15 de junho de 2020 | 03h00
Caro pelado, venho por meio desta pedir que vossa excelência experimente uma peça revolucionária do vestuário masculino: a cueca. Digo isso, por pura preocupação com sua integridade física. Da minha janela, vejo que desfila uma espécie de “ponto e vírgula” pela sala. Cuidado! Seu simpático cachorro pode confundir o seu discreto sinal gráfico com um petisco. Pensa, prezado pelado, os hospitais andam cheios e, definitivamente, não é uma boa hora para passar por uma emergência.
Atenciosamente
O incrível Hulk
Caro entregador, venho por meio desta externar minha preocupação com sua saúde. Tenho notado um pronunciado cheiro de cigarro nas embalagens que envolvem minhas refeições. Ora, não me lembro de ter pedido o escondidinho de tabaco ou o filé especial à narguilé. Um dia desses, inclusive, o cheiro estava um pouco diferente do usual e, ao abrir a embalagem, tive uma vontade irrefreável de rir. Neste dia, veja só, repeti o mesmo pedido duas vezes.
Atenciosamente
Caríssima garrafa de uísque, venho por meio desta humilde correspondência pedir que não se vá. Posso não ser perfeito, mas tenho me esforçado em ser um bom anfitrião. Fique por mais uns dias, por mais um mês se puder. Não seja assim tão seca comigo. Não se evapore da minha vida assim tão de repente. Nosso relacionamento tem sido responsável e adulto. Só mais uns goles, meu amor. Não adianta fugir agora. As fronteiras estão fechadas. Sua Escócia é aqui na minha casa.
Sobriamente
Caro negacionista, venho por meio desta desejar uma belíssima jornada aos confins da Terra Plana. Não tenha pressa em voltar. Leve tudo o que precisar para viver na bordinha do planeta. Só não esqueça também de uma blusinha extra. Dizem que por lá a neve deixa a paisagem parecida com a de Caruaru. Não vá pegar uma gripezinha à toa. Tomei a liberdade de arrumar sua nécessaire, coloquei suas cloroquinas e aquela mamadeira de formato estranho que você tanto gosta. Boa viagem.
Atenciosamente
Cara ansiedade, venho por meio desta pedir, encarecidamente, para que se controle. Qual a necessidade de flexibilizar agora? Jura que você está se arrumando para visitar uma concessionária? O que de tão interessante pode existir em uma concessionária? Até onde eu sei, você não sabe dirigir. Você não tem nada pra ver lá. Eu sei, eu sei, eles têm uma água aromatizada com pepino que é uma delícia, mas isso não justifica sair de casa. Ir ao shopping? Pra quê? Saudade de escada rolante? De experimentar roupas que não vai comprar? De tentar se enfiar dentro de uma calça jeans que nunca vai servir? Amiga ansiedade, em algumas culturas a senhora é chamada de “fogo no rabo”. E, agora, entendo o motivo. Aquiete-se, respire e fique em casa. Ah, antes que eu me esqueça: assintomático é a mãe.
Atenciosamente
Cara caixa de supermercado, venho por meio desta informá-la que não, não coleciono selos, que não vou trocá-los por panelas, que não preciso de tíquete de estacionamento, que não quero CPF na nota, que preciso de três sacolas, que vai ser no débito, que, sim, são dez caixas de Bis, e que são 10 caixas de Bis porque, quem sabe, eles criam uma deliciosa barreira achocolatada contra a covid-19, e que quando tudo isso acabar eu vou voltar para a academia, e que engordar na quarentena é supernormal.
Atenciosamente
Caro amigo imaginário, venho por meio desta levantar uma questão. E se o imaginário for eu? E se, nessa relação que estamos desenvolvendo durante a quarentena, eu for o imaginário? Será? Confesso minha torcida para, justamente, ser o lado imaginário nessa história. Ora, ser “imaginário” no Brasil é muito mais fácil. Muito mais seguro e saudável. Aliás, como “imaginário” não vou pagar esse boleto que está acenando para mim, não vou.
Imaginariamente
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