PUBLICIDADE

Turismo reabre na Serra Gaúcha. Quais os riscos?

Hotéis, restaurantes e atrações da região voltaram a funcionar seguindo protocolos determinados, mas especialistas alertam para riscos

Foto do author Nathalia Molina
Por Nathalia Molina
Atualização:

Recepcionistas e camareiras de máscara e protetor facial. Termômetro de infravermelho no check-in. Café da manhã à la carte ou servido no quarto. Grupos pequenos na visita a atrações. Com esse cenário, a Serra Gaúcha está reaberta aos viajantes. Hotéis, parques e atrações de Gramado e Canela estão autorizados a funcionar com restrições. O fim de semana do Dia das Mães foi o primeiro da nova fase, com exigências como a ocupação máxima de 50% na hotelaria. No Vale dos Vinhedos, Bento Gonçalves já havia feito esse movimento em meados de abril. A retomada do turismo, em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus, divide opiniões entre os especialistas em Saúde ouvidos pelo Estado. Mas em um aspecto todos concordam: a decisão envolve risco, em algum grau.

“Não dá para dizer que é uma medida segura ainda. É uma aposta de alto risco. A disseminação do vírus é muito forte”, afirma Fernando Aith, professor titular do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). “Tem uma agonia muito grande para uma reabertura econômica. A nossa política de combate à epidemia está capenga e, já que não tem horizonte, as pessoas vão se agoniando e acabam dizendo ‘vamos sair logo do isolamento’. Isso só é possível face à falta de gestão do sistema pelo Ministério da Saúde”, diz Aith.

Hotéis de Gramado, como os da Rede Laghetto, adotaram equipamentos de proteção para os funcionários Foto: Rede Laghetto Hotéis

PUBLICIDADE

Ainda que as cidades gaúchas não tivessem autorizado o retorno do turismo por decretos municipais, a reabertura de hotéis, agências e atrações seria possível na serra desde 11 de maio, quando entrou em vigor o distanciamento controlado estabelecido pelo governo do Rio Grande do Sul. A região ficou com bandeira laranja, que permite essas atividades com restrições. A nova estratégia de combate ao coronavírus prevê a revisão semanal para decidir se intensifica ou flexibiliza o isolamento em cada área. “Esse discurso cabe para uma reabertura local. Mas, para turismo, é muito precipitado. Eles podiam esperar duas ou três semanas”, diz Aith.

O professor da USP explica que, ao abrir uma cidade para o turismo, tanto moradores quanto visitantes ficam mais expostos à contaminação. “O ponto central da prevenção é a pessoa ter poucos contatos sociais. O que é contra o turismo. Com a abertura para visitantes, eles não só não estão reduzindo o risco de interações sociais, como estão estimulando essas interações, e com gente que vem de fora”, explica. “Inclusive é um risco entre hóspedes. A pessoa veio de uma área sem problema e acaba contraindo e levando de volta para casa, o que pode piorar a vida em outros lugares.”

Para Alcides Miranda, professor do curso de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), há um risco de sobrecarga do sistema de saúde. “As duas últimas semanas nos dão incremento intensivo de casos e complicações porque houve um afrouxamento nas medidas de distanciamento, com discursos como o do governo federal, motivando milhões de pessoas a se exporem ao risco”, diz o médico, autor de curso sobre condução de gabinete de crise em saúde

No meio de abril, a ocupação de leitos de UTI na Serra Gaúcha era de 60% e atualmente fica em torno de 70%, segundo dados do governo do Rio Grande do Sul. “Não posso tomar medidas de afrouxamento, essa medidas têm de ser em outro momento. É um risco muito grande abrir o turismo agora em Gramado”, afirma Miranda

Gramado no primeiro fim de semana da reabertura para o turismo, no Dia das Mães Foto: Miron Neto

<Protocolos obrigatórios

Publicidade

No distanciamento controlado, o Estado foi dividido em 20 regiões, que ganham bandeiras coloridas, com protocolos obrigatórios (entre eles, o uso de máscara) e critérios a serem seguidos pelos vários setores econômicos, incluindo o turismo. “Os gestores municipais podem, a seu juízo, adotar medidas mais restritivas àquelas previstas pela bandeira da sua região”, afirma a secretária estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag), Leany Lemos, que coordena o Comitê de Dados e tem participação direta na construção do modelo de distanciamento controlado. “O governo estadual vai auxiliar os municípios na fiscalização do cumprimento de protocolos obrigatórios, inclusive do distanciamento de dois metros no caso de atrações turísticas. O cumprimento, neste caso, cabe aos empreendimentos, com a devida demarcação dos locais de circulação das pessoas, por exemplo.”

A estratégia leva em conta 11 indicadores relacionados à velocidade de propagação da covid-19 e à capacidade de atendimento do sistema de saúde. Segundo dados de 14 de maio às 9h05, dos 1.709 leitos de UTI adulto no Estado, 1.260 estavam ocupados, sendo 124 por pacientes de coronavírus. “O inverno é uma preocupação diante do histórico de incidência de outras doenças respiratórias graves. Por isso, houve um grande esforço para vacinação da gripe H1N1 e que está atingindo as metas”, diz a secretária.

Leany explica que o governo desenvolveu o modelo “com base em critérios de saúde e de atividade econômica, sempre priorizando a vida”. “O modelo se caracteriza por um pacto com a sociedade, pois quanto maior a adesão das pessoas, mais ficarão protegidas e mais longe estaremos de um eventual colapso dos serviços hospitalares”, afirma.

Maria Eugênia Bresolin Pinto, professora de Medicina de Família e Comunidade da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e coordenadora de Educação do Hospital Moinhos de Vento, pondera que o cenário no Rio Grande do Sul é diferente do visto em outras partes do País. “A pandemia não é uma coisa só no Brasil inteiro. Aqui a gente conseguiu achatar a curva por um período mais longo. Não tinha nenhuma morte quando começou o isolamento social no Rio Grande do Sul.”

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

No entanto, como existe uma subnotificação dos casos de coronavírus no Brasil, o professor explica que é necessário considerar também os eventos-sentinela, como internações por insuficiência respiratória, óbitos domiciliares e afastamento de trabalhadores que não são grupo de risco. “Esses o governo do Estado não está monitorando. É uma leitura incompleta da situação. Estão tomando uma medida que podia ser adequada em outro momento.”

“A flexibilização das medidas certamente vai ter como consequência, a partir de duas a três semanas, um aumento na exposição das pessoas e em novos casos. Sempre que a gente dispõe de distanciamento social e etiqueta higiênica, o número da infecção cai bastante”, diz Eduardo Sprinz, professor da UFRGS e chefe do serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas da universidade. “Estou imaginando que a gente vai ter um evento sanfona”, acredita em relação às mudanças para apertar e liberar o isolamento ao longo das semanas. “A gente só vai saber se vai acertar ou errar no futuro infelizmente. Isso aqui tudo o que está acontecendo é como se o planeta fosse um tubo de ensaio.”

Publicidade

Flexibilização do isolamento

“A organização da abertura, um monitoramento intenso, indicadores muito sensíveis: essas características ‘dão uma certa segurança’. O cuidado que a gente tem de ter ao analisar os dados é fazer uma interpretação mais aprofundada. Não vou te dizer que não é um risco, mas é o mais controlado possível”, afirma Maria Eugênia, professora da UFCSPA.

Na Serra Gaúcha, pela classificação do governo, podem funcionar hotéis com até metade dos quartos e agências de turismo com no máximo 25% dos funcionários. Restaurantes à la carte podem trabalhar com até 50% dos empregados – refeições em bufê seguem proibidas. Lojas de centros comerciais e shoppings podem abrir com metade da ocupação e dos funcionários.

No Hotel Ritta Höppner, camareiras estão trabalhando com equipamentos de segurança Foto: Igor Santos

Precauções para retomada 

Abrir o turismo de Gramado causa insegurança pela chance de levar para a cidade um problema que não existia? “O medo claro que existe um pouco. A gente não viu nada acontecer aqui. Foram só duas turistas que vieram de São Paulo e ficaram em quarentena no início (da pandemia)”, diz Flaviana Yamaguchi Laghetto, gerente de Marketing da Rede Laghetto Hotéis, se referindo aos únicos casos da covid-19 confirmados em Gramado. “Parece que a gente está numa bolha. Tem muita gente levando a vida normalmente. Mas a cada dia tem mais gente de máscara na rua”, conta

“A gente está tomando todos os cuidados para que isso (coronavírus) não venha para cá. Quando um hóspede desocupa um quarto, a gente deixa 72 horas vazio antes da entrada de outro.” Apenas um dos dez hotéis da rede na cidade funcionou no fim de semana de reabertura; hoje mais dois entram em atividade. “A procura começou a aumentar. Acho que o pessoal se sente seguro para vir cá”, diz Flaviana. “Nesse fim de semana, tinha bastante gente de Santa Catarina, de carro, e teve um casal que veio de São Paulo, de avião.

No Ritta Höppner, as malas são higienizadas antes de serem levadas para dentro do hotel. “Quanto ao restaurante e ao café da manhã, estamos usando a mesa sem toalhas, de forma que podemos a todo uso fazer uma higienização completa com álcool em gel”, diz Adriana Höppner, diretora do empreendimento. Das 34 acomodações, entre chalés e apartamentos, o hotel abriu 14. “Optamos por trabalhar com os chalés por se localizarem em meio ao jardim, mais arborizado.

Publicidade

Entre as adaptações para reabrir em 5 de junho, o Snowland, parque de neve de Gramado, definiu que haverá aulas de esqui e snowboard só em dias predeterminados. “Temos de fornecer a roupa de neve com luvas. Elas serão entregues em embalagens individuais invioláveis. A mesma roupa não será reutilizada antes de ser lavada e passar pela secagem a 45 graus”, afirma o diretor executivo, Paulo Mentone.

Bondinhos de Canela estão parando mais tempo para entrada e saída de visitantes sem ter de dar a mão ao atendente Foto: Bondinhos Aéreos de Canela

Na Bondinhos Aéreos de Canela, também houve mudanças para a volta. Cada bondinho, para até oito pessoas, só leva integrantes da mesma família e para mais tempo na plataforma para facilitar a entrada e saída de visitantes sem ter de dar a mão a um atendente. “As janelas dos bondinhos permanecerão abertas 100% do tempo para circulação de ar, e eles serão desinfetados frequentemente”, diz Mateus Scain, gerente da empresa.

Visitante regional

Sempre nas listas de destinos mais visitados do Brasil, Gramado tem cerca de 85% da sua economia proveniente do turismo e São Paulo e Rio de Janeiro entre seus principais emissores de viajantes. “Enquanto a malha aérea nacional não estiver regularizada, Gramado tem de trabalhar o turismo de vizinhança”, diz João Alfredo Bertolucci, prefeito de Gramado.

Empresários e governantes da Serra Gaúcha apostam em receber, em um primeiro momento, o visitante regional, que se desloca de carro até lá, saindo do próprio Rio Grande do Sul ou, no máximo, de Santa Catarina. “No nosso caso, cerca de 75% é turismo regional de fim de semana”, afirma Guilherme Pasin, prefeito de Bento Gonçalves. O enoturismo, calcula o prefeito, responde por cerca de 35% da economia local. Na região, vinícolas como a Miolo estão recebendo visitantes em grupos menores, de dez pessoas no máximo, e a agência Giordani já oferece passeios de maria-fumaça a partir de junho.

Em Gramado, entre outros eventos, o Festival de Cinema e o Natal Luz estão previstos para o segundo semestre. O mesmo ocorre com o calendário de Bento Gonçalves, cujo prefeito espera um aumento no movimento então. “Acreditamos que a partir de setembro consigamos trabalhar com o ânimo do visitante porque o turismo é uma atividade que precisa contar com isso”, diz Pasin. Por enquanto, as taxas de ocupação nos hotéis, de acordo com ele, são estimadas entre 10% e 15%.

Certificação com selo

Publicidade

“A gente buscou a flexibilização dessa situação, do retorno das atividades, mas, em contrapartida, com uma rigidez de toda a sanitização”, afirma o prefeito de Bento Gonçalves, que registrou cinco mortes pela covid-19. “O pico (do coronavírus) vai passar, mas a contaminação vai continuar. Essa nova prática, de higienização dos ambientes, vai precisar fazer parte daqui para frente.” Para certificar quem no turismo cumpre os requisitos de higiene, Bento Gonçalves lançou o selo Ambiente Limpo e Seguro e está agora na fase de capacitação das empresas.

Selo de Bento Gonçalves certifica empresas que seguem as normas Foto: Reprodução

No início de maio, a Secretaria Municipal de Turismo de Gramado lançou uma pesquisa online para saber a intenção de viagem à cidade gaúcha: “86% afirmaram que viriam à cidade pela segurança e também pela situação estável (em relação ao coronavírus)”, conta Bertolucci. “O povo de Gramado é muito disciplinado, foi grande parceiro. Obedeceu aos decretos municipais (de isolamento), também por isso estamos razoavelmente protegidos”, afirma o prefeito da cidade.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.