto. “No Brasil, existe uma oportunidade desperdiçada perto dos grandes centros. Agora é o momento de criar experiências inclusivas e atentas ao futuro, com reciclagem de lixo e uso de energia solar”, afirma Jaqueline, também professora colaboradora da Universidade de Brasília (UNB) na área de tendências futuras e pesquisadora no Laboratório de Estudos de Turismo e Sustentabilidade (LETS) da instituição.

No Airbnb, destinos até 300 quilômetros de cidades maiores estão entre os mais buscados para aluguel. A plataforma registrou aumento em maio na procura por casas de campo ou de praia e chácaras em lugares como Juqueí (no litoral norte paulista) e Domingos Martins (na serra capixaba).

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Conhecer para preservar a natureza

“O turismo precisa ser visto como uma ferramenta de preservação ambiental, já usada muito bem assim na Costa Rica, por exemplo”, diz Jaqueline, da Amplia Mundo. “Agora é hora de ter um laboratório de big data feito pelo governo para saber exatamente o que o viajante está pesquisando online.”

Para Pedro Lira, representante do Brasil na World Urban Parks (WUP) e especialista do United Nation Office for Planning Services (UNOPS), o turismo sendo feito de forma responsável é um aliado da conservação tanto da natureza quanto das comunidades. “A alternativa a isso são as queimadas, pressões agrícolas, extrativismo e caça”, afirma o profissional, há cerca de dez anos trabalhando com projetos que unem sustentabilidade econômica e ambiental.

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Sócio da Natureza Urbana, escritório de arquitetura, urbanismo e planejamento estratégico, Lira fez estudos técnicos para mudar a cara do Parque Estadual das Águas Quentes, no Mato Grosso, com o aproveitamento dos recursos naturais e termais. “A ideia é fazer um novo conceito para o hotel que tem lá, e não ser um resort a mais. O projeto inclui outros tipos de acomodação, como cabanas, chalés integrados à natureza, trilhas para explorar cachoeiras e a valorização das águas quentes, que são um fator único do lugar.” Uma concessão do governo do Estado prevê ceder o parque para uma empresa privada fazer as obras necessárias e cuidar da operação por 30 anos.

“O Brasil sempre é abordado como um dos países que mais tem potencial de turismo na natureza não exercido. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) tem 13 anos de criação, enquanto o sistema nacional americano tem mais de 100 anos. Lá se criou uma cultura muito forte. São mais de 300 milhões de visitas por ano. Aqui pouca gente sabe que Jericoacoara é um parque nacional, que Ilhabela é um parque estadual. É como dizem ‘é preciso conhecer para se conservar’.”

Iniciativa comprofissionais de várias áreas, Documenta Pantanal busca registrar e divulgar a cultura e a natureza da região Foto: Luciano Candisani

Pensando em dar visibilidade ao bioma e em promover sua preservação, foi criada há pouco mais de um ano a Documenta Pantanal, com a participação de empresários de turismo, ambientalistas e profissionais de artes visuais. A iniciativa registra e divulga a cultura e a natureza da região, por meio de exposições fotográficas, publicação de livros e produção de filmes, entre outras ações. “O turismo é uma grande e eficaz saída para aquela região. E lá tem gente especializada, muita pousada boa”, afirma Mônica Guimarães, diretora executiva da Documenta Pantanal, que se apaixonou pelo destino quando esteve no Centro-Oeste para a produção de Ruivaldo, documentário com direção de Jorge Bodanzky e codireção de João Farkas, sobre o assoreamento nos rios do Pantanal. “Fui fazer um filme e não tirei mais o pé de lá.”

As queimadas do norte do Pantanal não haviam migrado para a parte sul, onde fica o Refúgio Ecológico Caiman, em Miranda, no Mato Grosso do Sul. “A seca neste ano está pior”, diz Roberto Klabin, proprietário do hotel, lamentando a reviravolta sofrida pelo bioma: “O Pantanal até a pandemia estava caminhando para se tornar esse destino de observação de fauna. É a nossa planície africana, inundável.” Dentro do hotel, funcionam projetos como Onçafari e Arara-Azul, de conservação e contemplação dos animais locais.

A mudança de cultura entre proprietários da região, segundo ele, já é visível. “Dentro do Pantanal, estão desenvolvendo e percebendo que uma propriedade pantaneira tem de ter uma visão holística. Não apenas ter uma propriedade que te dê o máximo da produção de gado, mas possa acomodar outros tipos de atividades e turismo ecológico”, conta. Klabin diz que, embora falte uma estrutura que facilite o acesso a destinos de natureza no Brasil, acredita no interesse dos brasileiros por esse tipo de viagem no cenário pós-pandemia. “Não tenho a menor dúvida de que o brasileiro vai começar a reconhecer as maravilhas do seu País.”

Combate ao uso de plástico nos hotéis

A Associação Roteiros de Charme acaba de aderir ao Global Tourism Plastic Initiative, programa das Organização das Nações Unidas (ONU) para reduzir o uso de plástico no setor de viagens. “O problema da poluição interliga turistas, economias e populações ao redor do mundo. Os impactos sobre a biodiversidade e sobre o sistema climático são sentidos igualmente de forma global nos oceanos e continentes”, diz Helenio Waddington, presidente da Associação Roteiros de Charme, que reúne 73 hotéis, pousadas e refúgios ecológicos em 64 destinos do País. “A iniciativa busca envolver toda a cadeia produtiva do turismo para influenciar empresas, governos, associações e ONGs a tomar ações, dando o exemplo na mudança para uma economia circular no uso de plásticos.”

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Anavilhanas Jungle Lodgemantém projeto social com população ribeirinha da Amazônia Foto: Associação Roteiros de Charme

A valorização da sustentabilidade entre empresas e viajantes era crescente, diz Monica Samia, CEO da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), que, desde 2012, valoriza ações do setor no Prêmio Braztoa de Sustentabilidade. “Era um movimento que já estava se delineando e que ganhou força nos últimos meses. A pandemia está mudando o comportamento da humanidade e os valores das pessoas. E isso inclui o turismo.”

A eliminação do plástico também cresceu de 73% para 92% entre os integrantes da Brazilian Luxury Travel Association (BLTA), com 43 hotéis, resorts, pousadas e operadoras de luxo. Os dados surgiram na pesquisa realizada para o anuário da associação, com lançamento previsto para outubro. Projetos de apoio às comunidades subiram de 47% (em 2018) para 58% (em 2019).

Responsabilidade social e experiências genuínas

Entre os integrantes da Roteiros de Charme, iniciativas de suporte à população no entorno são comuns. Por exemplo, o Anavilhanas Jungle Lodge, na Amazônia, ajuda na melhoria da educação de populações ribeirinhas. O hotel colaborou com a instalação de fossa ecológica, de sistema de energia solar e de uma biblioteca na escola local. Já o Ronco do Bugio Pouso e Gastronomia usa ingredientes de produtores locais e emprega moradores de Piedade, cidade no interior paulista onde o empreendimento se localiza.

Para Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Serviço Social do Comércio no Estado de São Paulo (Sesc-SP), o turismo depois da pandemia só poderá ser encarado pelo seu viés social. “As comunidades que recebem os turistas podem fazer desse encontro uma oportunidade de fortalecerem suas identidades e compartilharem suas visões de mundo”, afirma. “Pode jogar luz sobre questões como a desigualdade socioeconômica entre as populações, como os desafios implicados na valorização da diversidade cultural, como a crise das grandes cidades”, diz.

O Sesc-SP promove a prática do turismo social, conceito implantado pela instituição no Brasil há 70 anos, com a organização de viagens para destinos pouco explorados pelo mercado convencional. “São roteiros riquíssimos do ponto de vista de nossa formação histórico-social, como a região das Missões Jesuíticas, no Rio Grande do Sul, ou temáticos, como a excursão Caminhos Drummondianos, que apresenta a cidade mineira de Itabira e sua relação com o poeta Carlos Drummond de Andrade.”

Viagens de um dia também estão entre as organizadas pelo Sesc por todo o Estado de São Paulo. “Realizamos esses passeios há mais de 20 anos, focando na característica que será comum no pós-pandemia: a valorização do local, do regional”, afirma.

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Segundo Francisco Barbosa do Nascimento Filho, professor do curso de Turismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a sustentabilidade é uma característica intrínseca ao setor de viagens porque a atividade deveria “sustentar o lugar onde é realizada”, fortalecendo a população do destino e preservando o meio ambiente em seu entorno. Ele defende que empresários desse segmento devem se atualizar em relação às boas práticas.

“Quem não fizer isso vai continuar no turismo dos anos 1970 e 1980. Se a pessoa for visitar um lugar e ele continuar do mesmo jeito, deixou explícito que está obsoleto. A covid-19 deu a oportunidade de mudança”, afirma. A pandemia, segundo ele, é uma pausa que deve ser aproveitada por empresas e destinos para repensar sua atuação.

Dias de descanso no litoral do Ceará, no Jaguaribe Lodge são sem TV e com muito charme Foto: Marcelo Isola

Para Célian Chaufour, sócio administrador de dois hotéis na cearense Fortim, o Jaguaribe Lodge & Kite e o Vila Selvagem, o turismo já vem se transformando há alguns anos. “As pessoas estão buscando mais do que um destino, buscando viver experiências. Não temos TV nos bangalôs do Jaguaribe, e elas adoram. No Vila Selvagem, gostam porque podem ter a exclusividade e, ao mesmo tempo, contato com as coisas simples, como estar ao lado de uma praia de pescadores”, conta. “A pandemia fez aflorar ainda mais o que os viajantes já desejavam. Passaram a valorizar a vida, o contato com a natureza, a história das pessoas. E o Brasil é muito rico.”

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