Andei dezenas de salas controlando a ansiedade que me toma quando vou ao encontro dos famosos ou dos mais queridos – mais destes últimos do que dos primeiros. Meu pensamento vez ou outra escapava até ele. Mas estava prestes a conhecê-lo, quem dera a sós. E, além do mais, idade e experiência servem mesmo para controlar expectativas deste tipo.
Pois encontrar
Guernica
no museu Reina Sofía, em Madri, foi arrebatador. Pela importância da obra nos mundos das artes e da história. Sem dúvida pela admiração que nutro pelo trabalho de Picasso. Pronto, estavam potencializadas as chances de uma boa primeira impressão. Contudo, a essa altura do campeonato, sabemos todos que uma coisa são fotos e descrições de perfil. Outra coisa é o cara a cara com o (a)
crush
.
Porque ir com a cara de alguém não é muito diferente de ir com a cara de uma pintura. Pense bem. Por maiores que fossem minhas esperanças, poderia ser que eu chegasse até
Guernica
, painel cubista de 1937 que retrata os horrores da Guerra Civil Espanhola, e, no meu íntimo, nada sentisse, nada visse de tão especial. Difícil seria assumir, com receio da heresia – tanto quanto é polêmico defender que musos consagrados não são tão atraentes assim para nós. Como ir contra a opinião dos críticos de arte que vêm – não sabemos quase nunca desde quando – reafirmando a maravilhosidade de uma determinada obra e artista? Nós, meros mortais, que julgamos entender pouco sobre as artes, por mais que gostemos delas?
Eu fui com a cara de
Guernica
. Tanto que não quis mais me despedir dele. O fitei por todos os ângulos, lidando com o ciúmes dos olhares alheios. O mesmo não ocorreu com
Monalisa
, no Louvre. É verdade que nosso
date
foi atrapalhado pela quantidade de outros
dates
que a pintura renascentista de Da Vinci teve ao mesmo tempo. Mas não foi exatamente isso que impediu nosso
match
. É um quadro repleto de elementos interessantes, mas o coração não bateu mais forte. O despretensioso e enorme quadro da parede oposta,
As Bodas de Canaã
, de Veronese, me atraiu mais. Você sai de casa para encontrar um, volta com outro na cabeça. Coisas da vida.
Me dei conta de que nessas andanças pelo mundo pude encontrar um bom número de obras de arte famosas e bem avaliadas. Na Noruega, me surpreendi com o poder hipnotizante de
O Grito
, de Munch, e, na Áustria, com a luz de
O Beijo
, de Klimt –
crush
recomendado por amigos, inclusive. Nenhum deles me balançou tanto quanto a mulher sedutora pintada também por Klimt, a quem ele chamou de
Judit I
. O mesmo se deu quando me apresentei a Tarsila:
Antropofagia
e
Carnaval em Madureira
me tiraram o fôlego de tal forma que
Abaporu
se tornou, para mim, apenas “legal”.
Adoro Monet, Degas, Renoir. Mas no Thyssen-Bornemisza, em Madri, descobri os traços de Alfred Sisley e acabei por dar menos atenção aos astros, com quem já gastei um tempo noutros momentos. Digo até que, pelos quadros dele, trocaria os minutos daquela noite no MoMA com
A Noite Estrelada
, de Van Gogh. Mas não sou sempre do contra. Já me deparei e concordei com exemplares de ótima reputação e estética.
As Meninas
, de Velázquez, está nesta lista.
Penso que críticos de arte devam continuar fazendo suas avaliações. Todo quadro pode ser desinteressante fora de seu contexto histórico, distante da descrição de suas técnicas de produção, descolado da trajetória pessoal de quem os pintou. Assim, considerações de especialista e explicações podem ajudar a dar sentido a uma obra, sem dúvida.
É preciso admitir, porém, que a especulação do mercado artístico determina os quadros que, como obrigação, devemos gostar, cultuar, pagar milhões – assim como o mercado da estética e da moral incide sobre quem e sobre como nós devemos amar alguém. Porque no fim e nas contas, se apaixonar por uma arte ou por uma pessoa consensualmente bonita e bem sucedida é igual: você pode até dar sorte; mas, na verdade, não serão essas as características que te farão querer ter novos encontros que durem para sempre.
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