Cruzeiros voltam aos poucos no mundo; como isso afeta o Brasil?

Companhias retomam viagens - algumas apenas com passageiros vacinados - em Europa, Caribe e EUA, onde ainda há um impasse sobre imunização obrigatória

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Por Nathalia Molina
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Entre as previsões sobre viagens de lazer na pandemia, uma foi certeira: globalmente, os cruzeiros são o último segmento a retornar. Para manter os passageiros seguros e conseguir zarpar novamente, algumas companhias exigem a vacinação completa entre os pré-requisitos para embarque. Outras seguem as regras dos países onde operam, que podem incluir PCR negativo antes da partida e testes de antígeno a bordo.

Roteiros na Europa, no Caribe e nos Estados Unidos já voltaram ou irão até o fim de 2021. Mas as saídas a partir da Flórida, principal ponto de partida de cruzeiros no país, permanecem diante de um impasse entre a exigência ou não da imunização de passageiros.

Novo MSC Virtuosa transporta só residentes do Reino Unido em sua temporada inaugural, que começou em maio e vai até setembro Foto: Peter Byrne/AP

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“Os cruzeiros são os últimos a voltar por causa da própria característica do negócio. O navio é um lugar de aglomeração confinada”, afirma Luiz Gonzaga Godoi Trigo, professor do curso de Lazer e Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP). Por mais que existam áreas abertas nas embarcações, ele lembra que os viajantes ficam juntos em ambientes fechados, como teatro, boate e restaurantes.

Há um ano, Trigo já apontava que o segmento teria obstáculos a enfrentar. “Os últimos a voltar serão os navios”, disse o professor em reportagem publicada pelo Estadão em junho de 2020. Uma série de fatores contribuiu para retardar a volta dos cruzeiros - a temporada 2020/2021 no Brasil, por exemplo, teve de ser adiada - e a confiança dos viajantes. Logo no início da pandemia, o Diamond Princess ganhou o noticiário com centenas de casos a bordo e em torno de 15 mortes, lembra o professor da USP. Agora já se sabe que o novo coronavírus é transmitido com mais facilidade pelo ar, e navios podem chegar a transportar milhares de pessoas em espaços, muitas vezes, fechados. “O vírus tem suas variantes. Atualmente é muito mais contagioso do que no início da pandemia”, ressalta.

Como frear a covid-19 e retomar a navegação com segurança é a preocupação de toda a indústria. Em abril de 2021, a Carnival Corporation & PLC, maior grupo de cruzeiros do mundo com marcas como Carnival, Princess, Costa, Holland America e Seabourn, realizou um seminário online em parceria com o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (World Travel & Tourism Council - WTTC). No evento WTTC/Carnival Corporation Global Science Summit on Covid-19, Arnold W. Donald, CEO e presidente da Carnival, recebeu diferentes especialistas em Saúde para discutir aspectos da doença, vacinação, tipos de testagem e a retomada da navegação.

O navio Norwegian Breakaway navega de Nova York para Bermudas, no Caribe Foto: NCL

Conforme o processo de contaminação foi sendo mais conhecido, empresas como a Norwegian Cruise Line (NCL) anunciaram que só fariam saídas com 100% dos passageiros e tripulantes totalmente imunizados. A companhia aceita vacinas aprovadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o que inclui todas as aplicadas no Brasil (sim, inclusive a Coronavac). Os navios da NCL zarpam a partir de julho nas Ilhas Gregas, nos Estados Unidos e no Caribe.

“Para todos os roteiros, é exigida a vacinação completa e pelo menos 15 dias após a segunda dose. Todos os tripulantes estarão imunizados e um rigoroso programa da NCL cuida também dos fornecedores de serviços terrestres. Também haverá teste de antígeno no embarque e do desembarque, explica Estela Farina, diretora-geral da NCL no Brasil. “Os roteiros da companhia estão sendo elaborados levando em conta os portos visitados, a segurança e as medidas sanitárias de cada local. Muitos programas, por exemplo, no Mediterrâneo e no Alasca, são conhecidos, mas estão sendo reestudados para o novo momento.” A Norwegian também anunciou a Prima, nova classe de navios com mais espaço aberto.

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Impasse nos embarques na Flórida

A NCL é uma das marcas da Norwegian Cruise Line Holdings, proprietária também da Oceania Cruises e da Regent Seven Seas Cruises. Em 2 de abril, Frank Del Rio, CEO da holding, manifestou surpresa pelas exigências mais rígidas para cruzeiros feitas pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, pois, no mesmo dia, o órgão americano havia divulgado que viagens nacionais e internacionais ofereciam baixo risco para quem estava totalmente vacinado.

Após a queda de braço da indústria com o CDC, os cruzeiros receberam sinal verde do órgão, que vem flexibilizando por fases a navegação no país. De acordo com as diretrizes atuais, um mínimo de 95% de viajantes e tripulantes devem estar totalmente vacinados. As saídas na Flórida, no entanto, permanecem diante de um impasse entre essa recomendação e uma nova lei estadual, proibindo empresas de cobrarem ali prova de imunização de quem queira usar seus serviços.

Com praticamente todos os passageiros vacinados, o Celebrity Edge foi o primeiro navio a retomar os cruzeiros nos Estados Unidos Foto: Marta Lavandier/AP

No sábado passado, 26 de junho, o Celebrity Edge reabriu a navegação turística nos Estados Unidos, sendo o primeiro navio a zarpar no país após a crise da pandemia. A embarcação saiu de Port Everglades, em Fort Lauderdale. Para driblar a falta de solução na Flórida, a companhia exige vacinação em todos os roteiros, exceto nesse Estado americano, onde divulga que recomenda fortemente a imunização.

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Com um público repleto de famílias, a Disney Cruise Line (DCL) anunciou seu retorno à navegação apenas a partir do meio de 2022 e informa que segue acompanhando as orientações divulgadas pelo CDC. “A Disney sabe o efeito negativo de marketing que um caso de covid a bordo traz. Não vai correr risco. E ainda tem um monte de gente nos Estados Unidos que não está vacinada”, lembra Trigo, professor da USP.

Os cruzeiros da Disney fazem roteiros no Caribe e na Europa, entre junho e setembro do próximo ano. O quinto navio da companhia, o Disney Wish, será movido a gás natural. É a primeira das três embarcações com energia limpa que a DCL lança até 2025.

Protocolos e turismo de luxo

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Ricardo Alves, diretor geral da Velle, representante no Brasil de empresas como NCL, Oceania, Regent Seven Seas, Scenic Eclipse, Emerald Azzurra e Poseidon Expeditions, acredita que naturalmente os protocolos estejam sujeitos a ajustes no decorrer da temporada. Mas diz que atualmente as regras são bem rigorosas. “Todas as companhias que representamos seguem os protocolos da Clia Mundial e dos governos locais”, conta.

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“Atrelado a isso, a bordo há normas como: realização de PCR no porto, antes do embarque e na hora do desembarque; medição de temperatura; o filtro hepa no ar-condicionado; álcool em gel em diversos pontos do navio; higienização das bagagens na chegada; uso de máscara e escudo de rosto pela tripulação; refeições por cardápio, eliminando os buffets self-service; higienização constante dos equipamentos de lazer como academia, bikes e transportes em geral”, completa Alves.

Apesar de todos os problemas em 2020, o Brazil’s Luxury Cruise Market Report, produzido pela Pier 1, operadora brasileira especializada em cruzeiros de luxo, mostrou que o valor médio vendido por pessoa passou de US$ 7 mil. A empresa também reforça que, dos 16 navios lançados no mundo, cinco são de companhias de luxo. A Regent Seven Seas Cruises, com embarcações para o máximo de 750 passageiros, acaba de anunciar o sexto navio de sua frota: Seven Seas Grandeur, previsto para o fim de 2023. A companhia retoma seus roteiros com o Seven Seas Splendor, em setembro de 2021.

Seven Seas Grandeur, sexta embarcação da Regent, tem entrega prevista para o fim de 2023 Foto: Regent Seven Seas

“A pandemia afetou profundamente todo o setor do turismo e certamente fomos muito impactados”, lembra Mariana Peres Stellin, diretora de Operações da Pier 1. “A nossa estratégia foi muito focada em remarcar as viagens canceladas para embarques a partir de 2022. Os resultados dessa ação foram muito positivos e trouxeram fôlego e otimismo para a equipe, que mesmo nesse período turbulento continuou realizando vendas.”

A temporada de cruzeiros no Brasil

Apesar do cenário ainda desafiador, as companhias apostam tudo na retomada a partir do meio deste ano e seguem anunciando novos roteiros e modernos navios movidos a gás natural. O MSC World Europa, maior e mais ambientalmente inovadora embarcação da companhia, tem sua temporada inaugural prevista para dezembro de 2022, pelo Golfo, saindo de Dubai e passando pela Arábia Saudita e pelo Qatar. A empresa retomou suas atividades em maio de 2021, com o novo MSC Virtuosa, que navega até setembro apenas com residentes do Reino Unido.

Coube ao Costa Smeralda, mais novo navio da companhia em operação, reiniciar as atividades da empresa neste ano. Movida a gás natural, a embarcação será a maior da próxima temporada brasileira, com capacidade para até 6.730 passageiros. As viagens no litoral do Brasil estão previstas ocorrer entre 31 de outubro de 2021 a 19 de abril de 2022, com dois navios da Costa e cinco da MSC.

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Os navios de cruzeiro voltarão a circular no Brasil a partir de 5 de novembro Foto: Divulgação/Costa Cruzeiro

A Clia Brasil observa o desenrolar do retorno internacional à espera da temporada por aqui. “O sucesso da retomada da navegação em diversas partes do mundo, como Europa, Caribe, Estados Unidos, Cingapura, Taiwan, Japão e Taiti, conta muito a favor da temporada nacional, pois mostra que os robustos protocolos da Clia Internacional, aplicados pelo setor, sempre em concordância com as autoridades locais, têm alcançado o resultado almejado: um retorno seguro e com medidas que acompanham os cruzeiristas da compra da viagem até a volta para casa”, afirma o presidente da Clia Brasil, Marco Ferraz.

A Costa Cruzeiros informa que acompanha de forma contínua e próxima a evolução do cenário pandêmico global. “Entre vários pontos importantes inclui o desenvolvimento e a disponibilização de testes rápidos, tratamentos e vacinas eficazes nos diferentes países e regiões onde atua. E isso também inclui o Brasil”, explica Dario Rustico, presidente executivo da Costa Cruzeiros para América do Sul. “Neste momento, é prematuro tomar uma decisão definitiva e final sobre o assunto para a América do Sul, que está sendo trabalhado junto às autoridades brasileiras.”

O Costa Firenze, mais novo navio da companhia, lançado em dezembro de 2020, volta a navegar em 4 de julho. Além das embarcações recentes, a empresa tem novidades nos programas. “Introduzimos novos itinerários de cabotagem dentro da Itália. Com os protocolos que começam, gradualmente, a ser relaxados, voltamos a incluir roteiros para França, Espanha e Grécia”, conta Rustico.

Um dos destaques da temporada internacional da MSC Cruzeiros são os roteiros no Mar Vermelho. De novembro deste ano a março de 2022, um navio ficará baseado na Arábia Saudita, para fazer programas com escalas na Jordânia (perto de Petra) e no Egito (próximo de Luxor).

O gigante MSC Seaside é um dos transatlânticos da próxima temporada de cruzeiros no Brasil Foto: MSC

A companhia diz estar preparada para agir em caso de suspeita de covid-19 a bordo. “Temos um plano de contingência robusto e imediato, que inclui o isolamento do hóspede e de seus contatos próximos, além de rastreamento imediato de contatos, para atuar de forma rápida e eficaz, em conjunto com as autoridades em terra. Nosso protocolo e nosso plano de resposta têm sido muito eficazes no gerenciamento de alguns poucos casos suspeitos que foram identificados desde que reiniciamos as operações com o apoio das autoridades locais”, informou à reportagem.

Contra o excesso de turistas dos grandes navios

Até problemas anteriores à covid-19 voltaram à tona no retorno dos navios à navegação. Foi o caso de Veneza, onde a população já deixou claro que não quer mais embarcações gigantes lotando a cidade de turistas. Agora em junho, quando o MSC Orchestra voltou a operar na cidade italiana, houve protestos de moradores e ambientalistas contra o retorno de embarcações grandes após 18 meses de interrupção da navegação.

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