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Comunicar-se ou não? Eis a questão

miles@estadao.com

Por Mr. Miles
Atualização:

Nosso solerte viajante, com sua inseparável Trashie, voltou dos trópicos. E confessa que aproveitou menos o Caribe e a Namíbia do que em ocasiões anteriores. “Já não se fazem verões como no passado”, lamentou Mr. Miles. “Deve ter dobrado o número de sóis!”, concluiu. A seguir, a pergunta da semana:Querido Mr. Miles: vejo que o senhor não é um fã dos celulares e das redes sociais, mas não consigo entender como é que as pessoas viajavam antes de sua existência. Não morriam de saudades de todos? Maira Leão, por e-mailWell, my dear: nunca fui convidado ao enterro de alguém que tenha viajado no tempo das missivas. E, believe me, não faz tantos anos como parece. In fact, a comunicação no passado era muito incipiente – na mesma medida em que as viagens eram longas. Com custos relativamente muito mais altos do que os de hoje, brasileiros que partissem, for instance, para uma temporada na Europa estendiam sua viagem por pelo menos um mês, mas, em geral, ficavam até três fora de seu País.  A respeito de comunicação, não havia muito a fazer. Os correios eram demasiadamente lentos e, usually, não conseguiam fazer o caminho de ida e volta de uma correspondência em menos de duas ou três semanas – na melhor das hipóteses. In other words: em caso de viagem itinerante (vários destinos em um mesmo período) não havia o que fazer.   Telefone? Oh, my God: uma ligação da Europa para o Brasil custava tão caro que você podia trocá-la, eventualmente, por uma semana de seu roteiro. Exceto, by the way, pelos espertinhos que dominavam certos segredos ilegais, que pareciam mais lendas urbanas. Como, por exemplo, o da terceira cabine telefônica de leste para oeste do segundo andar da Gare du Nord, em Paris, que tinha a linha livre para quem conhecesse alguns números mágicos disseminados no submundo dos viajantes. Eu mesmo vi, I’m sorry to say, uma fila de 50 brasileiros no mencionado telefone, enquanto todos os demais estavam desocupados.  Havia outros truques de comunicação: o sujeito ligava a cobrar no sistema que se chamava person-to-person. Pedia para falar com Carlos, por exemplo. Não havia Carlos em sua casa, mas a pessoa que rejeitava a ligação já sabia, antecipadamente que Carlos significava ‘tudo bem por aqui’. Fátima queria dizer ‘mande-me dinheiro’. And so on.Brilliant, isn’t it? As dificuldades de comunicação resultavam em um sentimento cada vez menos em voga chamado saudades. As pessoas tinham saudades verdadeiras de seus países, de seus amigos e familiares. Sofriam com isso, mas davam mais valor a tudo: à viagem, aos que de fato importavam em suas vidas e até mesmo ao país. As crises sumiam na poeira das estradas e os viajantes sonhavam em rever o país que deixaram, tornavam-se estranhamente patriotas, gostavam de ver bandeiras de seus países em cidades distantes e celebravam o encontro com qualquer conterrâneo em terras estrangeiras. Eram desvantagens – mas eram, as well, sensações que sumiram. Nowadays, basta um celular com os aplicativos corretos e o turista pode comunicar-se, ao vivo em cores, com quem quer que seja. Para compartilhar, fofocar ou apenas esnobar. O mundo também está ao alcance em duas teclas e aplicativos como o WhatsApp são ótimos para quem quer ir a Paris e não ver a Torre Eiffel, não visitar o Musée d’Orsay e não flanar pelas margens do Senna. Hoje, my dear, o mundo pode ir no seu bolso ou em sua mala de mão. Não há saudades, não há surpresas. Pior: não há sequer as expectativas. O que terá mudado? As coisas melhoraram ou pioraram? Não há, sobretudo, o magnífico prazer de receber uma carta de alguém amado, olhar muitas vezes para ela cheio de expectativas. Ter a emoção de abri-la lentamente, reconhecer a letra, relembrar-se da voz, dos trejeitos e do olhar. Deixar cair uma lágrima. Será que ficou mesmo melhor? Experimente, dear. Da próxima vez em que viajar, aceite como bênção o isolamento que não ter comunicação permanente vai lhe propiciar. Não tente saber de seus país e dos seus. Abra-se exclusivamente para a alegria de conhecer. Depois, please, diga-me qual experiência foi melhor.” MR. MILES É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E16 TERRITÓRIOS ULTRAMARINOS.

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